Immolation Season - Ep 12, Julian
Julian não adivinhava que aquela desconhecida que lhe captara a atenção pudesse ter tantas cartas pela manga. Não era a única, pois seu caro pai - Santiago - tinha muito ainda que Julian teria de descobrir. Afinal de contas, ele é que devia ter o poder. Ele é que devia saber o que se passava.
"Surprises" by Julian Carriere
Não conseguia tirar os meus pensamentos de Noryeg e a sua
guarda. Porque é que Santiago iria agora pedir ajuda a este imbecil? Só sei que
era mais um no meu caminho; mais para reforçar as minhas preocupações e
cuidados. Como se já não bastasse tudo o que tinha até agora. Rgh! Que nervos.
Aproximava-se a madrugada, e a cidade estava agora
completamente deserta, mergulhada no silêncio e escuridão. Apenas alguns
candeeiros de rua iluminavam de onde em onde. E eu continuava aqui, a dar
voltas à minha cabeça para ver o que fazer de seguida.
Talvez como resposta ao vazio que tinha pela frente, uma
sombra passou quase despercebida a cortar uma das ruelas. Não era muito rápido,
mas movimentava-se como se não quisesse ser visto.
Mais uma razão para o seguir.
- Vais a algum lado? - Perguntei-lhe assim que lhe cortei o
caminho, aparecendo de repente à sua frente.
Ele recuou assustado, sem dizer uma palavra e encobrindo o
que parecia ser uma caixa de cartão.
- És surdo? Perguntei onde ias? E já agora o que levas aí!!
O rapaz não abria a boca, e recuou mais um passo ou dois.
- Hum... Parece que isto vai ser difícil. Bem... É bom,
porque até estou a precisar de descarregar em alguém.
- Senhor... - Finalmente falou. - Não é nada de valor...
- E achas, por ventura, que eu sou um mísero ladrão?
- Não... - Ele estava tão atrapalhado, que nem sabia o que
dizer.
- Simplesmente responde ao que perguntei!
- Não posso...
- Não podes... - Eu estava a ver que isto ia levar tempo, e
o sol em breve nasceria, portanto tinha que continuar isto noutro lado, para
não chamar a atenção de possíveis madrugadores. – Bem... veremos se podes ou
não.
Coloquei a palma da minha mão sobre o seu ombro e ambos
desaparecemos daquele lugar.
Reaparecemos na Suite presidencial do hotel Laguna.
- Pois bem, pelo menos, não podes queixar-te das
instalações. - Disse-lhe perante a expressão idiota que tinha. - Apenas previno
que é inútil tentares fugir ou alertares para a tua situação. Podia explodir
aqui uma bomba que ninguém daria por isso! Hum.. Já agora, não aconselho a
ateares fogo, a menos que queiras morrer queimado! Saltar da varanda também não
resulta. Certifiquei-me de que ninguém sai daqui. Portanto, enquanto estiver
fora, vai pensando bem em como queres fazer isto.
Abandonei-o na sua perplexidade, pois tinha que fazer algo
para garantir que podia interrogar o humano, sem que falhasse nas minhas
tarefas.
Cheguei junto à mansão, para encontrar uma Rania entretida
com um coelho que apanhara nas redondezas.
- Sabes o quanto isso é nojento? Não sabes apanhar uns
pescoços por aí?
- Vigiar abre o apetite. - Respondeu. Depois reparou que eu
estava todo desalinhado, com a roupa com alguns rasgos e perguntou preocupada.
- O que se passou? Está tudo bem?
- Sim. - Respondi-lhe.
- Mas as tuas roupas... E o sangue... Parece que enfrentaste
um urso.
- Ah isto? - Perguntei-lhe, ao mesmo tempo que inspeccionava
a minha figura. - Tive um pequeno encontro com Noryeg. Sabias que ele agora
está a trabalhar para meu pai?
- A trabalhar para Santiago? - Perguntou-me incrédula.
- Sim. Parece que Noryeg e a sua guarda maravilha são
oficialmente a guarda de Santiago. A sério, e eu que pensava que já tinha
ouvido tudo!
- Guarda maravilha?
- Sim. Noryeg juntou um grupo de seis vampiros, com ele
sete. – Eu nem sei bem porque lhe estava a contar isto, mas sabendo que ela em
breve estaria pelo castelo e provavelmente ia dar de caras com aqueles idiotas,
o melhor era revelar do nosso encontro, do que esperar que Noryeg o fizesse, e
eu fosse descoberto, por andar a esconder informação de Rania. – E formam uma
espécie de aliança, em que Noryeg é o líder.
