Immolation Season - Ep 24, Julian

Demorou, mas o tempo se aproximava do resultado que o Pai de Julian tinha em mente: Carmen logo falaria. A sua irritação parecia envolver algo mais do que todo esse impasse com Santiago, Carmen ou até Rânia. O que teria esta sua recente existência de diferente? Encontraria alguma vez a chave para tudo? O primeiro passo seria descobrir onde estavam os livros. Desse por onde desse.

"Burning Anger" by Julian Carriere

Mais uma explosão ouviu-se na confusão já instalada. O fogo rodeava tudo, e as pessoas que ainda respiravam, corriam de um lado para o outro procurando uma saída. Os gritos de pânico eram mais um som que abafava o da madeira a queimar e das outras pequenas explosões que se seguiam junto do balcão onde as garrafas com aquele líquido inflamável eram agora um novo combustível ao fogo que queimava ferozmente. O chão estava coberto de corpos e várias poças de sangue eram visíveis agora pisadas por os poucos que ainda tentavam escapar. Ao longe as sirenes de carros da polícia e de bombeiros assinalava que vinham já a caminho para socorrer esta desgraça. No entanto, a verdade é que ninguém sairia dali vivo.

16 horas antes...

- Bem, Dean. Foi um prazer. - Ironizei, e lancei com toda a força a lança no seu coração de forma a perfurá-lo de um lado ao outro.

Vi-me embater contra a parede do quarto, por uma força invisível, enquanto a minha lança caíra no chão. Não sabia o que tinha acontecido, ou quem tivera feito aquilo. Dean continuava imóvel na cama, como se nada se tivera passado, e eu estava mais confuso e mais irritado que nunca.
Caminhei e saltei entre várias cidades, apanhando desde a noite, ao dia, à chuva, ao calor; por momentos passei em ruas demasiado movimentadas, outras completamente desertas, enquanto no meu cérebro muitas questões se levantavam, muitas respostas eram exigidas, e na verdade não havia maneira de aparecerem. A frustração, a raiva, a dor de continuar na mesma posição que me encontrava séculos atrás. Se calhar até pior do que antes... o pensamento dos poderes que perdera assolou-me e senti mais uma dor cravar-me o espírito. Apenas um objecto nas mãos de meu pai, é aquilo que sou... e com adversários que podia ver mesmo a um pensamento de distância.
Dean... foi o nome que surgiu nesse preciso momento. Ele era a razão de toda esta fúria! Sim, Dean. Aquele insuportável humano agora transformado em vampiro. E por instantes pareceu-me que Dean tomara o lugar daquele que eu outrora tanto odiava... era como ver de novo Lawrence no meu caminho... NÃO! NÃO! ISSO NÃO VAI ACONTECER! MALDITO HUMANO! O QUE TEM ELE DE ESPECIAL PARA QUE A LANÇA NÃO PERFURASSE O SEU PEITO?! ARGH!

Às vezes gostava que as coisas fossem assim fáceis, ter o pensamento de ver alguém arder, e vê-lo arder nesse mesmo instante. Até a Beth tinha essa sorte. No meu caso era diferente. Mesmo que as coisas parecessem fáceis, parece que por serem dirigidas a mim, se tornavam duplamente complicadas, somente para me atormentarem. A sério?! Por que é que não consigo acabar com a vida idiota daquele DEAN? Dean... Dean... Dean... Estava agora a rodar um copo vazio, num dos 20 bares por onde passara hoje. Não que tivesse sede de me alimentar, apenas queria tomar o álcool para fazer acalmar a minha voz interior. E a verdade é que não estava a fazer nada, porque não era álcool que ia ter efeito num vampiro.
Passava já da meia-noite, e estava escuro lá fora, o bar estava bem preenchido e a animação era grande. Notei em duas raparigas que riam à gargalhada numa das mesas ao fundo. Vi outros de volta de uma mesa de bilhar, e outros simplesmente falavam de copo ou garrafa na mão. Mais mesas estavam ocupadas, por mais pessoas que falavam enquanto saboreavam a sua bebida.
Fiz sinal ao barman para encher de novo o copo, e ele assim fez. Olhei de relance para uma rapariga de cabelo curto, de tom castanho e liso que estava acompanhada por um homem mais velho que agora olhava para mim com enorme desdém.
Voltei-me novamente para a bebida que tinha em cima do balcão, e não demorou muito até aquele homem estar ali a tocar-me com força considerável no ombro. Olhei para a pessoa que estava à minha frente, e confirmei que o idiota tinha tido a brilhante ideia de vir espicaçar-me.
- Estavas a olhar para a minha filha? - Perguntou-me em voz alta e autoritária.
- E se estivesse? Pensei que estivéssemos num espaço público. - Respondi-lhe em desafio.
- Olhem-me para isto! Já a formiga tem catarro. - Disse ele.
- Deves-te achar muito especial, tu! - Disse-lhe.
- Olha-me para este tom, como se fosse senhor da casa. - Respondeu-me. - Se eu fosse teu pai dava-te uma surra que aprendias logo!
E isto foi a gota de água no meu dia que já não estava a ser nenhuma alegria. Não que eu precisasse de um motivo para começar a destruir tudo à minha volta, mas aquela foi de facto a chispa para fazer estragos.
- Quem não está para aturar esse tipo de tom, sou eu!

