Transilvania Season - Ep 43, Sheftu
Sonho ou não, Eric encontrava-se frente a ela. Quem poderia dizer que, depois de tudo o que acontecera, Sheftu não se sentiria completa ao observar o seu rosto de novo, ao sentir o seu cheiro e ouvir a sua pulsação. Por mais que ela tentasse negar, as escolhas que fazia na sua existência sempre se apoiaram no que sentira quando humana. Até que ponto isso a iria levar?
"You And My Immortal Soul Part I" by Sheftu Nubia
Sentia cada vez mais de perto a sensação de que Eric se
aproximava, eu sabia que talvez fosse um dos efeitos secundários de toda esta
mistura que ia entranhando pelo meu corpo. Pelo menos a minha morte seria
finalmente compensada, leves lágrimas surgiram do meu olhar, mesmo que não as
quisesse em mim. Uma pulsação que se tornava mais próxima, mais viva, mais
expectante. Ouvi muito mais do que isso, era uma porta que se abria, que me
chamava para o meu destino: morreria finalmente sobre os braços do meu próprio
sangue.
Estranhei a pausa dos fios esfriados que a minha irmã
traçava em mim, abri o meu olhar e vi-o. Kiya tinha-se afastado, espantada pela
ruptura do seu tão amado castelo. Ele me olhava, simplesmente parado naquelas
duas portas, seria realmente verdade o que eu estaria a ver? Seus olhos vazios
e abertos me observavam, com um rosto fechado – embora surpreso.
Tão rapidamente como a sua entrada, seguia-se de Carmen.
Olhares que se cruzaram brevemente, perguntas carregadas de surpresa
permaneciam sobre as nossas mentes, conseguia senti-lo. O mau estado que ela
aparentava ter aumentava a cada passo que dava para mim, observando toda esta
imagem que lhe aparecia mesmo em frente.
Suas mãos se queimavam corajosamente sobre as correntes de
prata que me cercavam. Não era simples o que tentava fazer, tanto para ela como
para mim. A realidade tinha novamente vindo sobre a minha mente, observei-o de
novo e permanecia petrificado sobre a entrada, a culpa começava a entranhar-se
no seu olhar e eu bem o sabia. Bem que podia tentar usar os meus próprios
pensamentos para tentar virar a perspectiva, mas ele já sabia que não seria
assim tão simples. A culpa é minha. Pensei vezes e vezes sem conta, na
esperança que ele mesmo conseguisse entranhar isso. Essa era a verdade, a culpa
era toda minha.
Tentei relembrar-me de cada momento, recordando, por breves
segundos, as longas horas que nos tinham separado. Seu olhar permanecia perdido
algures enquanto o observava, era tudo demasiado intenso para ele, não podia
culpa-lo por isso.
Tomei consciência de que tínhamos caído, Carmen estava ao
ponto de ter quase tanta força como eu tinha neste momento. A luta tinha sido
renhida e quanto mais ela conseguia penetrar sobre as forças de Gustav, mais
eram as forças que se perdiam nela mesma. Quase um atentado suicida esta
tentativa de salvar-me e, um dia, iria retribuir-lhe o favor.
- ERIC! – Gritou ela, tentando fazer com que ele finalmente
tomasse consciência da situação para que pudesse ajudá-la. Acordava finalmente
do choque, aproximando-se de nós e caindo do meu lado, olhando-me intensamente
à procura de algo que pudesse fazer. – Vou procurar ajuda.
Minha atenção focou-se por completo naquela que permanecia
silenciosa, Kiya que observava cada novo segundo, talvez procurando alguma forma
de conseguir o que desejava. Eric virou-se para ela, levantando-se.
- Como podes fazer isto à tua própria irmã? Não mereces nem
metade do que ela sacrificou por ti. Tu… - A sua frase parou repentinamente, ao
mesmo tempo que a minha mente gritava para que se calasse, para que deixasse
tudo para trás e fosse embora. Talvez fora isso que o fez voltar-se para mim de
novo e ajoelhar-se, segurando os meus dois braços à espera de que eu o fitasse.
Tentei manter o controlo, da pouca força que tinha, para que
não o olhasse. O único problema era mesmo as suas mãos que me obrigavam agora a
olhá-lo. Acreditava que o restante sangue que me restava agora saía pelos meus
olhos, não haviam coragem suficiente para que as palavras que outrora gritava
em minha mente se fizessem verdadeiras.