Rania ficou com cara de parva a olhar para mim. Contudo eu
tinha assuntos mais importantes para tratar, portanto parti logo para o assunto
que me interessava.
- Preciso que fiques de vigia durante o dia de hoje e talvez
a noite também.
- Vais atrás de Noryeg?
- Não tem nada a ver com Noryeg, acho que ele já teve o que
merece por hoje, e também, é melhor perceber primeiro se ele tem a protecção de
Santiago. Não quero arranjar sarilhos.
- Acho que fazes bem, Julian. Mas tu sabes que eu não posso ficar...
à luz do sol.
- Com isto podes. - Dei-lhe um anel de ouro branco e uma
pedra azul ciano.
- Um anel?! - Perguntou.
- Tem um feitiço que protege-te contra os raios de sol. Mas
cuidado, apenas dura umas horas, o suficiente para ficares de vigia.
- Certo. E tu...
- Vou investigar uma pista. Para dizer a verdade ainda nem
sei do que se trata. Provavelmente é só comida... Mas sabes que não podemos
descuidar-nos. Tudo deve ser visto e analisado.
- Certo.
- Bem, vemo-nos em breve.
- Sim.
***
Cheguei ao hotel, fui directamente para a casa de banho, sem
uma palavra para com o prisioneiro. Precisava de um banho rápido e de vestir
novas roupas. Não passaram cinco minutos, para eu estar de volta à sala.
- Bem, onde ficámos? - Perguntei-lhe.
Ele continuou sem dizer nada.
- Bem vejamos o que contém a caixa. - Disse-lhe assim que a
retirei das suas mãos.
- Senhor! Por favor, Senhor! - Insistiu, antes que eu
abrisse o pacote.
- Calma! O que quer que isto seja, não pode afectar-me! Sou
um vampiro, já estou morto! - Disse-lhe, a pensar que pudesse ser alguma arma
mortífera para os humanos ou algo parecido.
O homem engoliu em seco e o seu coração ainda batia mais
rápido.
- A sério homem, por que temes? É só uma maldita caixa! -
Disse-lhe enquanto a abria.
A minha expressão deve ter-me denunciado, porque o coração
daquele homem batia tão rápido agora, que parecia que todos os horrores lhe
batiam à porta. Eu sabia o que ele temia... Vingança. Vingança de um vampiro
sob um humano.
De facto, por aquela eu não esperava. Dentro desta caixa,
estava, nada mais, nada menos, que a cabeça de um vampiro. Cabelo claro, pele meio envelhecida, lábios
firmes e cruéis, olhos castanhos esbugalhados e com as presas de fora, numa
expressão de extrema agonia.
Não estava a ver este homem que eu tinha à minha frente a
ser capaz de fazer isto, mas achei que era altura de pressionar.
- Com que então um caçador de vampiros?
- Não...Não é o que estais a pensar...
- Se não é, então é melhor que expliques o que é isto! -
Levantei ligeiramente a caixa aberta, na sua direcção para fazer ver o meu
ponto de vista.
- É uma mensagem...
- Uma mensagem?
- Sim. É uma mensagem. Mas eu não posso...
Estava farto disto. Informação a conta gotas, não é o meu
estilo. Olhei na sua direcção e murmurei umas palavras. O homem começou a
tossir em aflição ao mesmo tempo que o sangue preenchia-lhe as mãos e o chão à
sua volta.
Como ácido que queima, eu estava simplesmente a percorrer o
seu corpo com cortes em todo o interior. Nada que o matasse para já, porque
precisava de arrancar-lhe informação. No entanto, era uma dor excruciante.
- Podemos estar nisto o dia todo, se quiseres. Ah! E também
tenho umas surpresas, como esta... - Sem lhe tocar, esmigalhei o osso da perna
em pó, fazendo com que o homem caísse sobre o chão em gritos estridentes.
Deixei passar uns minutos, e depois murmurei mais umas
palavras e todas as dores desapareceram. O homem procurava recuperar o folgo.
- Afinal vais-me dizer o que é aquilo ou não? - Disse,
enquanto apontava para a caixa, que entretanto tinha colocado sobre uma
escrivaninha.
O homem ainda levou tempo a recuperar, mas começou a falar.
- A caixa... o conteúdo... é uma mensagem.
- Sim.. Uma mensagem... até aí já percebi. Do que é que
trata esta mensagem?
