Immolation Season - Ep 2, Sheftu
Eram tantas as sensações que Sheftu não sabia ao certo como conseguir manter-se sã no meio de tantas tortuosos acontecimentos - aqueles que aconteciam a cada respirar seu. O curioso é que, apesar de tentar sentir-se um pouco melhor com o apoio de Beth, nada chegaria realmente a ajudar. Por mais voltas que desse, tudo se transformava e demonstrava tudo o que ela estava a descobrir. E, ironicamente, muitas mais novidades estavam sobre a sua própria pele.
"Another Freaking Day" by Sheftu Nubia
Preocupação. Raiva…ou melhor,
Ira. Uma enorme ira que ainda me mantinha irritada, demasiado irritada. Não
sabia sinceramente o que mais me apetecia fazer, se destruir tudo, se acabar
com uns quantos idiotas que se atravessarem no caminho, ou se simplesmente a
minha vida acabasse de vez e pronto, toda esta raiva desapareceria.
Olhar para o Eric assim
inconsciente também não ajudava em nada, a sua inútil vida só gerava ainda mais
problemas neste momento. Era com uma enorme dificuldade que tentávamos
levantá-lo, tentando ter a sua ajuda, mas sem grande sucesso. A sua consciência
durara pouco tempo, voltando novamente ao seu estado inicial. Ainda não
conseguia racionar direito. Necessitava de espaço, de um pouco de paz para que
pudesse pensar um pouco sobre o assunto. Suspirei mais uma vez, tentando
compreender o que tinha acabado de acontecer sem que nenhuma ideia pudesse ser
certa…
Quais seriam os livros de que o
tal Santiago falava? Mal acabava de sair de um problema, logo surgia outro
ainda mais intrigante. Por vezes pensava, e se tivesse realmente acabado tudo
no momento em que Kiya tentava matar-me? Assim sempre não estaria com os braços
sobre o corpo de Eric, seriamente prejudicado no meio de tudo isto. Era mais
revolta do que outra coisa. E foi aí que me dei conta da fragilidade que ele
poderia ter… Afinal de contas, um simples vampiro o tinha colocado desta forma.
- Frankie, dá-lhes uma ajuda,
sim? – Levantei o meu rosto para ele, observando-o a descer as escadas,
levando-o para cima nos seus ombros. Observei de relance a mulher que seguia
comigo as escadas para cima, era engraçado vê-la com aquela expressão enquanto
observava o humano que estava à nossa frente – Desejo? Hum… Muito
provavelmente.
Não tinha vontade de sorrir, nem
ao ter notado neste pormenor. Não demorou muito até que o corpo fosse
depositado na cama, num quarto ligeiramente atacado pela batalha que existira
numa outra altura. Avancei sem que desse muita atenção aos outros dois que
permaneciam no quarto e, segurando a mão do Eric, tentei concentrar-me para que
algo pudesse acontecer. Nada. Nada e nada. Para que serviam aquelas sensações
idiotas se não conseguia usá-las quando era preciso?
Senti-me enraivecida comigo
mesma, ao ouvir os seus gemidos, como se estivesse num outro mundo paralelo,
talvez combatendo para que conseguisse voltar. Abanei rapidamente a minha
cabeça, saindo com rapidez do quarto, mas voltando, segurando-me à porta,
enquanto tentava pensar no que era prioritário.
- Podem cuidar dele? Voltarei
brevemente. – Disse, observando aqueles dois que se entreolhavam. Apesar de
tentarem demonstrar normalidade, por breves momentos poderia jurar que Frankie
sorria para ela, enquanto Beth parecia adorar bastante a parede do quarto.
Medo? Afastei essa ideia da cabeça… Certamente não era a hora nem o momento
para pensar nisso.
Desci as escadas com rapidez,
encontrando Dean a fechar a porta da entrada.
- A Carmen? – Perguntei, tentando
aparentar normalidade. Não era a hora nem o momento de explodir com tudo isto.
- Saiu. – Respondeu-me ele,
observando-me com atenção. – O Eric, como está?
Essas seriam as palavras
proibidas, que podiam fazer com que eu explodisse logo de uma vez. Apenas
pensei, tentando controlar-me, que a hora chegaria… Brevemente acabaria por
tratar dos meus assuntos pendentes… Haveriam mortes, mas também poderia
alcançar a normalidade.
Prioridades. Sim, haviam
prioridades. Primeiro tinha de tentar ajudar Eric que permanecia na cama.