- Porque vieste salvá-la? – Perguntou Kiya, irritada com
todo este momento e não querendo que lhe desfizessem o meu fim perfeito.
- Acho que é obvio não achas?
- Pensas que ela gosta de ti? – Começava ela a gargalhar com
gosto, seguindo de um lado para o outro, passo a passo, preparada para ter que
escapar a qualquer segundo. Os seus braços permaneciam juntos, cruzados sobre o
peito. – Meu caro, estás muito enganado. Essa aí… Ela não ama ninguém. Nem a
ela mesma!
- Cala-te que não sabes o que dizes. – Ripostou ele,
observando-me com um ligeiro sorriso.
- Ela gera destruição à sua volta, tudo nela é um completo
vazio.
- Não é verdade.
- Achas mesmo que o que dizes é real? – Continuava ela,
começava-me a irritar com os seus momentos, só aquela sua voz já me fazia
querer sair dali o mais rápido possível.
- Se não o soubesse não to diria. Aliás, - Começou ele a
elevar a voz como se estivesse a proclamar uma lei. – a única mancha negra na
sua vida foi o teu nascimento.
- Como podes dizer tal coisa? – Perguntava-lhe ela irritada.
- Observa os factos!
- Seu aldrabão mentiroso! Ela enfeitiçou-te e nem dás por
isso! Vocês homens são todos o mesmo!
- Como ainda não te internaram? Isso realmente é um caso
sério no qual já deveriam ter pensado há muito. – Respondeu-lhe, aproximando-se
de mim novamente a sorrir. – Esta tua irmã é mais louca do que eu pensava das
tuas pequenas memórias.
- Nunca ouviste dizer que as pessoas só vêem o que querem? –
Respondi-lhe. – Neste caso, não viste as coisas boas que ela me trouxe.
- Que coisas? Nem tu mesma nas memórias as vês.
- Não vás por aí Eric. – Pedi.
- Olha só o teu estado… Depois diz-me que ela não é um
monstro.
- Se fores por aí, então vê-me! Não sou eu um bom exemplo de
monstro para a definires? – Era a realidade, tudo o que ela era ou sabia tinha
sido aprendido através de mim. O que ela fosse acabava por ser minha culpa,
caso não tivesse tentado ser mais do que sou, talvez aí ela pudesse ter-se
tornado algo melhor.
- Não… Tu não o és. Eu consigo ver-te além do que mostras,
nunca te esqueças disso.
- O melhor seria partires e deixares-me aqui. – Conclui,
tentando não aprofundar muito, para que os pensamentos simplesmente não
esvoaçassem pela minha mente.
- Minha vida até pode não durar para sempre, mas o amor que
sinto por ti é muito mais do que a simples eternidade. Deixar-te aqui é morrer.
– Disse-me, segurando as minhas duas mãos.
- Oh, parem lá com isso que já estão a irritar-me! – Disse
Kiya, continuando o seu momento sem que ninguém realmente lhe prestasse
atenção. – Sabes por onde ela andou todos estes anos em que te entregou aos
teus novos paizinhos? Sabes? Correu para os braços de Ian.
Seu sorriso aumentou ao ver os ombros dele enrijecerem.
Apesar de não querer realmente prestar-lhe atenção, o nome do seu pai era
demais para que permanecesse calado.
- Podes parar com isso? – Comentou ele, sem sequer se mover.
– Já sabemos que tens uma enorme falta de atenção, mas não é a nós que a tens
de pedir… Vai lá ter com o Gustav, enquanto ele está no intervalo, mas tem
cuidado, não o vás interromper com uma das suas amigas.
- Não vires o jogo, rapaz… - Disse ela. – Os braços de Ian a
aceitaram de braços abertos, imagino os longos momentos em que os dois se
divertiam ao longo dos anos. É uma pena que ele tenha-a entregado a Gustav em
vez de ficar com ela.
- O QUE DIZES? – Gritou Eric, levantando-se rapidamente,
preparado para a qualquer momento terminar com a vida dela. Poucos segundos
depois se sentiu mais calmo, enquanto eu tentava falar-lhe, sobre a minha mente
que pedia que a sua vida fosse poupada. Era esse o objectivo, irritá-lo.
