Transilvania Season - Ep 35, Elizabeth

Elizabeth sabia muito bem quem lhe tirara a única coisa que a ligava ao que fora, à razão que a levou a tornar-se quem era. Quem disse que o passado não nos caçava? Um simples momento poderia perseguir-nos, até que esse momento acabasse. De uma ou outra forma. O que Beth faria?

"Does it really matter the number? They’re all dead!" by Elizabeth Wood

Tal como eu esperara, era MarieAnne quem se encontrava no interior, escondida pelas sombras.
 Sorria ironicamente, como se me achasse pouco inteligente.
 - Hum… Creio que tu tens algo que me pertence… - Matutei, aproximando-me dela.
 O seu sorriso alargou-se.
 - Não, mas tu tens algo que me pertence… A tua vida. – O seu sibilar poderia parecer simples, mas congelou-me por completo no meu lugar.
 Eu já tinha ouvido aquilo… Não, eu já tinha dito aquilo.
 - O décimo quarto… - Murmurei, para mim própria.
 Ela acenou, o seu olhar transformado em gelo.
 - O décimo quinto pertencia-me.
 Tentei concentrar-me, com as memórias sangrentas e violentas e inundarem-me a mente… O décimo quinto pertencia-lhe, eu vira-a… Mas, neste momento, a sua imagem estava, seguramente, associada ao décimo quarto.
 - A Meredith disse… - Sussurrei, confusa. – Vingança, guerra e… Eu vi-te. Estavas lá. Mas não eras tão velha tu…
 - Eu tinha acabado de fazer treze anos. Tu mataste-o. Isso não te cabia.
 - Ele matou-a. – Contrapus.
 Então, ela deu um salto, ficando a escassos centímetros de mim.
 - Mesmo assim, – Vociferou. – isso não te cabia.
 Agarrou-me o pescoço e encostou-me à pedra fria e húmida, enquanto os meus pés balançavam a escassos centímetros do chão. Não me debati, mas fitei o seu rosto distorcido pela fúria, abaixo de mim, com neutralidade e distância.
 - Quem és tu? Como sabes tanto sobre mim? – Perguntei, debilmente.
 Ela riu-se, um riso duro, sarcástico, desprovido de humor, e a sua mão apertou-se mais à volta da minha garganta. Permaneci impassível.
 - Foram tudo suposições… - Não olhava para mim. Os seus olhos balançavam por toda a sala, quase estrábicos – Eu não sabia, eu era uma criança. Está tudo indefinido, mas pensei que me seguisses. Eu estava lá, com o meu pai, no dia das queimas. Primeiro a Rose, depois a Jane…
 - E por fim a Alegra. – Concluí, lembrando-me bem da ordem dos nomes – E depois foi ela.
 Ela acenou.
 - Sim. Eu estava junto ao meu pai… Lembro-me de ele ter dito «Só tenho de apanhar mais quatro e depois posso deixar de trabalhar. Podemos sobreviver apenas com o que a tua mãe nos deixou»…
 Fiquei surpreendida com a mágoa patente na sua voz, com a frieza, a distância mas, ainda assim, a mágoa e a dor profundas. Eu reconhecia-lhe o tom. Reconhecia-o em mim.
 - Ele odiava o que tinha de fazer! – Gritou e, agarrando-me ainda pelo pescoço, atirou-me contra a outra parede, sem me largar. – E tu tiveste de o matar! Ele não acreditava em nada daquilo, mas ainda assim… Não te cabia fazê-lo.
 Continuei a olhá-la, com profundo interesse, incapaz de fazer o que quer que fosse perante a raiva e o ódio no seu olhar que, novamente, eu reconhecia em mim.