Depois, aí poderia sair e fazer o que tinha de fazer.
- Vim pedir-te ajuda, consegues
alguém que possa ajudá-lo? – Não consegui deixar de tentar, pelo menos sabia
que ele era de confiança. Tentei assumir, tentei aceitar. Mas não dava. A
verdade era demasiado real para mim. – Ele está mesmo mal, Dean.
- Lamento, Shef mas, não conheço
ninguém…
Tentei acalmar-me um pouco,
tentando pensar ao certo quem me poderia ajudar. Tinha de haver alguma
resposta. Comecei a sair, até que me recordei de algo que não era menos
importante. Carmen.
- Quando a ruiva voltar, diz-lhe
para ir ter comigo ao quarto. Preciso de falar com ela…
- Sheftu, a culpa não é dela. – A
minha mente gritou, quase conseguia senti-la latejar. Não, certamente não era
assim tão simples sair daqui sem que acabasse com tudo de uma vez. E os seus
batimentos cardíacos não me ajudavam, tentei afastar-me dessa memória, mas
rapidamente captava outros… Muitos mais fracos que o Dean, e não me agradava em
nada conseguir senti-los assim.
- É de quem então? Foi ela que
trouxe aqueles dois até aqui! Especialmente aquele… - Calei-me rapidamente,
desejando que a ira profunda que sentia não se debatesse naquele ser humano que
não tinha culpa de nada. Oh, isto seria mais difícil do que eu desejara… Muito
mais complicado. Tentei descarregar a minha raiva sobre a parede, para que
pudesse ficar ali assim, desfeita. Tal como a mágoa tentava fazer-me. Voltei-me
novamente para Dean, que me observava. – Faz o que te pedi, sim? Obrigado.
Deixei-o sair, para que não
acontecessem mais desgraças por hoje. Já bastava que Eric estivesse
inconsciente nesta casa, não era necessário causar mais baixas. Principalmente
agora que parecia haver mais uma batalha pela frente.
A única questão que ficava em
aberto era quantas seriam as batalhas que nós enfrentaríamos até que pudesse
finalmente voltar ao que atribuo como normal. Passei por Frankie, enquanto me
dirigia ao quarto, Elizabeth estaria sozinha… Talvez pudesse ajudar-me a
manter-me ocupada.
Nunca pensei que fosse tão
complicado entrar naquele quarto, observando-o deitado sobre aquela cama ainda
imóvel. A ira que se apoderava de mim no momento conseguia ser tão forte como a
preocupação que sentia ao observá-lo assim. Tinha de arranjar uma forma de
descarregar estes momentos, não podia ficar assim por muito tempo.
Eu me recordava de cada traço
daquele homem que estava tão perto, mas ao mesmo tempo intocável. Quando ele
acordasse teria de me ouvir. Desde quando era seguro arcar com a defesa de
Carmen perante desconhecidos? Ele era louco, completamente louco! E eu era
louca por estar-me a sentir assim… Porque me preocupava tanto com ele? Porque sentia
um enorme medo de que pudesse permanecer assim por um longo tempo? Eram
sentimentos, aqueles que eu queria deixar para trás, tal como a raiva.
Necessitava de tentar aclarear a mente. Nada melhor do que uma mente clara para
pensar sobre o assunto, tentar encontrar alguma solução, ou simplesmente ter
calma até que as coisas seguissem em frente.
Observei a solução, que por um
momento me olhava, esperando tentar talvez decifrar a razão que me fazia
permanecer à entrada do quarto. Talvez… Talvez ela aceitasse ajudar-me. Sim,
era a única forma de me sentir um pouco mais calma…
- Ajudas-me? – Perguntei-lhe,
vendo-a a observar-me. Sua expressão demonstrava que estava completamente
alheia aos meus pensamentos. Pensei levemente em Eric, que saberia o que me
passava pela cabeça caso estivesse consciente. Suspirei perante tal pensamento,
desejá-lo acordado era a única coisa que me mantinha à beira da loucura total.
Tentei pensar no que dizer, mas nada saía certo com tanta mistura de sensações
sobre a minha mente. – A queimar a raiva?
Por momentos pensei que ela não
tivesse a mínima ideia do que eu estava a dizer, não que a culpasse por isso,
era algo estranho de se pedir, até mesmo para uma pessoa como eu. Suas
sobrancelhas se ergueram ainda mais, fazendo-me esperar por algo que ela
pudesse dizer.