Ele ia para lançar uma gargalhada, mas eu simplesmente agarrei no seu pescoço e parti-o. A filha dele soltou um berro, e todo o bar caiu em silêncio ao ver o homem caído no chão. Mas por quê parar por aqui? Foi quando vi três outros homens virem na minha direcção já com cadeiras no ar, prontos a darem-me um enxerto. Melhor... Assim não tinha que ser eu a ir atrás deles. Sorri malevolamente, e nesse momento, uma grande explosão fez-se sentir na cozinha, fazendo com que as chamas começassem a comer na madeira que envolvia o estabelecimento. Nesse mesmo momento reparei num grupo de pessoas que acorriam para a saída. Pois bem, assim que uma delas agarrou o puxador e abriu a porta até meio, uma energia fê-la fechar-se nesse mesmo instante para desespero da rapariga que tentava a todo o custo abri-la novamente. Também os que estavam na cozinha vinham agora a correr até à zona dos clientes. Eu não ia esquecer todas as saídas do edifício.
O pânico continuava, e aqueles homens que vinham com cadeiras em mão, embora tivessem parado perante o choque da explosão, não iam agora desistir de acabar comigo, e vi uma cadeira vir lançada na minha direcção. Desviei-me para o lado e ouvi o som desta a estilhaçar-se a uns metros atrás de mim. Enquanto isso vi um outro homem quebrar uma outra cadeira, mesmo ao meu lado. Por segundos, teria embatido em cheio em mim caso não me tivesse desviado a tempo. Isto até estava a ser divertido, e eles pareciam determinados a não parar de lutar. O fogo, como é óbvio estava controlado, não iria brincar, quando sei que o fogo é a arma que também pode acabar comigo, mas já estes ataques humanos pareciam ser só uma brincadeira de crianças. Faziam-me lembrar os velhos tempos com Santiago, em que semeávamos destruição por onde quer que passássemos.
Enquanto uns tentavam sair dali, outros tentavam acabar comigo. O próximo homem que se lançou a mim ficou com a artéria do seu pescoço a esguichar sangue que nem uma fonte. Sem pensar duas vezes, bebi aquele sangue de tom vermelho de forma rápida. E não tinha que o beber todo, pois bem vistas as coisas, tinha ainda muito sangue à disposição. Vi-me agarrar um outro homem, e este foi mesmo depois de lhe romper o seu ombro esquerdo. Mais uns litros de sangue que foram bebidos.
Os corpos iam ficando caídos pelo chão à medida que, um a um, iam sendo mortos e o seu sangue formava poças que outros iam pisando enquanto corriam de um lado para o outro.
Ao longe já se ouviam as sirenes dos bombeiros e da polícia, que em breve estariam aqui para dar de caras com esta bonita tragédia.
Vi uma rapariga ao fundo que também demonstrava sinais de medo, num segundo estava ao seu lado, agarrando-a bem próxima do meu corpo.
- Por favor deixa-me ir! Por favor! - Suplicou ela entre um choro desesperado.
Toquei de leve na sua madeixa negra que caía sob a sua pele de um branco pálido, muito possivelmente o resultado do medo que a invadia.
- Darias uma bela vampira. - Disse-lhe baixinho ao ouvido.
Ela olhou para mim incrédula. Provavelmente pensando que eu era louco.
- Vampiros não exist... - Não terminou a frase pois eu sorri perante o que já sabia vir dali. Os seus olhos prenderam-se nas minhas presas que estavam agora visíveis.
- Existem sim... - Disse-lhe.
Nesse momento o som de uma shotgun fez-se ouvir, e a rapariga que estava mesmo junto a mim, começou a escorregar-me dos braços em direcção ao chão. Vi uma mancha de sangue surgir no seu peito, e mal olhei na direcção de onde viera aquela bala, um segundo disparo ouviu-se, e desta vez o homem que segurava a arma, não tinha falhado. Mesmo em cheio no meu peito. Custou-me respirar por um momento mas não era uma bala daquelas que ia acabar comigo. No entanto, também não ia esperar por mais nenhuma. E depois as sirenes estavam agora muito perto, era hora de acabar com isto tudo. Fora divertido enquanto durou.
Naquele momento fiz com que os poucos que restavam caíssem de morte súbita no chão. Afinal quando eu queria realmente, até que conseguia fazer as coisas bem. Sorri para mim próprio ao mesmo tempo que o fogo lambia em toda a minha volta, queimando tudo por onde passava. Olhei de relance para a rapariga de cabelos negros. Sem dúvida davas uma bela vampira, pensei, e depois teletransportei-me dali para fora.