 - Quando ela gritou e sucumbiu, eu vi-te. Estavas sozinha, a chorar e aos berros. Ninguém pareceu ligar-te nenhuma. Mas eu aproximei-me. Não sabia quem eras. Não sabia que eras filha dela até um pouco mais tarde… Mas consegui ver isto. – E, nesse momento, ergueu no ar algo dourado e brilhante, que tilintava. Estiquei os dedos na sua direcção, mas a mão espalmou-se contra a minha garganta. Um gesto meu e ela cairia morta, mas não me atrevia a fazê-lo. Havia demasiada coisa que eu queria saber, e não poderia matá-la depois de reconhecer os seus olhos… Em vez disso, mantive o olhar preso nos rubis incandescentes, preparada a matá-la se ela lhes fizesse mal. As pontas dos meus dedos empolavam, mas eu não tentei tocar-lhe.
 - Vi como se alterava, como se transformava nisto… Como aquela tira de cobre ganhava forma… Não quis gritar, pensei que o imaginara. Pensei que imaginara que eras uma bruxa. Não me atreveria a falar…
 A sua voz, que já não passava de um sussurro, começou a embargar-se ao ouvir as suas próprias palavras.
 - E, dois meses depois, estávamos felizes, eu e ele, a viver na nossa casa modesta… Por mais que ele não falasse nisso, ouvia-o chorar todas as noites, a rezar para ser perdoado…. Não imaginas o quanto isso me fez sofrer! E, três meses depois, encontraram o Brad…
 - O primeiro – Completei. – O que dirigia as tropas.
 Ela acenou em confirmação.
 - Estava feito num pedaço de carvão gigante.
 Sorri ao lembrar-me do meu primeiro trabalho.
 - Dissera que tinha caído dentro de um forno, que a mulher o empurrara. No dia do enterro, o meu pai não estava muito triste. Odiava o Brad pelo que ele o obrigara a fazer… Mas, uma semana depois, o seu melhor amigo pereceu.
 - Joseph, o segundo. – Completei – Estrangulei-o até à morte.
 Ela voltou a acenar.
 - Nessa altura ele piorou. Chorava todas as noites, tinha pesadelos horríveis. Dizia que a culpa era dele. Ficou tão deprimido que quase morreu à fome, pois deixara de comer. Mas eu trouxe-o de volta a si. Ele tinha de sobreviver a tudo aquilo…
 Senti o seu aperto afrouxar à medida que ganhava confiança nas suas palavras, naquilo que dizia.
 - E depois foi o terceiro, e o quarto, e o quinto… E, depois de o décimo ter morrido, consegui ouvir, nos seus sonhos, a ordem dos nomes. Acabei por perceber que eles estavam a morrer por ordem, embora não soubesse quem os estava a matar… Só o fogo era comum em todas as mortes. Todos tinham sinais de queimaduras. Foi quando percebi que seria ele o último. Que poderia salvá-lo. Depois de terem morrido o décimo primeiro, segundo e terceiro, ouvi que o Samuel voltara à cidade. Comecei a segui-lo, discretamente… Até que, uns dias depois, ele ficou preso num beco. E depois tu apareces-te. Irritada e furiosa. Devo dizer que me chocas-te.
 Lembrava-me bem desse, fora ele quem atara a minha mãe…
 - Comecei a ouvir-te falar, antes de mais nada. Dizias coisas sobre a tua mãe, sobre a crueldade deles. Só nessa altura descobri que era tua mãe… E, depois, vi a pulseira. Brilhava e refulgia, quase que ardia… Percebi que essa era a fonte de todo o teu poder. Só assim poderias matar e torturar.
 - Eu vi-te nesse dia. – Murmurei. – Estavas a chorar, mas não te fiz nada porque não sabia que tinhas visto. Pensava que tinhas perdido alguma coisa…
 Ela não pareceu ouvir-me, limitou-se a continuar:
 - Depois, ele começou a ficar doente. Aparecia em casa todo queimado, tinha pesadelos horríveis e ficou muito supersticioso… Tentei deter-te, levá-lo para fora da cidade, mas tu encontraste-o e mataste-o.
 Ri-me.
 - Tinha de fazer algo grande para o final… Quer dizer, tanto o começo como o fim são importantes para mim…
 As lágrimas enchiam-lhe os olhos, e a mão dela tremia quando me apertou mais a garganta, com os soluços a irromperem-lhe do peito.
