Transilvania Season - Ep 40, Sheftu

Que a morte viesse. Sim, que ela viesse. Era essa a vontade que Sheftu tinha desde que começara toda esta turbulência ao longo deste seu novo mundo. Mas o que ela não esperava era que existissem bem mais aliadas no seu lado do que poderia pensar. Como abraçar a inexistência quando tudo à nossa volta tenta manter-nos tortuosamente vivas?

"Let The Fate Come In." by Sheftu Nubia

Ouvia de longe alguém a chamar-me, ainda não sabia bem onde nem como estava. Tinha pouca noção dos meus sentidos, por mais que me focasse, permanecia ainda fraca. Enquanto os meus olhos se abriam, a minha mente se prendia ao meu horizonte.
- Ainda bem que conseguiste acordar. – Começou Dora por dizer.
- Mas como? – Perguntei eu.
- Não fales muito alto que não nos podem ouvir… - Aproximou-se mais das barras da cela, pedindo para que eu me aproximasse também, e eu assim o fiz.
- Quem és tu? – Comecei, num sussurro que ela pudesse ouvir.
- Não sei se acreditarás em mim… É difícil dizê-lo.
- Diz-me primeiro e depois falaremos dessa parte. – Respondi.
- Sou tua sobrinha, uma tentativa falhada de Gustav e Kiya terem um exército invencível. – Mal terminou a frase, baixou o seu olhar. Eu ainda permanecia atónica, sem que conseguisse realmente ter qualquer reacção. – Eu sei que é incrível demais para acreditar, mas é a verdade. Toma… Isto é teu.
Seus braços se estenderam para mim, tendo entre as mãos a pulseira que Eric me tinha dado. Tentei raciocinar, neguei-lhe a cortesia e afastei-me um pouco, para que conseguisse adaptar-me às repentinas mudanças.
- Como sabias como me ajudar?
- Ian falara comigo durante uns meses sobre ti, de como eras especial e que caso algo acontecesse pudesse ajudar-te a salvar a vida. Sempre pensei que fosses como a minha…mãe. Mas foi bom puder saber que alguma parte da minha família consegue ser boa.
- Podes chamar-me muita coisa, mas boa não é certamente uma palavra adequada.
- Não necessitas de ser assim comigo, eu vi como me trataste. Como trataste do Henry. – O nome dele apenas me intensificou a dor que andava levemente adormecida.
- Não sabes de nada… Vai e leva isso contigo, pensa-o como meu presente para ti.
- Não posso… Trouxe-te uma visita. – Começou ela por dizer, desaparecendo de seguida mesmo antes que eu pudesse questionar-lhe quem seria.
Não demorou muito tempo até que duas sombras aparecessem de novo sobre a parede que permanecia à minha frente. A raiva apoderou-se de mim quando a vi, Elizabeth, aquela que tentara torturar-me no salão do trono. Não compreendia o que raio ela estava por cá a fazer.
- Não devias estar tu numa viagem com o teu mestre? – Escarneci na última palavra, quando me referia a Gustav, parece que a minha pergunta tinha gerado um efeito repulsivo sobre o seu olhar.
- Primeiro, ele não é meu mestre. Segundo, não me faças arrepender de estar por aqui. – Apesar de tudo, a sua voz parecia cordial, como se quisesse que algum acordo fosse feito, ou simplesmente quereria a resposta para as suas questões.
- Diz logo de uma vez o que queres, Beth! – Disse-lhe rapidamente, demonstrando o meu pouco apreço por ela.
- Meu deus… Porque não começam as duas a falarem-se melhor! – Sussurrava Dora, levando as suas mãos à cabeça. – Eu disse-te que era uma má ideia.
- Cala-te humana! – Disse Elizabeth. – Bem, como estava eu a tentar começar… Pela minha jornada com o teu criador, encontramos alguns pontos em que não concordamos por completo.
- E que tenho eu a ver com esse assunto? – Perguntei.
- Acredito que temos alguns pontos em comum nesse aspecto… - Parou por um segundo observando-me atentamente, antes que continuasse o seu discurso. – Já agora, os dois armários que estavam por cá a guardar a tua cela se foram. Parece que se chamuscaram um pouco com o jantar
- A que ponto queres chegar?
- Talvez nós as duas pudéssemos ter um acordo.
- Que seria… - Tentei eu saber.
- Ajudar-me-ias a eliminar Kiya.
