Immolation Season - Ep 7, Carmen
Tal como os breves e efémeros humanos, Carmen também chegara ao seu ponto limite. Tudo era demais, cada um daqueles que assombravam a sua existência morta. Sair do seu mundo, deixar-se enaltecer pela loucura dos sentimentos fúteis... Encher-se de alimento e perder-se pela loucura do tempo. Carmen desejava ser nada mais do que outra pessoa qualquer - menos ela, e os problemas que a pareciam perseguir.
"Inertia Creeps" by Carmen Montenegro
Deixei a casa para trás, embrenhei-me na floresta que
circundava a mansão. Passei por várias árvores sem ligar a sua forma ou tipo,
afastei arbustos irritantes que se metiam no meu caminho, afastei troncos
caídos e embrenhei-me naquela escuridão. O ar lá dentro parecia mais frio mas,
mesmo assim continuei. A noite parecia mais negra ali mas, só ela seria a minha
companheira. Não havia animais por perto, nem rastro de qualquer vida humana,
era apenas eu e as árvores à minha volta. Só tinha floresta e mais floresta à
minha volta, os meus passos pisavam ramos e folhas caídas, não tinha tenções de
parar. Infiltrava-me na bruma na floresta, com passo rápido afastando qualquer
ramo que se metesse no meu caminho. O vento frio cortava o ar, ia ao encontro
do meu corpo e servia como lembrete da realidade mas, mesmo assim não parei.
Enquanto andava sentia que pisava em cada problema:
Santiago…Julian…Dean…Eric…Sheftu…pisava como galhos velhos que o tempo tinha
enfraquecido. Sentia os galhos a partirem-se com o meu peso, e as folhas secas
a racharem-se.
A floresta ia ficando cada vez mais densa a cada passo, a
luz das estrelas mal iluminavam o caminho mas, eu guiava-me pela intuição.
Mesmo na escuridão a floresta parecia ter uma aura diferente, algo que chamava
por mim.
Sempre em frente é o caminho sem nunca olhar para trás.
Estava toda ela envolta em escuridão total; casa de animais e plantas, naquele
momento era o refúgio mental que eu percorria sem fim. Não tinha rumo apenas
percorria aquela floresta com fulgor.
Parei.
Simplesmente parei, os meus pés recusavam a fazer qualquer
movimento. Olhei para os meus pés cobertos pelas botas sujas de lama que se
misturavam com o sangue das minhas vítimas. Subi os olhos para as pernas, para
o corpete e a seguir meti as minhas mãos à vista dos meus olhos. Manchadas de
sangue. Sim…
Recomecei a andar pisando mais galhos. Não tinha noção do
tempo, faltaria muito para a alvorada?
Quero lá saber! Apenas queria andar.
Continuei a andar, e foi então que tudo ficou estranho.
Senti como que um golpe de ar no peito para depois começar a mover-me devagar,
não porque queria, mas porque tudo a minha volta se mexia em câmara lenta. Os
meus pés demoravam mais tempo a tocar no chão, o meu corpo atrasava-se nos
movimentos e até o bater do meu coração, coisa que às vezes nem bater batia,
andava devagar. Olhei em volta e reparei que tudo se movia mais devagar,
conseguia ver as folhas moverem-se lentamente, conseguia até ver a brisa passar
por entre os ramos das árvores. Girei sobre mim mesma e reparei nos pirilampos
que rodavam entre si lentamente. Levantei os olhos para as estrelas lá em cima,
vendo-as mais brilhantes que nunca sobre um céu negro sem fim; Um vento mais
forte levantou e as copas das árvores remexeram-se como saias de uma bailarina
mas, tão lentamente. Desci o olhar para a floresta a minha volta, cujo vento
fazia mexer as folhas e ramos caídos, tudo movia-se tão lentamente que chegava
a assustar.
Dentro de mim, aquela mistura de sangue estava a fazer-me
confusão. De repente parecia que as árvores respiravam, que as plantas
sussurravam, que o chão vibrava sobre meus pés. Olhei para a frente e vi, o
tronco das árvores aproximarem-se como que atraídos por algo para depois,
voltarem aos seus lugares. O vento à minha volta aumentou de velocidade,
levantando folhas do chão, passaram por mim assim como outros detritos mas,
tudo se movia tão devagar que conseguia vê-los a rodopiar encantados pelo
vento. O vento vinha detrás de mim, empurrando-me para a frente, avancei dois
passos muito lentamente, enquanto o vento passava por mim…
Os meus cabelos voavam à minha volta, encantados com aquela
brisa mágica sem destinatário. Fui percorrida por um baque que bateu no meu
coração e, que mandou ondas de choque por todo o meu corpo. Sentia-me leve, sem
nada a prender-me aqui ao chão…Coloquei a mão sobre o meu peito e sentia o meu
coração bater ferozmente, como se estivesse vivo.
