Transilvania Season - Ep 37, Sheftu
Finalmente chegara o dia em que Sheftu era condenada à inexistência de si mesma. Henry se fora, ela acreditava que merecia tal morte. Aliás, de que serviria continuar a pernambular pelo planeta, presa a um mundo que nunca seria o seu? Talvez a morte fosse a sua melhor arma, aquela que viria... Ou será que a hora dela ainda não chegara?
"Rise Me From Death" by Sheftu Nubia
Talvez a minha morte estivesse destinada a acabar
brevemente, eu não me importava que isso acontecesse. Na minha memória
permaneciam aquelas imagens de Henry, torturado e aniquilado por estas mesmas
mãos que agora nada fazem a não ser estarem aqui. Era curioso, agora que sentia
as constantes batidas sobre o meu corpo, que nem por um segundo cessavam,
provocavam em mim uma utopia enorme. Talvez por uns momentos, nem que fossem
breves, conseguia sorrir pela ironia da minha morte.
Meu corpo estava amparado pelos pulsos, em pulseiras de
prata sobre a parede, que ardiam sobre a minha pele, provocando uma leve
dormência sobre as minhas mãos. Não que me apetecesse fazer-lhes frente, eu
merecia cada momento que estava a viver. O calor dentro de mim aumentava,
conseguia quase sentir-me humana, não fosse aquele batimento forte e decidido
que se aproximava com uma certa rapidez. Estava desejosa de me condenar, antes
que algo ou alguém a impedisse disso. Como poderia ela fazer parte do meu
sangue?
- Vejo que já acordaste. – Disse-me, ao mesmo tempo que
entrava e nossos olhos se cruzavam. Mas o que via eu? Quem era aquela mulher
que me odiava mais do que nunca? Onde estavam aqueles doces olhos na hora em
que dava a minha vida por ela no deserto?
A única resposta, por mais que me doesse, é que tudo o que
ela fora numa outra era, tudo o que nós tínhamos sentido e vivido, todo o
passado… tudo isso tinha simplesmente morrido com o tempo.
Não havia mais nada nela a não ser as memórias de uma outra
época e aquele seu desejo pela minha destruição que se espelhava sobre o seu
olhar preenchido de ilusões e estupidez.
Inspirei profundamente, inalando um pouco do sangue que já
tinha saído pela minha boca, quando os seus guardas me levavam para a sala do
trono, chegava a hora em que seria condenada.
A sua nobreza tinha sido profundamente dilacerada sobre a
cama de Gustav, seu pai, onde ilusões cresciam como fermento tal como a raiva
que agora a fazia investir contra mim. Na sua mente, a minha morte a faria
feliz, sem que o seu amado tivesse a obsessão de procurar-me e fazer-me sua
rainha, deixando-a mais uma vez para segundo plano. Era curioso que até a minha
morte nada faria para que ele mudasse, mal se esquecesse da minha existência
criaria uma outra mulher, alguém que se pudesse juntar a todas as outras, tal
como estava habituado a fazer. Um desejo idiota por família o movia sobre a
humanidade, mantendo-se ‘vivo’ pela traição e destruição alheia.
Tudo isto não era mais do que uma perda para mim, tinha
fracassado como irmã, como filha e falhara na última promessa que fizera na
minha vida humana. O que era eu? Quem sou eu para ser absolvida de todas as
atrocidades que faço e amo fazer? Condenada serei eu sobre todos os momentos
que a minha morte gerou, senti prazer em cada morte espremida por mim, jamais
deixando que as almas fossem levadas em paz.
Eu as violava, feria e aniquilava qualquer que fossem as
suas forças ou esperanças. Uma morte que se atravessa sobre a terra e nada
sobrevive à sua passagem, até mesmo o que prometi, e eu mesma. Tudo se desfaz
com o tempo, sobre a destruição que provoco e vou fazendo sobre a minha mente.
Sou uma monstruosidade e gosto de o ser. A condenação é pouco para mim.
- Estás preparada para começarmos com a festa? –
Perguntou-me ela, pouco antes de as portas se abrirem para nós e ela sentar-se
na cadeira de Gustav, tendo um outro homem do seu lado, preparado para defender
qualquer ataque que fosse tentado pelos presentes.
Deixaram o meu corpo sobre o centro da sala, num círculo
manchado de sangue, que já determinava certas decisões deste concelho que se
juntava agora para a tão ‘atormentadora’ Sheftu Nubia.
Muitos olhavam boquiabertos, ainda sentia o sangue seco
sobre os meus lábios, as restantes sequelas certamente estariam quase curadas.
Talvez este fosse o fim, então que o fizessem como deveriam. Outros chegavam
mesmo ainda a temer-me, sussurrando sobre o silêncio enorme que se fazia à
espera que a regente falasse.
- Esta mulher foi apanhada pela nossa regente a aniquilar um
vampiro, infringindo assim a lei, que determina a morte de todo e qualquer ser
vivo, ou morto, que cause caos sobre a nossa casa. – Um enorme murmúrio se fez
mostrar pelas palavras que aquele homem proclamava, não dando qualquer
possibilidade para que houvesse razões para me manterem viva. – Que tens tu a
dizer quanto ao que te acusam, mulher!