 - Tentei perceber, mas era impossível. Tinhas de ser uma bruxa… Percorri meio mundo até encontrar um vampiro, e só depois de muito tempo a servi-lo é que ele aceitou transformar-me… Entretanto ele apaixonara-se por mim… Perseguiu-me, não me deixou sair, não queria perder-me. Matei-o. Era a única solução. E passei centenas de anos à tua procura, mas depois de um ano o teu rasto de destruição desaparecera. Fartei-me de procurar em registos aquele que poderia ser o teu rasto, sem sucesso… Até que, há pouco tempo, ouvi qualquer coisa sobre ti. Consegui perceber a tua descrição, num bar velho e bafiento na Copenhaga. Tinhas-lhe morto a mulher à frente dos olhos como forma de tortura, mas ele foi libertado depois de revelar o que sabia. Obriguei-o a desembuchar tudo sobre ti, sobre o teu paradeiro, sob o pretexto de o matar caso não o fizesse. Falou-me de Gustav, do castelo, e de ti. Contou-me horrores sobre ti… E acabei por matá-lo na mesma, porque estava a morrer de fome.
 Desta vez conseguiu sorrir no meio das lágrimas, revelando os dentes brancos e brilhantes.
 - Depois disso, foi simples. Se não podes vencê-los junta-te a eles… Decidi juntar-me ao exército de Gustav, assim chegaria a ti.
 - E não tencionas ficar depois de me matares. – Conclui. Ela abanou a cabeça de forma negativa.
 - Ele matar-me-ia – Justificou-se. – Depois vieram as suposições. Vira a pulseira brilhar no teu pulso quando matas-te o Samuel. Ela só poderia ser a fonte do teu poder… Isso confirmou-se ontem, durante a festa… Eu calculei que pudesses detectá-la. Todos estes anos de experiência tinham de valer alguma coisa…
 - Mas, agora, passemos ao que interessa. Matas-te o meu pai porque ele matou a tua mãe. Eu matar-te-ei porque matas-te o meu pai. É mais do que justo.
 O aperto na minha garganta começou a aumentar, gradualmente, e nesse momento aconteceram três coisas. A minha mão estendeu-se para a pulseira, outra precipitou-se para o pescoço dela e encostei-a contra a parede oposta.
 Ela estava ofegante e debatia-se contra a minha mão.
 Aproximei-me, encostando os lábios ao seu ouvido.
 - Mas há outras coisas que desconheces. – Murmurei, ameaçadoramente – A pulseira não é a fonte do meu poder. É o reflexo dele. Ela não me torna mais poderosa… Bem, talvez um pouco… Mas ajuda-me a trabalhar, dá-me impulso para o fazer. Deixa-me pressentir. Diz-me o que fazer.
 Enfiei-a na mão, e os meus dedos voltaram ao seu estado normal quando a senti através de todos os centímetros do meu corpo, como uma parte de mim.
 - E, agora, eu deveria matar-te… Mas não o vou fazer. Porque, apesar de isto me causar náuseas, consigo perceber porque estás a agir assim. Poderás fugir, mas ficas avisada de que, se voltas a aproximar-te, morrerás. Nessa altura não terei piedade de ti.
 Os seus olhos estavam tresloucados, olhando novamente em todas as direcções em simultâneo.
 - Vou contar até dez. Se nessa altura não estiveres a milhas daqui, mato-te.
 Libertei-lhe o pescoço, fazendo-a cair no chão com um “Baque” sonoro, que a fez agarrar-se ao pulso com todas as suas forças e uivar de dor.
 - Hum… - Murmurei, glacialmente.
 Senti uma leve aragem na cara enquanto ela se afastava a tida a velocidade.
 - Dois… - Tornei.

 Quando cheguei ao três, ela já estava a vários quilómetros de mim.

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