Transilvania Season - Ep 44, Elizabeth
Beth se apanhara pelo enorme turbilhão que tentava salvar Sheftu. Não conhecia ninguém, não sabia de nada e, mesmo assim, continuava com a clara ideia de fazer-se à estrada junto a ela. Muitos diriam que ela tinha enlouquecido, mas ela sentia que tudo era uma questão de absoluta curiosidade.
"I wasn´t seeing that one coming" by Elizabeth Wood
Segui o som dos gritos, o que foi difícil porque eles vinham
de todos os lados, mas foquei-me nos mais dolorosos. Aparentemente, quem
desferia aqueles golpes estava tão desesperado como furioso. Sedento de
vingança.
Quando encontrei o seu rasto dos corpos, consegui
apanhar a sensação de presença furiosa, espantando-me ao ver que me levava de
novos à escadaria.
- ERIC – Ressoava nas paredes, por todo o lado, como o
eco de um grito, que eu não compreendia se era de dor, medo, aviso ou de
alegria. Decidi optar pela primeira opção. Era uma voz desconhecida e, embora
houvessem alguns Erics no castelo, nenhum deles tinha a seu cargo trabalho de
tortura daquele porte… Seria Eric mais alguém que queria fazer-lhe mal? Entrara
ele ali apenas para matar Sheftu, para se vingar do que quer que fosse, antes
que qualquer outro pudesse fazê-lo.
Quando cheguei ao fim da escadaria, com todos os
rostos presos a olhar-me detrás das grades, corri até à sala de onde vinha o
grito.
Estava lá um homem, assim como Sheftu em muito mau
estado e outras coisas que não olhei.
Porque nesse momento eu olhava para outra coisa.
O homem tinha um punhal na mão.
Galguei, com passos rápidos, o resto do corredor,
tentando impedir o inevitável, dando encontrões no que encontrava pelo caminho.
Eles pareciam estar a falar. O género de conversa que
se tem quando se está prestes a matar uma vítima. Conversas que eu conheço bem.
Não hesitei um segundo antes de quase me lançar contra
ele. Com a fúria inesperada e o instinto de proteger Sheftu, claramente numa
posição muito pouco segura, lancei o poder paralisante das chamas ao encontro
do homem, mesmo atrás dele.
Ele cambaleou, dando mais uns passos débeis, antes de
cair sobre um corpo. Mas que raio…? Será que tinha morto mais alguém? Olhei
para a massa disforme sobre a qual ele se encontrava imobilizado. Os movimentos
do peito indicavam que ainda estava vivo… Quando olhei melhor, quase dei um
salto de espanto. Era Kiya.
- Pára! – Sussurrou Sheftu debilmente, como se
quisesse gritar, sem sucesso.
Fez um esforço significativo por se levantar, mas caiu
redonda no chão.
Fiquei surpreendida com as forças que encontrava para
se arrastar sobre a pedra, cravando as mãos nas junções húmidas entre cada uma
delas e puxando o peso do próprio corpo.
Ofegante, foi cair ao lado do homem, demorando apenas
uns segundos, uns segundos escassos, para encostar os lábios aos seus. Mas que
raio…?
Quem seria ele? Estaria apaixonada?
Era de loucos.
Triste, ocorria-me. Ou seria, talvez, se eu não o
tivesse largado de imediato… Largado? Não, eu não lhe tocava. Longe de mim,
qualquer tipo de combate físico. Era mais forte e mais rápida do que um humano,
ainda mais se usasse a minha magia, mas lutas corpo a corpo não eram para mim.
Eu ficava-me pela área da bruxaria, obrigada.
E, para além de triste, ocorreram-me mais. Fraco.
Repulsivo. Enjoativo. Eu não era fã de demonstrações de afecto, habituada à
falta de amor ou amizade – ou qualquer outro sentimento positivo, de fora ou de
dentro -, e elas não me eram fáceis de observar.
