Immolation Season - Ep 3, Julian
Renascer das cinzas não parece tão simples como Santiago o fez parecer, no momento em que trouxera o seu próprio filho delas. Mas, isso seria apenas um pequeno gesto, comparado ao conjunto de coisas que estavam a acontecer com Julian. Uma coisa ele tinha como certa: nada nem ninguém o iriam proibir de aproveitar a sua própria vida.
"Cold Blooded" by Julian Carriere
Os seus gritos eram uma bela melodia na noite
silenciosa. No meio da floresta, onde nada nem ninguém podia ouvir-nos, as
minhas presas finalmente rasgaram o seu longo pescoço e as pequenas gotas de
sangue tocavam agora os meus lábios.
Tinha-a conquistado ao início da noite. Uma
rapariga de família nobre, cuja beleza e inocência eram um extra ao delicioso
aroma do sangue que corria em suas veias. Fora bastante fácil trazê-la até onde
a queria. Apenas algumas palavras foram o suficiente para fazê-la seguir-me até
este matagal, sem sequer ter que recorrer à minha força física. Um verdadeiro
cavalheiro...
A sua expressão pedia um beijo, e eu não o neguei.
Assim que os meus lábios tocaram os dela, senti a sede apoderar-se de mim.
Afastei-me e sorri para ela, já pensando que as coisas iam tornar-se muito, mas
mesmo muito más para o lado dela.
- Porque sorris? - Perguntou ela inocentemente -
Fiz algo errado?
Aqui não consegui resistir a soltar uma pequena
gargalhada. Mas não disse nem uma palavra. Encostei-a violentamente contra a árvore
que estava atrás dela, e apreciei o seu sangue ganhar uma nova tonalidade.
Agora não era só inocência, como também terror que percorria todo o seu corpo.
Inevitávelmente as minhas presas haviam-me denunciado e ela agora debatia-se
para se libertar. Os seus gritos preenchiam o nada que nos envolvia. E então
não esperei mais e mordi. Aquele delicioso sangue....
Depois voltou tudo novamente ao silêncio apenas
interrompido pelos primeiros trovões da tempestade que não tardaria a mostrar
toda a sua força. Os pingos de chuva engrossavam e formavam agora uma cortina
de água bastante densa.
Apenas tinham passado alguns segundos, quando toda
a minha atenção deixou aquele corpo, agora desmaiado nas minhas mãos, para um
som a poucos metros de onde estavamos. Deixei o corpo da rapariga cair no chão,
e voltei-me na direcção desse som. Não podia estar mais ninguém neste lugar a
estas horas da noite, no meio desta tempestade... não fazia sentido. Seria um
animal? Então procurei saber de imediato o que tinha causado aquele barulho
através do meu apurado olfacto. De facto, não estava longe....
"Outch!" Repentinamente senti uma dor profunda surgir do meu peito.
Levei instintivamente a mão e senti o sangue manchar minhas roupas e por algum
motivo sentia-me fraco... 'impossivel' gritava a minha consciência. Corri alguns passos, a uma velocidade muito
lenta, para o que estava habituado e quando não consegui mais, parei. Tinha que
retirar aquele espeto, que por poucos centimetros não atingira o meu coração.
Debati-me, para retirá-lo. E quando finalmente o vi cá fora, inspirei
profundamente procurando acalmar a dor que sentia. Ainda estava a recuperar
quando ouço passos mesmo atrás de mim, e depois aquela voz...
-Estamos a ter uma noite desagradável?
-Suponho que a estaca que quase me matou, tem a
tua assinatura... estou certo?
-Um pouco de dor, a quem gosta de ver dor, não me
parece injusto!
-És engraçada.... Posso saber o que fazes aqui?
-Vim enterrar-te definitivamente!
-Ui... medo!!
-Devias ter! Afinal foi fácil espetar-te uma
estaca, não será muito mais difícil acabar contigo.
-Tu és fria!
-Mas não tenho sangue frio!
Sorri a esta observação muito verdadeira. Por
momentos ninguém falou, e eu aproveitava para recuperar o máximo possível.
- Carmen Montenegro, a célebre caçadora de
vampiros! E é desta que me vais apanhar? Ou isso é só vontade de levar uma
dentada?
-Tu vens ao encontro de um vampiro, o que esperas
que vá acontecer?
-Hum.. - Carmen observou-me por breves instantes e
depois prosseguiu - Já não deve faltar muito.
-De que é que estás a falar? - percebia que algo
estava mesmo errado. Ela aproximara-se sem medo nenhum, e estava agora à minha
frente. E aquele sorrisinho de quem tinha a batalha ganha também não me deixava
muito confiante.
-Prata... -
disse ela. - A estaca tinha uma substância feita à base de prata, mas que não é
reconhecível quando olhamos para ela.. digamos que desta forma, mesmo quando
pensas que já estás livre de perigo, bem...
-O quê? - eu estava ofegante, e a verdade é que
não me sentia melhor, depois do tempo que tinha passado. É este o meu fim?
-Essa substância é um verdadeiro veneno para
vampiros... mas não te preocupes, não vai doer... muito.
Vi-a retirar mais uma estaca que trazia dentro da
mala a tira colo. E rodou-a na mão, talvez, enquanto decidia quando fazer uma
nova investida.