- Não me parece que aceite tal coisa. – Afirmei.
- Nem mesmo ao saber que ela tenciona aniquilar-te de qualquer forma que consiga? – Fez uma pausa, talvez ao tentar compreender a minha linha de raciocínio. – Acho que a tua convivência com estes humanos está a levar-te a razão…
- Não tenciono aceitar o teu acordo. – Disse-o novamente. – Se é tudo, podes seguir o teu caminho.
- Se é assim que o desejas. – Respondeu-me, saindo sem que dissesse mais nenhuma palavra.
A realidade é que esta ligação até seria interessante, sentia uma certa sensação de que não estaríamos muito longe de uma sintonia. Porém, matar o meu próprio sangue era algo que simplesmente o negava com toda a minha alma, ou pelo menos o que restava dela.
Não compreendia a razão que a levara a tentar ajudar-me, arranjando algo que nos pudesse beneficiar às duas. E ela tinha razão, Kiya estava desejosa de acabar com o que restava da minha morte, nem que vendesse a sua própria alma para isso – não que estivesse muito longe de já o ter feito.
- Porquê? – Perguntava-me Dora, retirando-me dos meus pensamentos.
- Hã? – Sentia-me completamente desnorteada.
- Porque é que não aceitaste a sua proposta?
- Deves estar louca. Queres que a tua própria mãe sofra nas mãos daquela mulher? – Perguntei-lhe, fazendo com que o seu rosto se curvasse para o chão com um ligeiro remorso. Nenhuma resposta foi dita, até que ela mesma saiu. Talvez fosse algo que nunca se fosse realmente saber. A realidade é que não sabia realmente se Kiya merecia ou não permanecer viva, mas não era eu que o determinaria.

Apesar de aparentar demorar milénios, não demorou muito até que realmente a festa começasse. Kiya acabara de chegar com os seus dois novos acompanhantes, levando-me alegremente para a sala antiga que bem conhecia. Não era a primeira vez, talvez até fosse a última, em que entrava nesta sala rústica de tortura. Era o momento de diversão da minha tão querida irmãzinha…
- Não saberás tu quem matou os meus dois guardas? – Dirigiu-se a mim com desprezo, tendo seus punhos bem fechados.
- Agora sou eu que tenho de saber o que acontece com os teus súbditos? Estarei eu encarregue disso sem saber? – Trocei dela com todo o fulgor que fosse possível, irritando-a por completo. Assim sempre se calaria com as conversas idiotas que ela tinha. Enfim… Tinha mesmo herdado todos os pontos fracos da sua família.
- Estás preparada para as tuas últimas horas? – Perguntava-me pelo caminho. – Haverá alguma forma de morreres, e eu encontrarei essa forma.
- Faz como entenderes. A casa é tua. – Ripostei sorrindo da mesma forma que ela, cravando-lhe de imediato a raiva habitual. Não, já nada sobrava daquela moça que tinha criado. Tudo tinha simplesmente esvoaçado e eu tentava meter isso na minha cabeça, por mais que ainda durasse a enorme vontade de conseguir salvá-la. O seu caminho tinha sido traçado por ela e agora traçava o meu… Que assim fosse, estaria à vontade.
- Ora vejamos… - Suspirou, observando a sala para decidir por onde começaria. – Bem, amarrem-na ali, eu depois trato das correntes.
Eles assim o fizeram, colocando-me sobre a mesa à espera que ela prendesse o meu corpo a ela para que eu não saísse. Logo depois, encostaram-se sobre a parede à espera que as próximas ordens fossem dadas. Kiya abriu a mala que continha alguns frascos avermelhados, o que certamente faria parte do seu querido momento. Sorriu para os utensílios que ia colocando sobre a mesa, mesmo ao lado das minhas pernas, um a um, elevando-os sobre a leve luz que tinha a sala e observando-os atentamente. Era um pouco irónico, mas tinha no seu sangue uma certa parte de mim… Como seriam as suas torturas? Acreditava que não demoraria muito até que eu o soubesse.
- Bem… Vocês podem ir. Ficaremos aqui apenas nós as duas. – Apesar da ordem, os seus homens permaneceram quietos, um pouco que espantados pela desejada privacidade que ela queria ter. Afinal de contas, eu supostamente seria uma inimiga letal. – Demoram muito ou é necessário indicar-vos o caminho?
