Transilvania Season - Ep 46, Sheftu
Sheftu sabia que Eric nunca a deixaria para trás, não depois de todo aquele trabalho que ele tivera para que ela o deixasse estar por perto. Apenas não queria reconhecer que talvez tudo se resolvesse com a morte do último ser vivo que ela tentou salvar e que, ironicamente, lhe transformara na vampira que era. Obsessão ou não, Kiya era a última coisa que a sua vida humana tentara salvar, parte de si seria sempre parte dela, não importava o que ela lhe fizesse... Como poderia sequer pensar em matá-la?
"You And My Immortal Soul Part II" by Sheftu Nubia
Como poderia eu decidir pelo fim da minha família? Por mais
que pensasse e pensasse, o resultado era sempre o mesmo: perdida pelo sim,
perdida pelo não. Por mais que tentasse negar, a vida dela seria sempre um
risco para a minha morte. Eu a conheço, não descansaria até que eu sofresse,
sofresse, sofresse, sofresse… E caso não conseguisse atingir-me a mim, iria…
Abanei a minha cabeça para tentar tirar essas ideias da
cabeça. Não era correcto fazê-lo, e muito menos quando Eric conseguia ver cada
milésimo de segundo dos meus pensamentos.
- Não quero que ela morra.
- Mas o que faremos, o que não queres ou o que tem de ser? –
Perguntou-me ele.
- Tens mesmo que seguir em frente com isto?
- Parece-me que ele tem razão, aliás… Caso não o faças
sempre deixas a liberdade para eu o fazer… - Começou a dizer Elizabeth, olhei-a
profundamente irritada. Como poderia ela sugerir tal coisa? Por vezes poderia
ser alguém horrível… Quase tanto como eu. – Eu não compreendo o que te impede
de o fazer.
- Ela tem razão, Shef… Sabes o que tens a fazer. – Eric
concluiu.
- Sim… Eu… Sei. – Não havia mesmo mais nada a fazer, por
mais que eu pudesse escolher a vida dela contra a minha morte, havia muito mais
em jogo.
A mão de Eric afundou-se sobre a minha bochecha, olhei para
ele mas não esperava nada como a sua expressão que agora se fazia clara. Era
uma notória surpresa que a sua cara mostrava, por momentos ainda me questionei
o que poderia ser, mas com toda a situação a assentar lembrei-me… O enorme
calor que sentia sobre o corpo que me incomodava durante toda a tortura
continuava, não tão forte. Ou simplesmente me tinha habituado a ele.
- Estás quente? – Conseguiu verbalizar finalmente.
- Parece que sim… - Foi a única coisa que consegui
lembrar-me de dizer.
- Como?
- Acho que deve ter sido a ponta de prata da estaca. –
Respondi, após algum silêncio. O que poderia dizer eu? Que tinha entrado num
forno ou que era uma outra coisa qualquer?
- Que estaca? – Perguntou-me Elizabeth.
- Bem… Como matei um vampiro, fui condenada à morte.
- Mataste um vampiro? – Acenei-lhe com a cabeça, ela não se
surpreendeu, apesar de achar ligeiramente estranho. – Qual deles foi?
- Não creio que isso importe agora… - Respondi, pondo um
ponto final ao assunto.
Eric observou-me preocupado, sabia que eu ainda estava a
esconder-lhe certas situações, e com certeza era apenas uma questão de tempo
para que a minha mente deixasse um pouco da pressão cair e que a verdade viesse
por completo.
Ele colocou a sua mão sobre a minha, não sentia qualquer
calor da sua pele, sem ser aquela pulsação que batia ritmada como
habitualmente. Sorri levemente, apesar de tudo, havia certas coisas que
realmente nunca mudavam.
Por momentos quase que conseguia esquecer aquele corpo que
nos separava, Kiya permanecia sobre o colo do Eric, observei-a ligeiramente.
Ele, claro, tinha de estar presente em cada milésimo de segundo que eu vivia.
- Não consegues arranjar algo para a Sheftu levar? Quanto
menos nas vistas dermos melhor. – Perguntava ele.
- Onde tencionam ir? – Disse Elizabeth.
- Acredito que seja para casa… - Conclui eu.