Mas agora surgiam-me outras dúvidas… O que é que
aquilo queria dizer? O homem – que deveria ser Eric – tentara matá-la, ou não?
Será que se arrependera? E porque é que ansiaria por vingança se depois se
rendia assim? A não ser que ele quisesse vingar Sheftu e não vingar-se dela…
Estranho, era tudo muito estranho.
O desconhecido, sobre o qual recaiam as minhas
suspeitas de se chamar Eric, ajudou-a a levantar.
- Agora vejo porque não necessitas da minha ajuda. –
Comentei, chegando à rápida resolução de que ele viera para a libertar.
Aproximei-me, mas Eric, sem se virar, vociferou.
- Não chegues perto – Recuei, sem vontade de me opor
ao homem que penetrara o castelo. Eu podia ser orgulhosa, mas não era estúpida.
Vi-o levar o pulso aberto de Kiya à boca dela… Bah!
Era o que mais me repugnava nos vampiros. Embora a sede de sangue me fosse
conhecida, eu apenas a conhecia no sentido figurado. Eu nunca
tivera intento de beber o sangue humano… Ok, talvez umas ou duas vezes, mas
tudo para lhes provocar agonia. Para mim, a comida banal estava bem. Correcta.
Sangue era algo glorioso de se ver, mas hediondo de se beber.
Quase como se estivesse a responder – de forma irónica
– aos meus pensamentos, Eric sussurrou:
- Bebe.
E Sheftu, teimosa para variar, resmungou em troca.
- Não preciso do sangue dela para nada.
- Nota-se! – Sublinhei, aproximando-me - Faz lá o que
o teu herói diz, parece-me que precisas.
- Não quero – Tornou. Agora quase parecia uma criança
a amuar.
- Shef… Vá, não temos muito tempo… Bebe e vais ver que
tudo melhora – e, como se as palavras dele exercessem uma espécie de magia
sobre ela, ela cravou os dentes no pulso de Kiya, dando-me de novo aquela
sensação estranha no estômago, pondo-me a imaginar o sabor de Kiya e a pensar
na sensação de ter os dentes ferrados na sua pele branca.
Só me dei conta que quase me debruçava sobre ela
quando ela afastou a cara do braço, olhando para ambos.
- Tens de beber mais… - Disse Eric, e o meu olhar
desviou-se para ele, mais por reflexo, observando-o pela primeira vez.
Independentemente do resto, a única coisa que conseguia ver na sua expressão
era preocupação.
Sheftu voltou à sua faceta de “Vamos não magoar a
bruxa má” – o que é algo irónico de se lhe chamar, porque eu sou
a bruxa má e Kiya era a semi-vampira maléfica. Acabei por chegar à conclusão de
que isto não encaixava bem na frase, por isso mantive a minha primeira.
- Não, não o posso fazer. – Esclareceu, olhando para
nós como se isso fizesse todo o sentido e não fosse mais do que um bocadinho
estúpido.
- Porque não? Precisas de o fazer para ficares
completamente bem. – As palavras de Eric reflectiam os meus pensamentos. Sheftu
voltou a olhar-nos com aquele mesmo olhar de há uns segundos atrás, com a única
alteração de que, desta vez, este vinha carregado com uma dose de irritação
patente e latejante.
- Estás a sugerir que eu a mate? – Interrogou,
rispidamente. Bem, isso era precisamente aquilo que eu julgara que ela ia
fazer… Eu mataria por saber o que se passava na sua cabeça… O que está bastante
mal dito, porque eu mataria mesmo que não quisesse sabê-lo.
- Não vais começar com isso pois não? –
Perguntei, revirando-lhe os olhos.
- Porque não o aceitaste? – Perguntou Eric preocupado.
Teriam eles tido tempo suficiente para debater a minha proposta? Hum… Havia
algo estranho acerca de Eric.