- Sabes que “Queimar a Raiva” é
uma frase hipotética, certo? Isso não é algo que eu possa realmente fazer.
Parecia que não estava em dias de
conseguir explicar o que raio pensava, ou apenas o que queria. Era complicado
até para mim pensar no que estava a pedir, já que jamais tinha pensado na vida
que isso me ajudasse em algo. Principalmente agora que era mais insana, uma
ideia que me parecia ideal… Mas não deixava de ser idealmente insana.
- Tortura-me. – Pedi, tentando eu
mesma aceitar no que tinha acabado de dizer. A realidade é que nada em mim me
impedia disso, era o melhor que fosse feito, e isso talvez fosse o mais
estranho. Desde quando é que pedia a alguém tal coisa? Bem, realmente não
importava… Sentia-me cansada de tudo isto, era a realidade.
- O quê?! – Perguntou-me, talvez
notando na falta de senso comum que começava a demonstrar. Até eu me perguntava
se estaria louca.
- Ajuda-me a desanuviar. –
Comecei por dizer, tentando arranjar palavras para o que necessitava. – Pelo
menos arranjo forma de não pensar.
Ela sorriu, compreendendo-me
agora por completo sem que realmente me culpasse pelo que desejava. Talvez
fosse isso que nos unisse, a realidade é que as nossas semelhanças a faziam
compreender-me onde a maioria das pessoas não conseguia. O simples facto de se
importarem com a minha dor os fariam recuar, mas ela não, sabia tanto como eu
que era necessário que isto fosse feito. Afinal de contas eu necessitava de o
fazer, não era?
- Com todo o prazer. – Disse,
começando por concentrar-se. – Se dizes que isso ajuda, estarei completamente
disposta a ajudar-te.
Eu sorri de volta, enquanto
começava a preparar-me para que tudo começasse.
Não era nada que minha mente não
conseguisse suportar, sabia bem que ela faria tudo sem que houvesse muito
estrago. Afinal de contas, eu desejava desanuviar e ela estava a ajudar-me.
O impacto rapidamente fez com que
o meu próprio corpo adquirisse vontade própria, desejando que a dor rapidamente
se passasse, tentando não sucumbir nela, deixando que tudo fosse incrivelmente
insano. Era a mais pura das loucuras, talvez a maior de todas as que já tivesse
tido nestes milénios.
A realidade é que tinha de me
concentrar em sentir a dor, deixar que as chamas pudessem queimar por completo
toda a ira que fervilhava sobre a minha mente. Por mais que tentasse manter a
força, deixando que o infernal calor continuasse sobre o meu corpo, todos os
meus sentidos permaneciam mais atentos ao que sentia. Finalmente a batalha
começava a surgir vitoriosa para mim, ao mesmo tempo que sabia bem que eu era
única que tinha perdido, irrefutavelmente.
Fiquei cega durante a agonia,
deixando que tudo seguisse o seu caminho, ao mesmo tempo que perdia a
capacidade de controlar a minha mente. Toda a minha pele parecia gritar sobre
mim mesma, derretendo e entregando-se à tão deliciosa tortura. Era eu, perdendo
finalmente perante meu corpo, deixando que ele se fosse…
Fechei os meus olhos com força,
ao mesmo tempo que isso provocava uma intensificação de tudo o que o meu corpo
sentia. Ao entregar-me à dor, ela voltava-se mais forte, infligindo ainda mais
poder sobre as minhas emoções. Era parte da ira que se esfumava sobre leves
gemidos de alma, não iria acabar comigo, mas mesmo assim a minha mente se dava
como vencida.
Tão rapidamente quanto a dor
intensificada, todo o meu corpo decidiu aceitá-la, como se fizesse parte de
mim, ao mesmo tempo que realmente se libertava. Gemidos sufocados dentre a
constante derrota das sensações me faziam aumentar o poder deste momento na
minha morte, quase dissipando por momentos cada suspiro que queria sair de mim,
despertando assim da força que constantemente criava para que tudo fosse
suportado.
Talvez esse tivesse sido desde
sempre o desejo de parte da minha essência, humana ou não, haviam partes de mim
que há muito teimavam em suportar tudo em silêncio. Esse agora que se acabava,
enquanto o meu olhar se erguia perante uma nova certeza: minha mente
torturava-me muito mais do que estas chamas que me queimavam.