As atenções, mais uma vez, se focaram completamente em mim,
provocando um silêncio de morte, à espera que algo fosse dito pela minha boca,
que pudesse defender-me ou algo semelhante. Não, as razões estavam contra mim e
a favor delas eu seguiria…
- Enlaço todos os que se aproximam de mim como uma aranha na
sua teia de terror, aproxima-te e serás condenado a uma morte de destruição
total de ti, de mim e de tudo o que seja envolvido neste fado que todos desejam
causar-me. Tentem atravessar-se sobre mim pela eternidade em que vivo, depois não
sobraram desculpas. – Respondi, enquanto olhava profundamente para aqueles
olhos negros de Kiya, ela tinha saído ao seu pai, deixara de fazer parte da
minha vida à muito. Mas eu não podia negar, importava-me demasiado com ela, não
conseguia escondê-lo.
- Ouviram a sua confissão! - Disse Kiya, elevando a sua voz
acima de todas as restantes que se preocupavam com as minhas palavras. – Que um
humano traga a sua condenação. Vejamos se continuará assim depois de ver que a
sua morte chega ao fim.
Rapidamente apareceu um homem, aproximando-se da minha irmã
com uma caixa, de onde ela tirou uma estaca negra com uma ponta de prata que
brilhava profundamente sobre as luzes que dirigiam para ela. Sempre parecia uma
cerimónia mais engraçada. Não temia por mim, seria o alívio que passava agora
por mim?
A cada passo que o homem agora dava para mim, mais se
aproximavam os guardas, esperando que tentasse escapar à sentença que tinham
acabado de me dar. Foi uma sensação estranha, sentir aquela estaca a entrar
sobre o meu peito, aprofundando-se lentamente pelo meu corpo.
- Com mais força… - Disse ao homem, segurando-lhe as mãos e
empurrando com ele com rapidez.
- Tens a pele quente! – Gritou o humano, afastando-se
rapidamente de mim, fugindo para longe, saindo por uma porta. Encostava-se
sobre essa mesma porta a mulher que tinha ajudado da outra vez, com as suas
duas mãos na boca, espantada com toda esta situação.
Sentia a prata sobre o meu coração, mais uma vez ardia
profundamente, dando-me uma impressão de que todo o meu corpo estaria a arder,
fazendo com que eu quisesse tirá-la do meu corpo.
As minhas duas mãos rodearam aquela estaca sobre o meu
peito, usei toda a minha força para que ela saísse. A dor fazia com que fosse
mais demorado, mais lento, mais doloroso este momento. Quando finalmente a
tirei, pensei que tudo acabasse nesse mesmo segundo. Não era apenas eu que
estava espantada, toda a multidão permanecia paralisada, atónica com este
momento.
- Eric. – Murmurei, ligeiramente irritada e emocionada. Mas
como?
Minha atenção voltou-se novamente para Dora, que juntava
alguns humanos sobre a porta, correndo todos em minha direcção, criando um círculo
em que apenas nós as duas permanecíamos quietas.
- Toma. – Disse ela, aproximando o seu pulso à minha boca.
Reconheci de imediato aquela pulseira negra que usava, retirei-a com rapidez e
minhas presas se aprofundaram sobre as suas veias.
Reconhecia o seu cheiro, o sabor que o sangue entregava na
minha boca… Conseguia lembrar-me desse sabor, tão próximo, tão semelhante… Sua
pulsação começava por enfraquecer ligeiramente, abri o meu olhar para
observá-la, sorria levemente para mim, embrulhando o seu pulso sobre um pano,
dando dicas para que todos se movessem.
Tinham sido dezenas de humanos que se colocaram naquela
defesa, a maioria deles tinha morrido em poucos segundos, o tempo suficiente
para que conseguisse alimentar-me daquela mulher. Porque reconhecia eu o seu
sabor? Minha memória permanecia fraca, meu raciocínio não me ajudava.
- Vejo que fizeste novos amigos por aqui… - Disse-me ela,
tentando esconder um pouco da sua raiva descontrolada que aumentava cada vez
mais. – Levem-na! Para as masmorras! – Os segundos passavam e ninguém se movia
contra mim, certamente a maioria com medo do que pudesse acontecer, pois não
era normal um vampiro sobreviver. Se é que eu ainda fosse isso. – Do que estão
à espera! Levem-na!
Aproximou-se de mim apressadamente, fazendo-me sorrir para
ela, irritando-a ainda mais. Já sabia o que acabaria por tirar do seu manto,
mais um daqueles tubos avermelhados preparados para me por inconsciente. A
escuridão estava aprofundada nela, de um certo modo consegui quase ver o que
muitas vezes observava ao espelho. Foi essa a última imagem que minha mente
guardou em si, deixando-se diluir com o tempo, sentindo aquele sangue a
espalhar-se novamente sobre as minhas veias, levando-me para o inconstante sono
que tanto me provocam. E quando a morte me chegará? Ergo-me sobre ela,
repudio-a e sigo em frente com meus passos precisos sobre este planeta.
Sobrevivo, permaneço sobre a face da terra até que finalmente o último dia
chegar.
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