- Porque simplesmente não era nada que fosse de ser
aceite. Não quero que ela morra.- Tornou Sheftu. Aquilo estava a tornar-se
simplesmente absurdo.
- Preferes que ela te mate a ti? – Perguntou Eric
estupefacto, quase que furioso. Parecia que ambos concordávamos no que tocava
àquele assunto em especial. - Tu és louca. Tens que acabar com isto agora,
depois tudo ficará bem.
No ponto de “Depois tudo ficará bem” é que eu não
estava de acordo. Será que ele esperava unicórnios, flores no final? Se ele
chegasse lá vivo, é claro.
- E ela? – Perguntou.
- Não vás por aí… Precisas de forças. – Insistiu Eric.
- Bem, parece que estou aqui a mais. – Afirmei. – Mas
ele tem razão, deves fazê-lo.
Ela fechou os olhos, com os dedos sobre as pálpebras…
Ponderava, e eu e Eric aguardávamos. Ele ansioso, e eu ainda a interrogar-me
porque não me tinha posto a andar – e, admito, com uma ponta de curiosidade.
Ela abanou a cabeça no meio da reflexão, levando-me
novamente a interrogar o que se passava lá dentro… Acabou por abrir os olhos.
- Não quero que ela morra. – Soltou, num gemido débil
e pressionado pela indecisão.
- Mas o que faremos, o que não queres ou o que tem de ser?
– Interrogou Eric, condescendente mas firmemente.
- Tens mesmo que seguir em frente com isto? – Gemeu.
- Parece-me que ele tem razão, aliás… Caso não o faças
sempre deixas a liberdade para eu o fazer… - Matutei, em voz alta, embora sem a
total certeza de que queria pronunciar aquelas palavras. Ela olhou-me num misto
de irritação e raiva, mas nem isso chegou para eu decidir se tinha ou não feito
o que devia - Eu não compreendo o que te impede de o fazer. – Concluí, já que
estava na maré de dizer o que pensava. Não podia perder mais nada.
- Ela tem razão, Shef… Sabes o que tens a fazer.
– Resolveu Eric.
E esperei ansiosamente pela sua resposta, que não
tardou.
- Sim… Eu… Sei. – Balbuciou, como se lhe custasse a
admitir.
O que mais me surpreendia era que quase toda a gente
naquele castelo adoraria matar Kiya, quase tanto como a mim. E Sheftu deveria
ter ainda mais vontade de o fazer, tendo em conta a quantidade de punhais.
Eric pousou a sua mão na face dela. Ficou tão
subitamente surpreso e chocado que eu avancei na direcção deles, antes de me
lembrar de que não o deveria fazer.
- Está quente? – A sua voz denunciava profunda
surpresa. E não era para menos.
Mesmo que eu não tivesse tocado a cara de Sheftu,
tinha a certeza de que ele dizia a verdade, e isso era mais do que um pouco
aterrorizador.
Os vampiros eram frios como gelo. Sabia-o porque
torturava vários, e a minha facilidade em passar a magia para outro organismo
vivo aumentava significativamente, embora não me fizesse muita diferença,
quando tocava nele.
Fartara-me de tocar vampiros, em várias zonas do
corpo, e daquilo eu tinha a certeza: Nenhum deles era quente.
Para além de tudo o que Gustav me ensinara sobre as
diferentes anatomias e criaturas. Entre sermões entediantes sobre a transformação
de lobisomens e aulas de adormecer acerca dos vários tipos de bruxas (lição
durante a qual descobrira que pertencia às Nalihjet, oriundas do Reino Unido, e
com grande concentração no País de Gales), eu apanhara o facto de os vampiros
serem, irremediavelmente, frios. O calor era algo que não possuíam desde a sua
transformação. O que fazia o mais perfeito sentido visto que estavam mortos.
E, se os vampiros não podiam ser quentes, só havia uma
explicação:
Sheftu não era vampira.
A questão nem era essa. A questão era: Mas afinal o
que é que ela era?
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