Muito ao longe ouvia-se ainda o som das sirenes, e as labaredas e fumo preenchiam o céu. Depois de olhar para aquela minha obra, e de arrancar aquela bala de dentro de mim, voltei costas, e entrei na floresta que se encontrava adiante. Era estranho, sentia-me leve, e as coisas à minha volta começavam a perder o foco. Ficou escuro por momentos e depois vi-me no meio da floresta, onde a luz do luar incidia, como um lobo branco ali parado. Nesse momento senti-me em paz.

Quando voltei a abrir os olhos vi a cara de Rania mesmo em cima de mim. Continuou a observar-me por uns segundos, e só se afastou quando lhe falei.
- O que estás a fazer?
Ao que ela respondeu:
- Certifico-me que não estás morto.
Sentei-me na cama, ainda a pensar na resposta de Rania, e então reparei que ainda estava com as roupas da noite anterior, com um rasgão mesmo no peito por onde entrara a bala, e sangue seco que manchava as roupas.
- Estou desiludida contigo, Julian! Não acredito que deixaste-me de fora de tanta diversão! Ao menos chamavas-me, não?
- De que falas? - Perguntei confuso.
Ela pegou no telecomando do grande LED que eu tinha no quarto e ligou a tv. Imediatamente o ecrã foi bombardeado com várias imagens dum incêndio num bar, com dezenas de mortos. Diziam que tinha havido um problema eléctrico com as portas, e ninguém conseguira sair vivo dali de dentro. Ao menos não há forma de suspeitarem, ou sequer testemunhas, pensei.
- Tem sido isto toda a madrugada e manhã! E não me venhas dizer que não foste tu, porque aquilo… - Ela apontou para a tv que ainda mostrava as imagens do terrível acontecimento. - Não acontece assim, sem mais nem menos.
- Manhã? - Perguntei.
Ela ficou um pouco confusa com a minha pergunta, mas depois respondeu.
- Sim, manhã! São três da tarde! Porque é que achas que eu estava colada a ver se davas sinais de vida? Porque os vampiros por norma não dormem. E depois, como quando cheguei ao teu quarto, e vi-te nesse estado pensei que tivesses mesmo ido desta para melhor.
Sorri. E depois reparei, que não tinha dado conta de como chegara a casa.
- Quer dizer, que quando me viste, eu já estava no quarto?
- Sim.
Teria meu pai... Não, não faz sentido. Às tantas, estava tão cansado que voltei e mentalmente não registei esse meu regresso.
- Faz sentido. - Disse-lhe. - Misturei álcool e sangue, é normal que desse em algo quimicamente explosivo. - E lembrei-me das explosões no bar e ri.
- Julian, tens a certeza que estás bem? É que isso que acabaste de dizer, não faz sentido nenhum.
- Sim, estou bem! Só preciso de um banho e de mudar de roupa. Acho que nunca me senti tão bem.
Era verdade. Nunca me sentira tão calmo, e relaxado como agora. Os problemas ainda existiam, mas era como se toda a pressão tivesse ardido naquele fogo, tivesse descarregado nas explosões da noite anterior, e por isso estava agora sem qualquer peso nos ombros. Basicamente, nada melhor, que alguma diversão para voltar cheio de força.

