Transilvania Season - Ep 38, Elizabeth

Beth tomara uma decisão que iria mudar por completo a sua existência dentro do grupo que Gustav criara, mantendo os mesmos traços que existiam à vários séculos. Certamente sentiria saudade de cada detalhe que esse mundo lhe dava, estaria ela preparada para o que o futuro lhe tencionava dar? Apenas existia uma certeza: cada quilómetro dado a aproximava mais do que estava por vir... O que seria?

"I’m All Good Now, Let the Hearts and Flowers come in!" by Elizabeth Wood

 Empurrei a mala fechada a cadeado para dentro do automóvel, pegando de seguida nas duas malas descomunais, alegremente tingidas de rosa pastilha elástica, de Celine - mas não sem antes lhe lançar um olhar desdenhoso, que ela se prontificou a ignorar.
 Wei Lee roubara um Jipe topo de gama, reluzente e cor de esmeralda, para que pudéssemos realizar a viagem, desculpando-se assim pelo facto de não nos acompanhar. Para mim o facto de não nos acompanhar era uma espécie de oferenda muito bem-vinda, e o carro reluzente e confortável uma espécie de bónus.
 Celine, já na sua forma felina manchada, subiu elegantemente para o lugar do passageiro, afirmando assim que era meu dever guiar até ao castelo. Agarrei o vestido de veludo negro, dando graças pelo facto de poder voltar às minhas vestes habituais, enquanto subia para o lugar do condutor, ajeitando o banco com amortecedores, totalmente forrado a pele bege.
 - Façam uma boa viagem – Desejou Gustav, acenando com a cabeça para a figura enrolada de Celine. Ela soltou uma espécie de ronronar em resposta – Volto para junto de vocês dentro de alguns dias.
 - Então, até lá. – Respondi, engatando as mudanças. No entanto, quando ele se afastou do meu assento, outro vulto veio substituí-lo.
 - Elizabeth – Cumprimentou.
 - Meredith!? – Exclamei, meio surpresa meio curiosa.
 O seu sorriso abriu-se.
 - Vim desejar-te boa sorte. – Consegui ver, no seu olhar expressivo, que ela não se referia apenas à viagem de automóvel.
 Quando me consegui recompor da onda de choque que me invadira – assim como uma pontada de raiva por não me ter lembrado, tornei a voz algo incisiva e o olhar distante.
 - Vais dizer-lhe? – Perguntei. Ela abanou a cabeça negativamente, mas acrescentou:
 - Apenas se ele perguntar. Mas espero que nessa altura já estejas longe o suficiente.
 Fui novamente assolada por uma onda de emoção, mas desta vez, ao invés do choque, vinha a confusão.
 - Longe? – Interroguei – Vou partir?
 O seu olhar tornou-se enigmático, e ela não me elucidou. Em vez disso, disse algo que não fez qualquer sentido.
 - Cuidado com o rapaz de cabelos pretos. Mas não lhe faças nada, creio que te arrependerias.
 - O quê? – Interroguei, sem perceber a que é que ela se referia.
 Mas, pela segunda vez, ela não respondeu à minha pergunta.
 Afastou-se da janela e gritou, pelo caminho:
 - Até breve! Evita a E21!
 E desapareceu dentro de casa.
 Demorei alguns segundos a recompor-me, limitando-me a olhar para o sítio onde ela desaparecera, quase esperando que voltasse e vomitasse tudo o que sabia. Mas, quando consegui recompor-me, olhei para Celine, profundamente adormecida, que provavelmente não ouvira um pingo do que Meredith dissera, e carreguei no acelerador, com mais força do que desejara, pois tive de parar apenas dez metros mais à frente, atordoada e com Celine a bufar impaciente e assanhada.
 - Acalma-te – Resmunguei, e voltei a premir o acelerador, desta vez com mais delicadeza mas com igual frustração.