A sua forma ríspida fez com que a decisão deles fosse finalmente tomada, deixando-nos completamente a sós. Suspirou de alívio e sorriu para mim, pegando num pequeno punhal e rasgando a roupa que trazia em mim, para que pudesse ver melhor a pele que tentaria torturar.
- Assim está melhor… Ora vejamos… - Inseriu o punhal sobre a minha barriga, aprofundando o corte, retirando-o rapidamente e observando o efeito que dava. – Parece que o teu organismo cura-se rápido… Não, assim não podemos brincar… Não achas?
E continuava com as suas piadas parvas, enquanto testava uma faca completamente feita de prata, fervendo assim as zonas que ela cortava. Por mais que ela pensasse que estava a torturar-me, de um certo modo também me ajudava a descobrir quais os meus pontos fracos, a descobrir-me como um ser estranho que me tornei. Pelo menos tinha a certeza que permanecia morta pois as minhas pulsações nunca mais tinham batido, nem mesmo quando acordei com aquele homem desconhecido no meu quarto, aquele que acabei por amar e descobrir ser Eric.
Sentia um pouco a sua falta e temia o que ele poderia fazer com a louca vontade de me encontrar ou vingar-me. Talvez tivesse sido isso, aquela explosão em Moscovo sempre fora para mim, apesar de tentar sempre omitir-me, ficou demasiado claro quando tudo chegou a este ponto.
Apesar das dores que iam sendo provocadas por ela, ainda eram um pouco fáceis de aguentar. Mais fortes eram naqueles breves segundos em que entravam no meu corpo, esculpindo uma linha de sofrimento que ela desenvolvia para mim, ligeiramente leve. Eu saberia que com o tempo – e ela teria muito certamente – iria acabar por descobrir algo que me magoasse mais do que uma convencional faca de prata ou punhais de alumínio.
Muito já tinha eu vivido pela vida, isso também me ajudava a aguentar melhor cada nova investida que ela dava sobre mim. A sua tendência era analisar os efeitos que a minha pele dava a cada movimento, como se fosse um rato de laboratório numa fase de testes de um cientista louco. Poucas semelhanças até, porque de loucura ela tinha pouco, talvez mais idiotice.
- Estás muito pensativa… Ainda não te dói muito? – Perguntava-me ela preocupada com o seu rendimento nesta tortura. – E se o teu cabelo for à vida? Doerá mais a alma?
- Minha querida maninha, já deverias saber que um monstro como eu não tem alma.
- Se é assim que queres… Então vamos lá eliminar o teu belo cabelinho que o Gustav tanto aprecia. – Começou por cortá-lo, lentamente, atirando as tiras para cima do meu corpo, sentindo-se poderosa, mas não por muito tempo.
- Não achas tu que estás a levar os ciúmes muito a sério? – Ri-me com vontade, irritando-a ainda mais. – Pena que não saibas sequer soletrar a palavra tortura, quanto mais fazê-lo correctamente!
- Não comeces por aí… Eu ainda nem comecei… - Procurou umas coisas pelos seus brinquedos e finalmente sorriu, contente. – Não quero destruir esse teu corpo, para que ele te veja com a tua real identidade: uma condenada.
- Achas tu que ele estará importado para o que achas ou deixas de achar? Tenta fazer as coisas direito… Se é para torturares, então que o faças como deve ser… Ou isto afinal é tudo cócegas?
- Eu digo-te as cócegas… - Disse, abrindo o frasco avermelhado e, ao pegar no punhal, teceu sobre a sua lâmina parte do líquido. Desta vez não usara a rapidez nos seus movimentos, lentamente passou o fio ensanguentado do punhal sobre a pele do meu braço que rapidamente se abriu e queimou profundamente, remoendo aos poucos. Como se me tivesse queimado e permanecesse lá com o braço, enquanto queimava, queimava, queimava… - Agora sim, estou a ver resultados… Então maninha, dói-te muito?
Pegou num outro frasco e colocou ao lado do que já estava aberto, observando os dois sobre a luz, um tinha uma tonalidade mais escura que o outro. Aliás, o mais claro parecia ser recente… O que teria acontecido a Eric? Não… Não podiam tê-lo apanhado!
- Onde arranjaste esse frasco?
- Oh, porque quer a minha maninha saber? – Gozou, abrindo-o e fingindo cheirar o seu perfume… - Conheces a alma caridosa que nos doou o sangue?
- Doou? – Perguntei eu atónica. Ele não poderia ter feito tal coisa… - Foi o Ian que te deu isso? Vá, responde!