***
O corredor exterior do primeiro andar era constituído por colunas em pedra que seguiam a par com o zona interior até se perderem de vista. Entre cada coluna, um bloco em pedra que fazia a terminação para o precipício. Eu estava sentado num desses blocos, com as costas encostadas a uma das colunas e os pés assentes nesse mesmo bloco. A luz vinha do interior, através das janelas envidraçadas, enquanto cá fora a noite escura era apenas banhada pelo pouco luar existente. À minha frente uma pena pairava no ar e ia mudando de posição momento a momento, consoante a minha vontade.
Rania apareceu a seguir e sentou-se também na pedra junto aos meus pés. Por momentos não falou observando-me com atenção.
- Não devias ir ver a Carmen ou assim?
- Está tudo controlado, Rania. Deixa-a desesperar um bocadinho mais.
- E se ela morre? - Pois… Isso por acaso era um problema. Mas era Carmen, ela não ia morrer em tão pouco tempo. Uma coisa que sei daquela vampira, é que é mais teimosa que a morte. - Depois como é com os livros?
- Estamos a falar de Carmen. Não te preocupes que ela não morre!
- Mesmo assim... Estás aqui parado e...
De um movimento súbito fiz aquela pena invadir-se de chamas, e mais nada restou. Olhei para Rania.
- Qual é o problema? Diz-me! O que é que tens a ver com o que faço ou deixo de fazer?
Ela parou num silêncio assustador, era como se ela organizasse os pensamentos na sua cabeça de forma acelerada.
- Julian, é só que Santiago pode achar essa atitude... Ele pode achar que não estamos a fazer o nosso trabalho. - Fez uma pequena pausa. - Julian, se queremos também ter mão nos poderes contidos naqueles livros, não podemos baixar agora os braços. Temos que fazer tudo mas de tudo para termos o que queremos.
Olhei para ela e depois acalmei-a.
- Fica descansada...Teremos o que ansiamos.
Ela sorriu para mim conformada, e depois afastou-se.

As muitas horas que se seguiram foram passadas no castelo ou nas redondezas. Queria deixar algum tempo para que Carmen vivesse bem todos os segundos de agonia naquela cripta. A solidão sempre foi mais um elemento que levou vários à loucura, e eu apenas queria ver essa teoria comprovada, pelo mais que não seja, para minha própria degustação.
Enquanto estive pelo castelo ainda pude ouvir algumas informações do que se passava na mansão, cada dia, um novo informador do grupo de Noryeg entrava até à grande sala para falar a Santiago. As coisas estavam paradas, com Dean ainda naquela cama imóvel; Frankie saía uma ou outra vez, mas de resto, não havia muito mais a contar. Sheftu e Eric, continuavam ausentes, sabe-se lá por onde andavam neste momento.
Perfizeram três dias desde que a deixara naquele cemitério, agora estava de volta para ver como se estava a dar com a nova casa. Cheguei ao início da noite para cumprimentar Carmen.
- Olá. - Disse com um sorriso falso - Gostas da tua nova casa?
- Vai-te lixar, Julian.
- Nem por isso…- Apoiei-me nas grades. Estava a adorar aquele espírito espezinhado ainda a dar luta. - Quem está lixada aqui és tu.
- Eu não sei dos livros! Isto é estúpido, por isso deixa-me sair, raios!
- Mesmo que não soubesses dos livros, achas que iria deixar-te sair assim? Depois, do que me fizeste? Mataste-me.
- Queres que peça desculpa? - Perguntou-me ironicamente.
Olhei-a de cima a baixo. Não lhe fazia nenhum mal tentar, e de preferência com alguma sinceridade. A minha voz interior riu-se perante a possibilidade de a desculpar, formando logo o plano a traçar. Mesmo com a desculpa mais sentida, ou o desespero e súplica mais intensa, eu te matarei sem piedade. E será da forma mais horrível que possas imaginar Carmen. Sacudi esse pensamento por momentos, pois queria espicaçá-la de momento com a pessoa que ela mais amava. Nada como mencionar Dean no meio de todo o inferno que ela já estava a passar. Bastaria apenas mencioná-lo.
- Eu vi as notícias, matas-te três gajos, não foi? - Perguntei sorridente. - Estás cheia de força, junta ainda o sangue daquele humano teu, certo? - Ela não respondeu e eu sorri-lhe e afastei-me das grades pronto a despedir-me. - Adeus, Carmen. Dorme bem.