 Passava agora por uma vila quase deserta, com metade das casas em ruínas. Uma mulher enrugada e pequenina, que dava a impressão de ter sido comprimida na sucata, olhava para mim com os seus dois olhos negros brilhantes, fitando-me intensamente, sem desviar o olhar nem mesmo quando eu lho devolvi. À saída da vila olhei para trás, mas ela já não estava lá. O carro deu um enorme solavanco, fazendo com que Celine estremecesse, mas as suas pálpebras fecharam-se quase no mesmo segundo.
 Em circunstâncias normais, eu não conduziria, principalmente no meio do monte, que estava visivelmente desertado, mas naquele dia era-me necessário conduzir. Mantinha a minha mente ocupada, desviada de outros pensamentos. Teria eu de partir? Depois de ponderar nisso, a resposta parecera-me lógica. Quando libertasse Celine, ainda que ninguém me visse, iria ser difícil de explicar. Isso e o rasto de corpos mortos ou desaparecidos, que eu tivera de matar porque tinham assistido a minha tentativa de evasão… Nada me ocorria que tivesse o poder de me ilibar. Fora a última a ver Celine, ou a estar com ela, e a evasão fora certamente bem planeada, pois não haviam provas e o seu maridito estúpido também desaparecera… E todas as provas apontavam para mim, independentemente de todos saberem que eu era incapaz de trair Gustav – ou pensarem que sim. Mas todos naquele castelo, embora nenhum o admitisse, desesperavam para me verem pelas costas. Todos eles dariam o seu máximo para me porem a andar, e aquele que o conseguisse seria, certamente, um herói.
 Por isso, enquanto dava curvas e mais curvas na estrada de terra batida e coberta de ervas rasteiras, um plano começava a formar os seus esboços na minha cabeça. Assim que Celine fosse, teria de ir também. Isso era o que eu já esperava que viesse a acontecer, mas não deixava de me dar voltas ao estômago. Para onde? Ter com quem? FAZER O QUÊ?
 Esta última era a mais premente. Se eu não vivia para destruir, vivia para quê? Desolar aldeia atrás de aldeia? Ou refugiar-me numa única, numa pequena cabana, transformando-me no tormento privado dos que se aproximavam demais? A imagem da bruxa solitária, que passava os seus dias a planear conspirações e a carpir as mágoas, dava-me arrepios. Sérios e horripilantes arrepios.
 Na estação de rádio, mal sintonizada, um homem de voz grave anunciava em romeno diversas instruções de trânsito, entre elas o conselho de evitar a E21. Dei graças a Meredith por me ter informado sobre aquilo, obrigando-me a percorrer aquelas estradas de terra chatas.
 Um rosnar de Celine voltou a lembrar-me de que ela estava ali, trazendo com essa lembrança uma outra recordação: Eu não ajudava Celine porque tinha compaixão dela. Exigia ser paga.
 Segundo os meus cálculos mentais, estaríamos a cerca de trinta/quarenta minutos do castelo, por isso atirei uma espécie de cinzeiro de encaixar, colocado ao meu lado – provavelmente pelo antigo dono do carro -, à cabeça peluda de Celine, assente sobre as suas patas peludas.
 A resposta foi automática e instantânea. Ela saltou do seu lugar, a bufar e completamente assanhada, soltando uma espécie de silvo pelo meio. Ri-me.
 - Transforma-te e veste-te. – Ordenei, quando consegui conter o riso, encostando na berma da estrada. – Não estamos assim tão longe e preciso de falar contigo.
 Abri-lhe a porta, observando-a enquanto descia do carro com um salto ágil, ainda a bufar, e ouvindo o clique quase inaudível da porta traseira.
 Em poucos minutos, Celine estava de volta, com os seus cabelos loiros e volumosos visíveis de novo e envergando umas calças de fato treino e um top azul-escuro, assim como uns ténis. Ainda esfregava a cabeça.
 - A sério? – Perguntei – Achas mesmo que, sendo tu uma gata, precisas disso tudo para correres daqui para fora.
 Ela deitou-me o seu melhor olhar de desdém e ignorou-me, concentrando-se nos movimentos hipnóticos da sua mão em redor da zona atingida.
 Passaram-se alguns minutos de silêncio arrastado, durante os quais tanto uma como outra nos focamos na estrada que corria, irregular, sob as rodas do carro, mas eu acabei por quebrar o silêncio.
 - Sabes, não podes amuar agora. Precisamos de falar.
 Durante alguns segundos, a sua expressão irritada degelou, permitindo-me ver a sua surpresa interrogativa, mas a expressão de ira voltou a substituí-la assim que reparou que eu dera conta.
 - Sim, deves-me umas explicações.
 Desta vez não tentou disfarçar a interrogação patente na sua expressão confusa, e a sua mão estacou.
 - Deves-me informações sobre Nneida. – Elucidei.
 Completamente esclarecida, ela retomou à sua antiga ira, mas não sem deixar espaço para uma nova frieza distante que se verteu sobre o seu olhar.
 - Assim que tivermos concluído o meu pedido.
 Resfoleguei.
 - Como é que sei que não foges a correr assim que soltar o teu marido?
 - Como é que sei que não me deixas pendurada assim que te informar sobre a tua… Sobre Nneida? – Corrigiu-se automaticamente, desviando o olhar para que eu não pudesse ver um qualquer sentimento que a perturbara.
 - A minha quê? – Apressei-me agarrar a única informação que possuía.
 - Nada. Saberás depois. – Contrapôs.
 Grunhi, mas não a questionei mais. Mais tarde interrogá-la-ia. Não a deixaria escapar.