- Sim, não antes de fazermos uma paragem para nos juntarmos
aos outros.
- Posso ir com vocês? – Não tinha sido apenas Eric que se
tinha surpreendido com esta pergunta repentina e completamente inesperada. Ele
olhou para mim, olhando de novo para ela. Um movimento que fez repetidas vezes
sem eu entender ao certo o que se passava na cabeça daquele homem.
- Sim, claro. – Respondi eu, ligeiramente à toa.
- Eu já volto…
Eric levantou-se, levando o corpo da minha irmã para a mesma
mesa que ainda há uns minutos estava eu. Observei-o receosa de que ele pensasse
em tortura-la ou algo assim.
- Não precisas de pensar tanto sobre o futuro dela. – Ele
aproximou-se de mim, que incrivelmente já estava em pé sem que realmente
tivesse-me levantado conscientemente. – Tu e eu. Pensa assim…
- Mas ela…
- Não existe ela. – Segurou as minhas duas mãos sobre o seu
peito, aproximando-me assim dos batimentos dele. Por pouco que poderia sentir
de um certo modo o meu próprio corpo a movimentar-se sobre as batidas que o seu
coração vivo dava. – Tu e… - Apoiou a minha face sobre a sua mão e empurrou-a
para perto, beijando-me intensamente. Por momentos esqueci-me de onde
estávamos, nem o que tinha acabado de acontecer, bem como tudo o que nos
rodeava. Só aquela pulsação que batia bem perto de mim, aqueles seus lábios
doces… Aproximei o seu corpo para junto do meu, queria sentir a sua pele, o seu
gosto, o seu sabor. Como poderia tudo isto ser real? Como?! – Calma.
Apesar das suas palavras, todo o seu corpo pedia-me tudo
menos calma. Até o cheiro do seu sangue sobre o braço berrava por mim,
desejando-me, fazendo com que o desejasse intensamente. Talvez fosse uma
miragem leve, ou o inferno que tentava torturar-me com prazeres momentâneos
seguidos de completa dor.
Nada realmente importava, realidade ou não, ele estava sobre
os meus braços e sentia os dele sobre a minha pele. Por alguma vez na vida a
minha imortalidade pouco importaria, até era uma ligeira vantagem… Ao
permanecer neste mundo para um todo sempre, o amor eterno andaria sempre do meu
lado.
Pequenos flashes surgiram-me, o suficiente para que parasse
rapidamente. Não queria que visse o mesmo que antes sonhara, nem que o
soubesse… Era já tarde demais, eu o sabia.
- Quem? – Perguntou-me.
- Ninguém. – Respondi sem fitá-lo.
- Conseguiste reconhecer algo, ou descobrir do que se trata?
– Afirmei que não com a cabeça, mas ele sabia de certeza que eu estaria a
mentir. – Não faz mal… Brevemente mo dirás. De uma maneira, ou de outra.
Eu olhei-o surpreendida com o súbito tom de revolta. Eu sei,
eu sei que queres saber… Mas é melhor que não o saibas. Nem eu sei ao certo o
que é… Nem eu o sei.
- Preparados? – Perguntava Elizabeth, entrando na sala. –
Que clima pesado que anda por estes lados… Então, já se decidiram em matá-la?
- Não. – Foi a única coisa que eu disse, aproximando-me dela
e apanhando o sobretudo comprido beje que me trazia.
- Não consegui arranjar nada melhor… O castelo começa a
ressurgir do ataque, não demorará muito até que nos procurem por aqui… Devemos
de sair o mais rápido possível.
- Não viste a Dora?
- Parece que a única coisa que restou dela foi mesmo isto. –
Disse-me, mostrando a pulseira enquanto eu vestia o casaco. Ouvi-o resmungar
sobre algo, mas não lhe dei muita atenção. Havia ainda algo importante
pendente…
- E ela? – Perguntei eu, observando atentamente o seu corpo
que permanecia sobre a mesa de tortura.