Semana4

Os dias e noites continuaram numa constante vigilância a Carmen. Tinha que ter agora mais cuidado, porque a qualquer momento, ela poderia perder-se para sempre, e com ela a localização dos livros. Tal não podia deixar acontecer.
Na mansão também haviam novidades. Foi uma surpresa quando naquela noite ao jantar, o mensageiro chegou acompanhado de um dos elementos da guarda de Noryeg, e ouvi o nome da minha diva loura. No entanto as novidades não eram totalmente confortantes, e meu pai imediatamente colocou um ar apreensivo e silencioso.
Dean tinha finalmente despertado para a sua nova condição de vampiro, e segundo o informador este não estava desamparado, mas sim sob a guarda de Sheftu que entretanto tinha voltado com o meio-vampiro para a casa. Uma coisa era um vampiro confuso, e sem orientação, outra completamente diferente era um treinado por um seu igual. Um novo vampiro sedento de vingança e ainda para mais treinado era tudo aquilo que meu pai não queria. Recordo ainda o bater continuado da sua mão sob a mesa, enquanto coordenava as ideias. Depois de dispensar o mensageiro, disse que as coisas tinham que acelerar, para termos tudo resolvido antes que Dean estivesse pronto para batalha. Ou seja eu sabia agora que a minha pressão para com Carmen iria ser ainda mais feroz. Estava pronto para a ver cair finalmente.

Voltei a visitá-la na noite seguinte, com as palavras de meu pai bem presentes na memória.
Assim que cheguei, reparei em como ela mal se mantinha consciente, com a sua pele vermelha do sol e quase a sufocar por aquele ar quente que a envolvia.
- Olha, para ti… - Disse-lhe na maior das descontracções. - Isto deve ser mesmo quente, hein?
- Não sei...onde...estão...
- Hum...talvez não mas, até sabermos o que fazer contigo… Não sais daqui…
- Não vergo.
- Não? De certeza? - Sorri, já a preparar o meu próximo passo. - Estás com fome?
Não respondeu de imediato, e então achei por bem dar-lhe o incentivo. Retirei a pequena garrafa que trazia comigo, contendo um líquido vermelho vivo. A resposta que eu pretendia, logo se revelou.
- Não. - Respondeu, contra todos os instintos do seu ser.
- A tua respiração diz o contrário. - Disse.