Uma leveza enorme se fazia agora
em mim, toda a pressão tinha desaparecido, como se tivesse parado. Tentei
respirar fundo, mas o meu corpo não estava mais sobre o comando da minha mente,
completamente descontrolada mas não totalmente calma. Ainda sentia parte da
raiva em mim, por mais estranho que parecesse, ela não queria muito
desaparecer.
Ela era enorme, ocupando assim,
estranhamente, o lugar daquela dor, como se conseguisse agora sentir-me um anjo
alado. A realidade é que jamais seria algo a não ser um demónio, por mais que
tentassem negá-lo. Surpreendia-me a sensação de deixar o chão sobre meus pés,
conseguindo assim elevar-me um pouco, deixando que a leveza fosse mesmo real.
Rapidamente Elizabeth
desconcentrou-se, observando-me com uma enorme dúvida sobre os seus olhos, era
uma combinação de espanto e incredibilidade. Não sabia porque razão tinha
cessado a dor infligida, teria ela acabado por sentir remorso pelo que fazia?
O peso facilmente voltou sobre o
meu corpo, ao mesmo tempo que sentia o impacto do chão, aquele que agora me
suportava novamente. Ainda existiam rastos daquele momento, principalmente um
leve cansaço. Mas o que raio tinha acabado de acontecer?
- Parece que não é desta que
chego lá… - Resmungou ela, deixando-me confusa. Observei a minha pele, que
continuava plenamente normal, talvez se a queimasse verdadeiramente poderia ter
melhores resultados… Não, a realidade é que nada disto parecia razoável. Era
uma completa insensatez.
- Como fizeste isso? –
Perguntei-lhe levemente.
- Não fiz. Foste tu. Não tens,
por acaso, nenhuma pulseira ou assim? – Questionou-me, depois de ter encolhido
os seus ombros. Limitei-me a abanar a minha mente, na esperança de tudo parecer
mais simples… Não, continuava a não o ser.
- De qualquer forma, estava tudo
a correr bem até… Bem, até meio, ou coisa assim. Não podia ter sido provocado
por nenhum objecto.
- Objecto de reacção lenta… -
Comentou baixinho, observando o Eric. Minha memória rapidamente procurou aquele
momento em que me tinha dito que nada em mim era o mesmo, quando seu diabólico
sangue me enfraquecia, enquanto toda a minha vida conseguia enlouquecer, ao
mesmo tempo que os sentimentos se tornavam meus inimigos. E, aqui estava eu,
mais uma vez, sujeita a esse momento em que ele reapareceu na minha existência.
- Repetimos? – Questionei-a. Não
era a raiva que desta vez me movia. Pura curiosidade, essa danada curiosidade
que teimava em mostrar-me tudo o que realmente não queria ver. Ela afirmou com
a cabeça, começando novamente esta nossa caminhada pelo desconhecido.
- E evita brilhar desta vez… -
Disse ela, impingindo em mim rapidamente aquela sensação infernal. Tentava
pensar sobre o que ela tinha dito. Brilhar? Gemi brevemente, ao tentar
controlar a minha mente, tentando pensar claramente, apesar de toda esta
incrível sensação de cansaço.
Mais uma vez as sensações se
dissipavam, deixando em seu lugar a respiração cortante que se impingia sobre
todo o corpo fustigado em cada tecido ardentemente acordado. Como se todo o meu
corpo fosse eliminado, todas as memórias que me revoltavam, provocando-me a ira
descontrolável, deixando-me tensa de rancor. Uma nova pressão que conseguia
queimar qualquer barreira forçosamente criada por todos estes milénios. Cada
parte se abria, gesticulando a dor que apenas o corpo sentia, deixando que tudo
fosse demasiado doloroso para que eu mesma tivesse controlo sobre mim mesma.
Conseguia dizer ao certo o que todo o meu corpo pedia, inconscientemente,
enquanto se contorcia em cada segundo. Deixa-te
brotar de mim, fustiga-me completamente e deixa-me sentir-te!
Enquanto meus músculos se
contorciam pela dor causada, em meus olhos passavam momentos que nem me
recordava existirem, partes da minha vida que queriam mostrar-se, como se ela
desejasse mostrar-me em breves flashes a resposta para o que eu desejava.
Tentava concentrar-me para me recordar o que conseguia ver, porém não era assim
tão simples com todo o meu corpo querendo afastar aquela dor.
Fechei os meus olhos na tentativa
de conseguir captar, apesar da rapidez com que tudo mudava, as luzes que se
atravessavam nas próprias memórias me deixavam completamente desgastada.
Comentários
Enviar um comentário