Batia tão rápido que aquele tum tum
inundava os meus ouvidos, marcando um ritmo sistemático. Olhei à minha volta e,
conseguia ver aquele som reproduzido nas árvores, nas folhas, no ar…tudo se
movia conforme o bater do meu coração. Estaria viva?
Olhei em frente e vi, enquanto uma sombra se materializava.
Vinha desde longe num caminhar também lento sem pressa. Fechei os olhos
deixando aquelas sensações estranhas passarem por mim, não sabia o que era,
ainda estava para descobrir mas atacou-me de tal modo que não conseguia pensar.
Tum tum…tum tum o meu coração marcava
o ritmo a que aquela sombra se aproximava. Tum
tum…tum tum…A floresta a minha volta parecia cada vez mais pequena a cada
bater do tambor debaixo dos meus dedos.
A sombra aproximava-se, agora via que era maior que eu e que
a sua presença apagava qualquer força em mim. O ar, que antes existia em
abundância, agora faltava-me a cada passo daquela sombra. A tontura, levou-me a
fechar os olhos, tomou-me o espírito, sentia-me mal, fraca, enjoada, com o
gosto de sangue a chegar-me a boca e com os joelhos fracos que me levaram ao
chão.
Abri os olhos a sombra poderosa estava a minha frente, a
sombra estendeu a sua mão – ou assim parecia – para a minha face. O seu toque
era frio e ainda fez o meu coração, que subitamente parecia vivo, acelerar os
batimentos e criar pressão sobre o meu peito. Tum tum…tum tum… os batimentos pareciam agora superiores a mim,
superiores a tudo.
A sombra aproximou a sua cara de mim. Respirava! Conseguia
sentir o seu pesado respirar sobre a minha cara. Parecia que se engasgava!
Dei-me conta, então que somente aquele respirar se ouvia na floresta toda…o meu
coração silenciara-se…não havia vento…não havia qualquer som, somente aquele respirar
na minha cara…Puro silêncio…
Ficamos assim; Eu e aquela sombra, ela a olhar-me nos olhos
e eu a devolver o olhar para aquele negrume vazio à minha frente. Ela afastou-se
por segundos. O silêncio era assustador, admito! Naquele momento eu não tinha
medo, não tinha nada! Sentimento algum passava-me pelo peito. Puro vazio. Pura
dormência sentimental….
Depois aconteceu! Aquela sombra entrou dentro de mim, com uma
onda de choque que abanou as árvores à minha volta e mandou-me de costas ao
chão. Uma pressão estranha tomou-me por dentro, sentia-me a sair de mim mesma;
Girei sobre mim mesma e rastejei pelo chão mas, logo parei…algo estava
mal...coloquei-me de gatas e cuspi o que subiu pela garganta rapidamente, uma
poça de sangue. Olhei para aquela poça de sangue a minha frente, vi-a ser
sugada pela terra como água e a desaparecer a frente dos meus olhos.
- Carmen… - Uma
voz em eco surgiu a minha volta. Vinha como se fosse o vento, passando pelas árvores.
Olhei em redor, a tempo de ver o que parecia ser capa preta passar por entre as
árvores, lá mais a frente. Logo, depois vi movimento à minha direita, dirigi
para lá o olhar e tive o vislumbre de uns cabelos negros. A seguir, foi à minha
direita mas, desta vez, ele passou mais devagar e consegui vê-lo a passar atrás
de um tronco de árvore. Senti o pânico a tomar-me o espírito quando o vi. Ouvi
gritos estridentes nos meus ouvidos quando ele sorriu. E o meu coração,
momentaneamente vivo, bateu desenfreado quando começou a dirigir-se na minha
direcção.
Ele vinha lentamente, como tudo à minha volta. Vestido de
negro com os cabelos escuros a escorrer pelas costas abaixo e olhos verdes que
nem uma cobra venenosa. Queria mover-me, queria fugir mas, não conseguia! Ele
trouxe a sua cara perto da minha e, senti-me a encolher por dentro.
- Vais morrer…
Atravessou-me como um fantasma atravessa uma parede e, tão
rápido quanto tinha aparecido, Santiago, o vampiro mago das artes negras, esfumara-se.
Novo baque no peito, e sentia-me a queimar. Caí de costas na
terra enfrentando as estrelas, enquanto o fogo trespassava-me. Agarrei-me ao
meu pescoço, ao peito, a barriga…senti as unhas a arranharem a pele, só queria
que aquele fogo saísse de mim… SOCORRO!
SOCORRO!
Aquele fogo, não dava sinais de cessar…Lutava contra mim
mesma, contra aquele fogo mas, só me sentia a queimar por dentro…
Ouvi uma estranha risada a minha volta, que reconheci como
sendo de Santiago. A risada ia aumentando. Confundiu-se com o meu grito de dor
e de terror. Um grito que só foi abafado pelo negrume que se abateu sobre mim, à
medida que caía na inconsciência no meio da floresta.
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