Agitei levemente a garrafa uma vez mais, mas para minha frustração ela não se moveu. Bem, até para isto ia ser difícil? Se calhar não. Iria tê-la onde a queria! Levei a minha outra mão através das grades, e abri a tampa para logo de seguida, verter umas gotas daquele precioso líquido em direcção ao chão. A reacção não se fez esperar, e vi Carmen prostrada no chão a sugar aquelas míseras gotas. O meu riso soltou-se no ar perante a minha realização. Carmen chegara ao ponto de prostrar-se perante a minha presença. Uma cadela aos meus pés, pronta a servir o dono.
Agachei-me de forma a poder ver melhor a sua vergonha reflectida na sua face, mas ela mantinha o olhar preso ao chão.
 - Olha para ti, caída aos meus pés…como um bicho que és…fica-te bem… - Disse-lhe.
Carmen lançou-se sob as grades, num momento completamente imprevisto, mas a minha mão logo agarrou o seu fino pescoço e tive o prazer de sentir a sua pele fina sob os meus dedos enquanto apertava e apertava ainda mais. Fiquei surpreendido por vê-la dar luta, quando já mal respirava, mas isso só mostrava que ela era Carmen. Puxei-a até mim, ao endireito da minha cara e rematei. - Não me assustas, bicho.
Larguei-a e vi-a cair para trás, mas não fiquei para ver mais. Afastei-me porque tinha em ideia dar um salto até à mansão.
E nos dias que se seguiram, tornou-se regular passar os dias e noites entre o cemitério, a mansão e o castelo. Mantinha as minhas visitas regulares a Carmen, atormentando-a até que ela falasse; pelo castelo, sempre que podia ouvia as novidades que vinham da mansão; e por último havia umas pequenas visitas à mansão, somente para ter olho em Sheftu.
Numa noite, estava já preparado para sair do castelo e dar um salto até à mansão, quando ouço a voz de meu pai.
- Julian!
Percorri o espaço aberto até à mesa onde ele estava sentado.
- Sim, pai.
- Senta-te. Precisamos de falar. - Ui, isto não pode ser coisa boa. Mas esperei que meu pai falasse. - Mais uns minutos e penso que os restantes estarão aqui. - Restantes? Quem mais poderia juntar-se a nós?
Não tive que esperar muito, pois logo de seguida entraram pela porta Rania, que se foi sentar ao lado de meu pai, dois homens que eu nunca vira na vida e Noryeg que trazia consigo aquela vampira que me ameaçara na primeira vez que nos vimos. Eles sentaram-se preenchendo os lugares à volta da mesa longa em pedra.
- Chamei-vos porque preciso chegar a uma decisão, e vocês são parte dela, por isso, quero que os detalhes que me vão dar sejam os mais precisos. - Houve uma ligeira troca de olhares entre os elementos que ali estavam, mas ninguém falou. - Pois bem, como Noryeg e a sua guarda me informou, a casa parece ter voltado aos seus números iniciais, tirando uma tal de Elizabeth que não está presente, e um lobo que nunca deu sinais de vida. Contudo temos um novo vampiro, e este preocupa-me. - Fez uma pequena pausa. - No entanto, não vou baixar os braços perante aquilo que pretendo. Noryeg é verdade que na casa as coisas se mantêm assim?