- Minha cara, quem está aqui a ser torturada não sou eu… Por isso cala-te! – Sem esperar uma segunda oportunidade, agarrou o novo frasco e esfregou-o sobre os meus lábios serrados, tentando fazer-me ingerir o sangue. – Vá, são horas do jantar…
Após algum custo, lá ela conseguiu fazer com que os meus lábios se abrissem, cortando-os com o punhal, atirando assim o sangue para a minha boca enquanto a abria agoniada. Sentia o seu perfume, aquele que tantas memórias me dava sobre cada segundo que passamos juntos. Eu só esperava que Eric permanecesse bem.
Ao ingerir aquela doçura, a fraqueza sempre se fez maior sobre o meu corpo já fraco. A sua jornada continuava, variando pela tonalidade do frasco e a lâmina escolhida, ia cortando-me lentamente várias partes do meu corpo, aprofundando mais numas, sendo mais leve noutras…
Todo o meu corpo sentia cada corte vivo, como se cada um se tivesse tornado numa labareda eterna sobre mim. Por mais que tentasse suportar tudo, leves gemidos iam saindo da minha boca, enquanto o meu corpo se movia para tentar suportar cada novo corte…
- Interessante… - Dizia ela, aprofundando mais o corte sobre o meu dedo, cortando-o totalmente e embebendo-o no sangue aclareado. A sensação parecia surreal, o meu braço tremia, reagindo à dor que quase nem conseguia realmente sentir, como se todo o meu espírito se entregasse finalmente à tortura, deixando que todos os meus sentidos sentissem demasiado para eles conseguirem suportar.
As lâminas frias iam-se aprofundando cada vez mais, tentava várias vezes fazer-me ingerir mais sangue, quando realmente percebera que poderia ser letal para mim… Brincava e cantava alegremente sobre as minhas feridas, emergindo-as sobre aquele líquido ardente que fazia com que a dor ultrapassasse tudo e me elevasse a outro nível.
Espasmos de dor repentina faziam-me mover com mais rapidez, em que os seus sorrisos aumentavam, procurando mais e melhores formas de arrancar gemidos sobre mim. O cheiro permanecia em todo o lado, inalava-o com toda a força que tinha, fazendo-me recordar de uns momentos que talvez nunca mais viessem até mim.
- QUE FAZES TU? – Ouvi uma voz gritar, não tinha já forças para diferenciar, mas acreditava que não fosse Kiya.
- Cala-te! Vai-te embora! Apenas estou a tratar de dar-lhe o que ela merece. Agora vai Dora, vai!
- Não! Tu não podes fazer-lhe isso… É a tua irmã.
- Quem és tu para me dizeres o que devo fazer ou não! Estás a interromper-me. Começo a fartar-me dos teus caprichos. Vai-te! Deixa-nos aqui ou terei que tomar medidas drásticas. – Um breve silêncio se ocupou na sala, até que a porta se fechou e senti novamente a lâmina fria sobre a pele. – Vamos continuar sim?
Queria falar-lhe, mas ao tentar abrir a minha boca, senti mais sangue a entrar sobre ela, deixando-me mais fraca do que o habitual, provocando-me uma enorme vontade de adormecer, dormir por anos, séculos, milénios… Quanto eu o desejava… O peso sobre o meu corpo, as dores que se atravessavam sobre os meus sentidos, tudo isto me deixava tão cansada.
Talvez fosse esta a minha hora, tal como Henry, tal como a minha mãe… Talvez pudesse seguir rumo ao nenhures, ser finalmente inexistente neste mundo de humanos, neste mundo de seres idiotas e medíocres.
Uma enorme dor atravessou-se sobre o meu peito, a dor descomunal tirou de mim todas as energias, mais do que uma súplica ou um gemido, gritei fortemente por aquela chama ardente que me queimava o coração. Usei toda a minha força para que este grito se desse, para que me libertasse de tudo e finalmente pudesse acabar com esta morte idiota.
Sorri levemente ao sentir aquela pulsação calorosa, apesar da velocidade que batia, conseguia recordar-me tão bem daquela sua pele que se atravessava sobre os meus dedos, enquanto seus lábios se faziam morrer nos meus… E a hora da morte me tinha trazido paz, estaria eu finalmente a morrer? Certamente, e com ele do meu lado seria absolutamente perfeito… E assim, a hora se fez.

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