- Não queres fazer como o teu homem disse e retirar-lhe o
último suspiro de vida? – Perguntou-me, desejosa para que o trabalho passasse
para ela. Eu de um certo modo quase que a conhecia…
- Não… Podes fazê-lo. – Disse, afastando-me do corpo
de Kiya, sem voltar-me nenhuma vez para trás. Sentia-me vazia, sozinha… Até que
uma mão segurou a minha, ao mesmo tempo que os gemidos de dor saíam pobres
naquele corpo fraco que deixávamos para trás com Elizabeth. Seria o fim da
minha família, o fim de mim.
Seguimos rumo à cidade, não havia mais tempo, tudo acabaria
mesmo por ser deixado ali, sem que realmente me importasse por sair com tanta
pressa de lá. Paramos à frente de um prédio alto da cidade, entramos pela cave
e seguimos pelo corredor branco – semelhante à nossa antiga penthouse, curioso…
- até que chegamos a uma maciça porta negra.
Eric abria a porta meia avariada, demonstrando uma casa num
estado caótico. Um corpo, ou pelo menos parte dele, estava sobre uma cadeira,
com claros sinais de tortura que provavelmente tinham gerado todas as outras
partes espalhadas pela casa. O que chamava à atenção era definitivamente a
frase Vou destruir-te, Carmenzita! que simplesmente
demonstrava uma nova festa que certamente viria algures por aí.
- Oh… Que rica decoração. – Comentou Elizabeth, soltando um leve
grito estridente.
- Tenta dar o mínimo nas vistas sim? – Comentou Eric, pelo
que parecia ainda estava um pouco desconfortável com a nossa nova companheira.
Tanto faz, o que importava é que ela não tinha ficado no meio daquela loucura.
Um leve espanto saiu da boca dele, que talvez conhecesse o
homem que agora fazia parte da decoração. Sim, fora um erro mover meio mundo
para que me encontrassem. Rapidamente a sua face voltou-se para mim, incrédulo
do que eu tinha acabado de pensar. Sim, sim… Como se fosse muito importante o
que penso neste momento!
Carmen entrou na sala pouco tempo de termos entrado, breves
momentos até, e observou-nos. Especialmente Elizabeth, sem que lhe caísse nada
bem a nossa nova convidada.
- O que se passou? – Perguntou Eric.
- Não interessa. Temos de ir embora, agora! – Disse Carmen,
voltando novamente os seus olhos para Beth, logo após de observar o meu estado.
Fez uma leve careta, por pouco que não a tinha visto, certamente uma reacção
inconsciente do que estaria a pensar. – Não sem antes me dizerem, quem é ela?
- Elizabeth Wood. – Apresentei-lha. – É uma amiga.
- Óptimo saber que fazes amizade, enquanto estás em
cativeiro.
- Não fui só eu que trouxe uma amiga nova, não é? –
Respondi-lhe da mesma moeda, começando de um certo modo as habituais disputas.
Não, afinal em todo este tempo nada mudou… Não perdi nada de novo, cheguei
mesmo a tempo.
Conseguia ver a raiva a apoderar-se dela, talvez até
estivesse arrependida de me ter trazido. Bem que agora não podia voltar atrás,
já estava por cá e o resto estava tudo acabado.
- Não me interessa, ela não vem! – Começou com as suas
mimalhices habituais, ah… Esta é uma das coisas de que não senti a mínima
saudade.
- Ouve lá… - Aproximei-me dela com rapidez, surpreendendo-a
ligeiramente. – Ela vem, lá porque pensas que tens o rei na barriga não
significa que mandas! Continuo a ser a mais velha e, continuo a ter mais poder…
- E ela nem imaginava o quanto, até eu nem sabia ao certo quando poder tinha eu
agora. Isso era algo que me afectava mais do que devia.
Finalmente aquela vampira mimalha acabara de provar que por
vezes sabe uns truques, suas presas fizeram-se mostrar e a raiva fluía até da
sua pele que veio logo contra mim.
- Não…me…irrites, Sheftu Nubia. Da mesma maneira que te
salvei, volto a entregar-te aqueles malucos medievais. A casa é minha e eu
decido quem vai ou não! – Empurrou-me outra vez, agarrando o meu pescoço. Seus
olhos faiscavam de raiva, que simplesmente me alegrava, por mais estranho que
pareça, se ela conseguisse levar-me até que era um favor. – Não fazes ideias de
quanto mudei e, tenho força para destruir-te! – Largou-me duma vez e moveu-se
acelerada. – Limpem as impressões digitais de todos e, vamos para casa! –
Olhava para mim enquanto continuava o seu raciocínio. – Já temos o que viemos
buscar.