- Pois foi, veio ele falar com Gustav, sobre uns assuntos…
Nunca pensei que fizessem aquele acordo parvo de trazê-la novamente para aqui.
– Ela sorriu levemente, antes de continuar. – Mas pelo que parece os dois vão
descobrir que foi um bom erro, principalmente quando acabar com ela.
- Vejo que não tens em ti nada que se assemelhe à tua irmã,
Kiya. Uma coisa podes ter a certeza, ela irá comigo. Apenas te restam duas
escolhas, ou morres ao tentar contrariar-me ou simplesmente sobrevives. A
escolha é tua.
A sua raiva cresceu, até que por um mero segundo, a
expressão mudou completamente, e os seus braços desceram. Era demasiado
estranho vê-la assim… Não era habitual abandonar uma causa tão facilmente. Um
tom angelical saiu da sua boca, impressionando-me mais a mim do que a qualquer
outra pessoa.
- Faz o que entenderes. – Não sei porquê, mas algo estaria
errado com a facilidade que ela tinha ao aceitar isto. – Não esperes que vos
acompanhe à porta.
A rapidez em mim não era a suficiente quando a fraqueza
permanecia latente em todo o meu corpo e, mais do que nunca, isso notou-se
quando aquela que fazia parte do meu sangue, corria furiosamente contra nós.
Ele fora rápido o suficiente para que não fosse ferido mortalmente, mas o seu
ombro direito tinha sido atingido com aquele punhal que Kiya usara em mim.
- Mas como ela… - Comecei eu, seu dedo aproximou-se dos meus
lábios, fazendo com que me calasse.
- Não consigo ouvi-la. – Disse-me, fazendo que, por breves
momentos, me questionasse o que ele queria dizer com isso.
- Então, perdeste a coragem de levá-la contigo? – Incitava
Kiya, eu apenas tentava pedir-lhe para que nada fizesse, para que deixássemos
tudo sem que ela saísse daqui sem vida. – Pelo que consigo ver, afinal não
tenho sangue suficiente para vocês os dois… Oh, como irei eu torturar-vos?
- Sangue? – Perguntou Eric, não era uma pergunta dirigida a
ela, mas a mim. Engoli rapidamente o pouco de saliva, sangue ou o que raio
tivesse na minha garganta a entalar-me.
- Claro, a minha querida amiga Pan deixou-me um conjunto de
utensílios interessantes para usar na Sheftu… Até gostava de saber onde
encontrar mais, acho que acabei com a quota existente no Castelo.
Meus olhos observavam o chão, para que não tivesse de
olhá-lo nos olhos. Tentei pensar nos momentos em que ela usara o seu sangue
contra mim, conseguindo fitar, por breves segundos, aquele em que eu mesma o
usava para tentar salvar Henry. Só esperava que tivesse-o conseguido a tempo.
- Desculpa. – Disse-me ele, arrancando o punhal do ombro e
voltando-se contra ela. Eu por mais que tentasse pedir-lhe para que não o
fizesse, por mais que desejasse que tudo isto realmente nunca tivesse
acontecido e que pudesse morrer logo duma vez para terminar com tudo. Nada
servia, nada iria fazer pará-lo. Pensei em correr e usar o punhal em mim,
pensei em tentar salvá-la com a minha vida. De que me serviam as ideias se nem
sabia realmente as formas que me matariam? Era inútil. Eu, este momento e o que
eu sentia, era tudo simplesmente inútil…
A sua mão aproximava-se do corpo dela cada vez mais, sem que
sequer um membro se conseguisse mexer. Era nestas alturas que eu gostaria de
saber o que se passa por aquela cabeça, apesar de ter uma leve ideia do que
quer que fosse. Quando entrou em contacto com a pele dela, seu corpo caiu que
nem morto sobre os seus braços. A cada passo que ele dava, cada um que parecia
demorar milénios até que acontecesse, observava-me com atenção, concentrando-se
na minha mente.
A ironia era de que nunca estávamos realmente sós e Eric
tinha acabado de baixar a sua guarda. Um vestido roxo fez-se mostrar atrás
dele, era um braço que se movia e um corpo que começava a sofrer as suas
consequências. Elizabeth estaria por detrás dele, seria ela certamente que
tentava pará-lo.