 Os minutos passaram tão rápido como a estrada sob as rodas do carro, embora não ultrapassássemos os sessenta quilómetros hora. Sentia o coração de Celine a acelerar bruscamente com os primeiros vislumbres do castelo de pedra.
 Chegámos junto dele em poucos minutos, penetrando as portas que davam para o interior da aldeia medieval. Um rapazito pequenino, com os cabelos loiros, fez-me continência, num gesto desnecessário, assim como os restantes guardas. Reconheci-o como sendo o filho do homem do bosque. Tinha cumprido a minha palavra, verificava feliz, ao ver os seus dentes abrirem-se num rosnido ameaçador a uns miúdos que se aproximavam a correr, ignorando quem vinha no carro.
 Debaixo do castelo, havia uma divisão pouco utilizada onde se guardavam os carros necessários a estas ocasiões. Os carros eram algo estranho àquele povo medieval, e Gustav temia que eles partissem os vidros na tentativa de explorar o interior, por isso construíra uma espécie de garagem subterrânea, onde guardava meia dúzia de jipes e um único carro.
 Saí do carro, batendo com a porta, e subi as escadas de acesso ao restante edifício.
 Celine quase pulava de excitação, e por diversas vezes tive de a advertir acerca dos olhares confusos e desconfiados dos guardas ou outros habitantes.
 Quando me precipitei para as escadas que desciam para os calabouços, Celine largou a sua fraca fachada de normalidade. Descia as escadas aos saltos, seis ou sete degraus de cada vez, com um sorriso idiota plantado na cara, como se aquele fosse o dia mais feliz da sua vida.
 Uma vez lá em baixo, nas celas de alta segurança, retomou a sua encenação fraca, devido aos olhares atentos dos guardas.
 - Custa-me muito fazer isto… - Murmurei, quase inaudivelmente. Os rostos dos guardas voltaram-se para mim, por uma fracção de segundo, antes de caírem, redondos e inexpressivos, no chão de pedra.
 Percorri com o dedo os números negros das selas, parando apenas quando cheguei à vigésima sétima. Aí, sentado a um canto e quase oculto pelas sombras, jazia um corpo.
 Com duas palavras e um estalido, a porta da cela abriu-se, e eu penetrei-a, seguida por Celine. Derrubei com o pé um copo de água que escapara à minha visão, fazendo com que o líquido fosse absorvido pelo pão seco que jazia junto dele.
 - Marcus! – Gritou Celine, abeirando-se do homem fraco. Ele ergueu a cabeça desgrenhada, sorrindo debilmente ao vê-la. Depois disso, o seu olhar chegou até mim, e ele retraiu-se com todas as forças que possuía.
 - Está tudo bem. – Acalmou-o Celine, afagando-lhe as costas – Ela ajudou-me.
 Pegou no seu marido com os braços, como se fosse uma criança pequena, e sorriu para mim.
 - Obrigada.
 Acompanhei-a até às escadas, e virei-me para ela.
 - Desembucha. – Exigi.
 Ela respirou fundo.
 - A Nneida é filha de Gustav – Calou-se por momentos sob o meu olhar de espanto – Foi concebida há alguns anos, mas o seu crescimento é lento. Deve ter cerca de cinquenta anos, embora apenas aparente seis…
 Nesse momento, ouviram-se passos no corredor. Preparei-me para matar quem quer que fosse, mas acabei por dar de caras com alguém que não esperava ver.
 Dora, aquela humana que ajudara Sheftu, deteu-se por momentos no estranho cenário, antes de abanar a cabeça e olhar para mim.
 - O que fazes aqui? – Perguntei, glacialmente.
 Ela respondeu sem pensar.
 - Estou com a… - Interrompeu-se ao dar conta do que estava a dizer, e caiu no silêncio.
 - Ai sim? – Perguntei, curiosa. Tinha algo para lhe propor. Uma ideia que florescera na minha mente. – Leva-me até ela, preciso de lhe falar.
 Dora fez um ar atemorizado, mas rendeu-se.
 - Vão! – Ordenei a Celine, sem saber ao certo porque o fizera – Assim que puder, encontro-te.

 E segui uma Dora amedrontada pelo corredor fora.

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