- Isso não sei, senhor. - O meu bufar de descontentamento,
fê-lo falar, talvez temendo mais tortura. - Mas talvez... a carta.
- Carta?
- Sim. Juntamente com a caixa tenho que entregar uma carta.
- Então de que estás à espera? Dá-ma!
- Mas senhor!
Olhei-o ameaçadoramente, e ele imediatamente colocou a mão
no bolso e retirou de lá um envelope, e deu-mo.
Abri o envelope, desdobrei a folha de papel que tinha dentro
e li.
Sheftu…
Calculo que saibas
quem te fala…
E também espero que
tenhas gostado do meu presente. Não queria deixar de partilhar este momento
contigo, foram tantas as vezes que sonhamos em fazê-lo com as nossas próprias
mãos. Gustav foi julgado e condenado por todos os erros que cometeu perante a
corte.
Preciso de ti aqui
comigo, precisamos todos de ti para que possas tomar o que é teu e seguirmos em
frente com tudo isto. Tu bem o sabes que foi sempre o que quisemos em todos
estes milhares de anos, é um motivo para festejar e estarei cá, esperando por
ti.
Vem tomar o teu novo
castelo, e perdoa-me. Eu nunca consegui superar toda esta situação.
Volta logo,
Espero-te no nosso
lar,
Ian
Assim que cheguei ao final, tive que reler. Estava surpreso
porque nunca imaginara que esta mensagem pudesse ser para Sheftu. E o que lhe
era pedido... e... “milhares de anos”?! Mas afinal esta vampira já é milenar?
- Portanto, a tua missão era entregares isto à Sheftu?
Ele abanou a cabeça afirmativamente.
- Este Gustav... quem é? Ou melhor, quem era? - Corrigi,
assim que olhei para a caixa.
- Não sei muito, senhor...
- Diz o que sabes!
- Ele era o governante do castelo. Tinha uma rapariga loura
do seu lado. Penso que seu nome era Kiya. E também tinha uma criatura infernal
do seu lado, uma rapariga que matava por prazer. Ele manteve Sheftu prisioneira
à uns meses atrás. Até o castelo ter sido invadido, e ela ter escapado.
- Transilvânia! - Foi mais uma exclamação do que uma
pergunta, mas o homem mesmo assim respondeu.
- Sim.
- E este Ian?
- Terá ajudado Gustav a capturar Sheftu. Mas depois as
coisas, acho que não correram bem.
- E então Ian é agora senhor daquelas terras?
- Sim. Ou melhor, não. Gustav criou a Sheftu primeiro, os
restantes foram todos eliminados na primeira fuga dela. Por isso, ela é que
deve ocupar o lugar.
- Primeira fuga? – Repeti não compreendendo nada.
- Sim, é uma lenda…
- Que lenda! – Ele permaneceu calado e baixou o seu olhar. –
Que lenda! – Falei mais alto, infligindo-lhe novamente a dor. Arfava e arfava
sem que disse-se nada, e eu aumentava cada vez mais os seus cortes, as
hemorragias internas iriam matá-lo.
- Senhor! Por favor, pare! – Começou ele por dizer, não
segurei um sorriso que se fez sobre os meus lábios. – Costumam dizer, poucos
são os que falam com verdade, que aqueles dois recém-vampiros se juntaram e
destruíram todo um grupo que Gustav comandava, conseguindo escapar e aniquilar
cada um dos seus fiéis amigos. Tudo para que salvassem uma menina, não sei bem
quem era mas, por mais que tentem especular, tudo foi proibido agora que Ian se
tornou o novo governante. Mais não sei, Senhor…
Comecei a andar de um lado para o outro. Alguém que traíra
Sheftu, agora manda-lhe um presente, um pedido de desculpas, e ainda um pedido
para ficar a seu lado a governar?! Gostaria de saber o que Eric diria disto!
Sorri de contentamento ao imaginar a sua expressão. Esta vampira é mais
cobiçada que o diamante mais precioso, ou o sangue mais delicioso...
- Posso ir? - Perguntou o homem assustado.
Mantive o silêncio ainda perdido nos meus pensamentos. Este
Ian parece conhecer Sheftu. Talvez ele tenha respostas. Bem, e se tem que
ser...
- Queres dizer, podemos ir!
- Senhor?
- Vamos dar um saltinho à Transilvânia. Preciso de falar com
esse tal Ian.
Nem sequer dei tempo para que o homem
protestasse. Peguei no seu braço e desaparecemos os dois do quarto de hotel.
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