- É como dizes.
- Perfeito! - Disse Santiago.
- Julian! - E agora vinha a parte em que eu levava uma descasca por ainda não ter arrancado nada a Carmen.
- Sim?!
- A Carmen já falou?
Tentei organizar as palavras da melhor forma possível. Não queria parecer um gago, embora no início, terá escapado uma excitação ou outra.
- Meu pai... Tenho feito de tudo... Mas estamos a falar de Carmen, ela não verga facilmente. - Notei a sua fúria a crescer, mas ele mesmo assim manteve a sua voz disfarçada.
- E quanto mais tempo vai levar?
- Talvez outra pessoa mais qualificada possa tomar essa responsabilidade. - Atirou Noryeg, com claro intuito de provocar-me, ao que eu respondi com um ligeiro mostrar das minhas presas.
- Vendo bem as coisas... - Disse Santiago, ao qual eu interrompi de imediato.
- Meu pai, penso que podemos fazer algo que a fará falar.
- Então e porque não o fizeste antes? - Disse-o agora mais severamente, agora mais difícil de esconder a sua irritação.
- Porque o mais provável era não resultar na altura. Precisava que não restasse nenhuma réstia de esperança naquela vampira. E só agora isto poderá resultar.
- O quê? - Perguntou Santiago.
- Deixamos que Dean a salve. - Todos ficaram incrédulos a olhar na minha direcção, pelo que acabara de dizer.
- Estás doido? - Respondeu Noryeg. - Em que ponto desse plano está algo de positivo para o nosso lado?
Sorri ligeiramente e expus o plano.
- Coloquemos as coisas deste modo, Dean vai ao resgate do seu grande amor Carmen, e salva-a da cripta. Como Carmen está, ela não conseguirá ir muito longe a pé, o que nos dará uma fácil captura dos dois. Fazemos pressão utilizando o seu precioso ex-humano, e de certeza que ela nos dará o que queremos. - Sabia que não devia falar em livros, porque Noryeg não sabia dessa parte. E penso que os outros dois estranhos que lá se encontravam também não soubessem.
- E se ela não falar? - Perguntou a vampira que viera com Noryeg.
- Matamos Dean! - Respondi.
- Só estás a esquecer-te de uma coisa, Julian. Dean pode ser um novo vampiro, e até fácil de controlar com a magia, mas a ligação que ele tem com quem o transformou poderá ser demasiado forte... e tudo poderá desmoronar em segundos. - Noryeg já estava a crucificar o plano também, mas eu fui mais longe.
- Não tem que ser o Dean! Basta que seja alguém parecido com ele, algo que com uma poção se consegue em instantes. Carmen como está, não perceberá a diferença. Assim teríamos mais controlo, e obteríamos o que pretendemos.
Santiago ouvia tudo isto em silêncio, parecendo absorver cada palavra da conversa. Talvez fosse difícil para ele aceitar o meu plano. Talvez ele nunca pensasse que eu poderia ter uma solução tão brilhante. Logo depois falou.
- O plano parece ter uma boa estrutura... - Disse já num registo normal. – penso que podemos seguir em frente. Noryeg, podes voltar ao teu posto junto da mansão e quanto a vocês dois… – Disse voltando-se para aqueles dois vampiros de grande porte completamente anónimos. - Vão acompanhar-nos.