Ouviu-se uma porta a bater furiosamente, com certeza que não
me custava muito para saber logo quem era. Típico. Raiva, fúria e força… Mas
não, tenta controlar em vez de deixar sair.
- Bem, eu tenho de ir ver como ela está… - Desculpou-se
Eric, seguindo rumo ao compartimento onde ela certamente estaria. Não podia
deixar de sentir uma irritação profunda por isso, não que fossem ciúmes… Ou
talvez fossem, mas não me agradava nada a ideia de pensar sobre este assunto.
- Bem, pelo que me parece tens aqui uns momentos animados. –
Comentou Elizabeth.
- Nunca te disse que a tua vida iria ser monótona. – Sorri
levemente.
- Ainda bem, sempre consigo distrair-me um pouco.
- Claro, já sabes que sempre que precisares…
- Sim eu sei…
- Ainda bem. – Conclui. Ia ser estranho, como podia eu saber
se ela não estava interessada em saber mais sobre as coisas que aconteceram
pelo castelo?
Poderia muito bem apenas querer descobrir ao certo a razão
do seu puder não me ter afectado, ou então simplesmente estaria curiosa pelo
facto de nem uma estaca com prata me ter eliminado de vez. Na realidade, isso
era uma das coisas que eu gostaria de saber. Como morreria eu? Estava condenada
para a eternidade desde o momento que ele me transformou? Não me alegra a ideia
de não conseguir jamais acabar comigo mesma.
Não demorou muito até que Carmen aparecesse ainda
ligeiramente raivosa, mas infelizmente mais controlada.
- Deixem-se de tretas, vamos para casa. – Olhava para Beth,
ainda desconfiada. Mas lá quebrou um pouco do gelo. – Bem-vinda, Elizabeth.
Voltaríamos para o que se tinha tornado um completo campo de
batalha, do qual me levaram estupidamente para junto de Gustav. Só desejava que
aquela velha carcaça morresse bem longe!
- Agora que aqui estás de novo, tudo vai melhorar. –
Disse-me Eric, gostava mesmo de acreditar nisso… Talvez a minha mente
conseguisse esquecer certas coisas, apagar por completo da minha mente… Ou
simplesmente iam ficar completamente marcadas para toda a minha vida.
- Gostava de acreditar nisso… - Murmurei.
- Sempre me tens a mim para te fazer acreditar… - Disse-me,
afogando qualquer dúvida nos meus lábios.
- Isso não é justo. – Acusei.
- Eu nunca disse que seria justo. – Sorriu, não era apenas
um sorriso, mas sim uma nova era que vinha sobre nós. Eu confiava nele, eu o
amava, perdia o raciocínio facilmente quando ele me perturbava simplesmente com
a sua presença.
Como pode algo tão inquietante fazer-me tão bem?
Era uma porta de um passado que se fechava, talvez um futuro
sorridente se abrisse mesmo em frente dos nossos passos. O que mais importava é
que me sentia bem quando ele fazia parte da minha vida, o pouco que restava do
meu ser humano era completamente dele, bem como o monstro que ele tanto atiçava
de maneiras completamente impensáveis.
Ele olhava para mim, não sabia eu se agarrado à minha mente
que derivava sobre mil e uma imagens, ou simplesmente seguia a minha linha de
pensamento. Acreditava que toda a sua expressão gritava para mim que estava a
entrar num campo demasiado perigoso. Sorri, aproximando mais o meu corpo ao
dele. Afinal de contas, o perigo nunca realmente me afectou. Eu gosto do
perigo… E ele é uma completa montanha russa para mim, quantas mais voltas…mais
diversão.
- Podes tentar concentrar-te em algo menos…intenso? – A sua
voz quase não se ouvia, apesar do tom meio rouco não me passar despercebido.
E, apesar de todos estes milénios, seria a primeira vez que realmente
iria dizer com toda a verdade: Como é bom voltar a casa.
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