Eu não
tinha forças para lutar, e mesmo fugir dali parecia agora impossível, sentia-me
enfraquecer a cada minuto que passava. Então vi-a dirigir-se a mim com a estaca
apontada ao meu coração. 'Não penses que vou deixar-me morrer assim tão
fácilmente.' pensei eu... Assim que ela estava muito perto, reúni forças e
fi-la voar contra uma árvore a alguns metros de onde eu estava. Mas não sei se
o que fiz foi o melhor, pois perdi o equilibrio, e senti-me bater no chão
enlameado. O que quer que aquela cabra tinha colocado no espeto, estava a
matar-me e não havia forma de eu lutar
contra aquilo.
-Não foi muito inteligente da tua parte! - disse
ela calmamente mas com alguma raiva presa dentro dela, à medida que se
aproximava novamente de mim. Eu conseguia ver que o meu lançamento ainda tinha
feito estragos. Uns arranhões no ombro direito, e na face; um tornozelo
deslocado. Ela estava com dores, disso eu tinha a certeza. Sorri ligeiramente,
entre uma expressão de dor que agora abraçava o meu corpo.
- hum... pela tua expressão, suponho que agora já
não faltará muito! - concluiu ela.
Não consegui responder. Não conseguia dizer nada
nem fazer nada. As dores aumentavam a cada segundo. E então ela colocou-se de
joelhos ao lado do meu corpo, pegou na estaca, e espetou-a mesmo no lugar onde
o meu coração um dia bateu. A dor foi insuportável, e depois não senti mais
nada!
Acordei ofegante na cama de hotel
de lençóis brancos e colcha preta. Através da janela vi mais um relâmpago e um
trovão acontecerem sobrepostos, e a chuva embatia furiosamente nas janelas.
Mais uma vez o passado preenchia os meus sonhos, e tranformava-os em pesadelos.
Aquele acontecimento era uma marca que me assombrava constantemente.
Levantei-me, e decidi tomar um banho quente. As gotas de água escorriam pelo
meu corpo... sem pensar, levei a mão até
a cicatriz onde a estaca havia perfurado meu coração. Até então nunca
conseguira apagá-la totalmente, mesmo com toda a magia que agora era capaz de
fazer. Uma marca que me ligava àquela caçadora.... Inconscientemente deixei-me
levar para dentro dos meus pensamentos e lembrei uma vez mais os momentos
daquela noite mortal.
Esta torrente parecia não querer
abrandar e dei por mim a ouvir aquele maldito violino outra vez, e a visualizar
novamente aquelas figuras completamente atónitas à chegada à mansão de
Inverness. Cada uma sabendo menos que a outra, o que achei hilariante, embora
não o demonstrasse exteriormente. Já Carmen era diferente, demonstrava uma postura
muito mais cautelosa e parecia que não tinha revelado muito mais sobre o nosso
pequeno encontro na Transilvânia. Basicamente ela estava surpresa, preocupada e
tão cheia de vontade de começar a distribuir estacas aos visitantes
indesejados, que me deixava jubilar com a sua inquietação. Hum... mas e onde
parava o seu tão precioso humano? Yap.. Algures na casa, com outro humano. Mas
as minhas atenções já mais se poderiam prender nos bastidores com comida,
quando a acção estava toda à minha frente...
Veio à minha memória a razão de
tudo isto - os livros! Eram uns malditos livros que nos traziam aqui.
Finalmente conseguira o que queria: entregar Carmen e os livros a meu pai, e
assim poder ver reconhecido o meu merecido lugar. MAS NÃO!!! CARMEN ESTAVA LONGE
DE REVELAR O PARADEIRO DOS MALDITOS LIVROS.
Depois se ainda não bastasse,
havia um rapazola, de nome Eric, senão erro, com pinta de protector da casa,
que pensou poder enfrentar-nos! Ah! Ah! Ah! Admiro a sua coragem, se bem que
considere mais um acto de loucura. Não tardou para que meu pai terminasse com
ele. Se bem que ainda pergunto, porque deixou ele, aquela criatura viva! Nas
minhas mãos aquela coisa não tinha sequer direito a voltar a respirar.
No momento do ataque, as minhas
atenções dividiram-se. Não só com Carmen, que agora ficava sob a minha guarda,
como para com uma rapariga loura que por alguma razão não me era indiferente.
Parecia ligada a Eric... e isso era de facto muito intrigante... eu já vira
aqueles cabelos louros algures... e não fora na Transilvânia... não... ela
era-me familiar de certo, e com uma aura bastante curiosa... uma aura que eu
sentira anteriormente. Vampira... Mas talvez mais... não conseguia entender
porquê, mas ela cativava-me. Ao seu lado, uma outra figura... uma rapariga...
não era vampira, mas também, não me parecia ser uma simples humana...havia mais
no que dizia respeito a ela. Momentos. que demoraram segundos, para depois
voltar à questão que nos trouxera lá. Santiago torturava Carmen, para minha
degustação e frustração. Deveria ser eu a atormentá-la! Contudo, eu tinha um
trunfo.. Ele estava naquela casa, mas eu não ia dá-lo de mão beijada a
Santiago.
― Santiago! ― A 'santa' voz da
rameira fez-se ouvir! ― O sol…
Tão perto, e tão longe de obter
aquilo para que ali viemos. Voltei ao presente, sentindo as gotas de água do
chuveiro cairem agora frias sob o meu corpo
imóvel. Fechei a torneira,
embrulhei-me numa toalha bege, e fui até ao quarto, onde sentei-me na beira da
cama, voltado para a janela. Para lá daquela moldura 16:9 extendia-se uma vasta
escuridão, apenas penetrada por grandes rasgões de luz branca que acompanhavam
a chuva fastigada pelo vento.
Tinha uma vingança à minha espera... uma doce
vingança.... Carmen...
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