Observei à minha volta, mas não havia nada que me ajudasse a
erguer. Por isso, tal como uma simples humana, comecei a levantar-me lentamente
enquanto tentava que a minha voz saísse de alguma forma.
- Pára! – Tentei eu gritar, mas apenas saiu uma voz leve.
Caí lentamente de novo ao chão, arrastei-me para próxima dele que tentava
controlar-se e defender-se e simplesmente usei o seu corpo para que me
aguentasse de pé.
Beijei-o suavemente nos lábios, aqueles que estavam fechados
de dor, enquanto as suas defesas se tornavam melhores a cada momento de
concentração. Tal como pensava, Elizabeth estava por detrás daquele súbdito
ataque. Mal me viu próxima dele, decidiu parar. A realidade é que nem
compreendia ao certo a razão dela tentar ajudar-me, mas neste momento toda a
ajuda seria bem-vinda.
Eric ajudou-me a aproximar-me novamente do chão, agora sim
me sentia uma velha com mais de quatro mil anos. Sorri levemente ao ver a
expressão que ele tinha feito, decerto que os meus pensamentos iriam
confundi-lo ainda mais. O tempo não nos faltava para que tudo fosse dito.
- Agora vejo porque não necessitavas da minha ajuda. –
Começou Elizabeth por dizer, aproximando-se.
- Não chegues perto! – Gritou Eric de costas para ela,
aproximando o pulso de Kiya da minha boca. – Bebe.
- Não preciso do sangue dela para nada. – Resmunguei.
- Nota-se! – Disse Beth, já bastante perto de nós. – Faz lá
o que o teu herói diz, parece-me que precisas.
- Não quero.
- Shef… Vá, não temos muito tempo… Bebe e vais ver que tudo
melhora. – Com aquela expressão certamente ele convenceria qualquer um a
fazê-lo. As minhas presas se afundaram naquele pulso e começaram a sentir o
sangue quente, aquele que viajava sobre cada parte de mim, chegando mesmo a
sentir o seu calor, relembrando-me da sensação que me dava a prata.
Parei por momentos e afastei-me um pouco dela, Elizabeth e
Eric me observavam curiosos. A realidade é que me sentia um pouco melhor a cada
minuto que passava, não boa o suficiente, mas o melhor possível para estas circunstâncias.
- Tens que beber mais… - Afirmou Eric, analisando-me
atentamente.
- Não, não o posso fazer.
- Porque não? Precisas de o fazer para ficares completamente
bem.
- Estás a sugerir que eu a mate? – Perguntei-lhe
ligeiramente irritada. Não podia fazer isso à minha única irmã, por mais que
ela fosse parte do meu passado e desejasse a minha morte e sofrimento acima de
tudo, não poderia determinar o seu fim.
- Não vais começar com isso pois não? – Perguntou-me
Elizabeth, revirando os olhos. Pela minha mente passaram breves momentos,
aqueles em que ela me tinha proposto um acordo ao qual recusei sem qualquer
dúvida.
- Porque não o aceitaste? – Perguntou-me Eric, demasiado
preocupado com o assunto.
- Porque simplesmente não era nada que fosse de ser aceite.
Não quero que ela morra.
- Preferes que ela te mate a ti? – Parecia que ele tentava
conter um certo momento de raiva, talvez o melhor era ele explodir. Porque a
verdade era mesmo essa: preferia morrer do que investir contra ela. – Tu és
louca. Tens que acabar com isto agora, depois tudo ficará bem.
- E ela? – Perguntei eu, sentindo remorsos do que já tinha
feito.
- Não vás por aí… Precisas de forças.
- Bem, parece que estou aqui a mais… Mas ele tem razão,
deves fazê-lo.
Fechei rapidamente os meus olhos colocando meus dedos sobre as
pálpebras. Toda a minha vida e inicio da morte, todos esses séculos segui passo
a passo para salvá-la. Arrisquei a minha vida, avancei obstáculos que eram
loucura total, só para que ela fosse salva e prometi a mim mesma que sempre a
salvaria para que o último momento da minha mãe fosse eterno. E agora aqui
estava eu, pronta a aniquilar tudo o que tinha acontecido. Acabar com tudo o
que realmente me unia ainda ao ser humano que uma vez fui… Passado ou Presente?
Qual eu escolheria…
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