Semana 6

Ia mesmo acontecer! Íamos fazer o salvamento de Carmen, somente para depois a infernizarmos ainda mais. Não iríamos usar o verdadeiro Dean, nem eu aconselhava. Não depois do que acontecera, depois de ter falhado acabar com ele quando ele estava completamente inconsciente. Algo que ainda moía cá dentro, mas que também não tencionava revelar. Este método que iríamos utilizar era mais seguro, usar alguém para tomar o lugar de Dean.
O átrio exterior estava deserto. Eu aproximava-me com o humano escolhido ao acaso de entre os criados do castelo. Era um espanholzito fraquito, de estatura vergada e auto-estima completamente acabada. Penso que os vários serviços que prestava já o desgastavam há algum tempo.
Vi meu pai aproximar-se na sua imponência e trazer de cada lado um dos dois homens que estavam naquela reunião que se realizara alguns dias atrás. Assim que estava à minha frente puxou de um pequeno frasco, e dirigiu-se a mim.
- Ele sabe o que tem que fazer, certo?
- Sem qualquer dúvida. - Disse confiante. Nada como um feitiço para deixá-lo sob o meu comando e fazer tudo o que terá de ser feito.
- Nesse caso aqui tens. Ele que beba. Temos muito que fazer e a noite passa rápido.
- Certo, pai. - Disse ao mesmo tempo que dava o frasco ao homem.
O homem bebeu o líquido assim como lhe fora indicado, e segundos depois o seu corpo começou a sofrer modificações. Aquele corpo parecia ganhar altura e firmeza. Os cabelos castanhos-escuros desalinhados tomavam agora um tom mais claro num corte mais jovem. Também as expressões faciais iam pouco e pouco tornando-se mais no rapaz jovem que era Dean Ross.
Quando a transformação terminou, nem eu queria acreditar no que via à minha frente. Era como se estivesse mesmo a ver Dean. O mesmo Dean de Carmen. O verdadeiro Dean. Mas não, era apenas um criado na pele de um caçador.
- Vá arranja-te, temos a tua namorada para ir salvar! - Disse, atirando-lhe um saco de pano com roupas dentro.
Aquele Dean afastou-se por momentos, e eu ainda estava a vê-lo como o verdadeiro. A pensar que a qualquer momento, aquele rapaz iria voltar-se e atacar sem piedade. Era estranho.
Meu pai continuava ali em frente, num total silêncio, a aguardar assim como eu.
Quando finalmente Dean reapareceu, com as suas novas roupas, aí sim, um arrepio percorreu-me e involuntariamente elevei um pouco o bastão como forma de proteger-me. É que se não era ele, ninguém diria. Aquele era Dean, aquele seria a chave para ter os livros. Carmen não iria resistir muito mais.
Chegamos ao cemitério mergulhado num silêncio profundo. Quando chegámos à cripta, pude ver Carmen caída no chão. Um dos homens rebentou as correntes e escancarou as grades. Entrámos e o falso Dean foi logo ao encontro de Carmen.
- CARMEN! - Disse na direcção da vampira. Depois voltou-se de novo para mim. - E agora o que faço? - Perguntou
- Segues com o planeado.
- Mas...
- Dean, tu és a peça principal. Não falhes! - Disse. - Os outros vão acompanhar-te até a altura certa.
Ele acenou com a cabeça em sinal de compreensão, e então eu ausentei-me. Teria que acompanhar tudo de uma distância segura. Também Santiago estava já no local combinado.
Para minha surpresa, o falso Dean conseguiu uma boa performance, devo admitir. Até a mim me convenceu com o diálogo de salvamento que traçou com Carmen. Mas agora chegava a altura de entrevir.
- Tentativa de fuga? - Disse Santiago agarrando Carmen sem piedade. - Porquê? Não gostas da tua nova casa?
- Larga-me…
- E, nem estavas a fugir sozinha! - Exclamou olhando para Dean que agora estava nas mãos de um dos homens que ajudaram na fuga.
- Não! - Exclamou. - Por favor…
- Espera…- Santiago empurrou-a e ela veio cair em meus braços somente para ser aprisionada novamente.
- Detesto que me enganem…- Disse Santiago, à medida que ia aproximando-se de Dean. - E, quem é este?
- Não…
- Ohhh…- Os olhos de Santiago abriram-se ao aperceber-se de quem tinha em mãos. - É o TEU humano. Hum…Dean, não é?
Dean demorou a responder, mas um forte abanão fê-lo falar.
- Sim. - Ele respondeu.
- Humm... - Santiago agarrou-o pelas bochechas e olhou-o nos olhos verdes. - Vieste buscá-la?
- Sim.
- Humm…Má ideia…- Imediatamente, Dean começou a vomitar largas quantidades de sangue. Santiago largou-o e, deixou-o cair no chão a engasgar-se no próprio sangue.
- PÁRA! PÁRA! EU DIGO! - Gritou Carmen em pânico. - EU DIGO ONDE ESTÃO OS LIVROS!
Dean parou de tossir, Santiago olhou para Carmen surpreso e eu limitei-me a apertar ainda mais intensamente a figura de Carmen.
- Vais dizer-me?
- Sim! Sim, vou...
Estava a resultar. Aquela vampira iria revelar o que queríamos, somente por causa do seu humano.
- Estás a tentar salvá-lo? - Perguntei baixinho junto do seu ouvido. - Não resulta sabes…
- Querem os livros ou não?
- Onde estão? - Perguntou Santiago com voz grossa.
- Em casa. - Respondeu. - Inverness.
Todo este tempo e os livros estavam em casa! Naquela mansão... O que parecia um pouco estranho, mas se assim Carmen relatara perante a ameaça da morte do Dean, não me parece que fosse mentira. E pronto, lá estava o triunfo de meu pai, ali, à minha frente a eternizar mais uma morte, neste caso a de um falso Dean, quebrando-lhe o pescoço entre os seus dedos firmes, para terror de Carmen que não evitou um grito.
- CALA-TE! - Disse Santiago ao mesmo tempo que deixava cair o corpo inanimado de Dean no chão. - Julian!
- Sim, pai?
- Vai com ela. - Seu olhar era de pura crueldade. - À mínima tentativa de fuga, parte-lhe as pernas.
Santiago deixou-nos depois disto, e Carmen não tomou muito tempo para empurrar-me e lançar-se ao corpo morto de Dean.
- Anda lá…- Puxei-a violentamente para que ela se levantasse. - Vamos voltar a casa.

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