Transilvania Season - Ep 32, Elizabeth

Alguém roubara a pulseira de Beth. Num impulso, decidira por completo o seu destino e nem se preocupava as consequências que isso lhe traria. Ela queria o que era dela de volta, não importa como e onde, mas traria o sacana que lhe roubara para a justiça. Neste caso, para a única justiça que ela parecia conhecer: a morte.

"You Stupid Little Bitch…" by Elizabeth Wood

Acordei, tinham passado apenas três horas, pronta para me dirigir ao edifício ao meu lado e arrancar Celine da cama…
 Mas, mal me pus de pé, apercebi-me de uma enorme mudança no ambiente, em mim própria inclusive… Algo faltava ali.
 Olhei para a mesa-de-cabeceira, para o relógio e para as flores que ali jaziam… O que é que era tão natural que estava ali em falta?
 Percorri com os olhos toda a divisão e – num assolo de choque e pânico – apercebi-me subitamente da mudança: Faltava a minha pulseira. A minha pulseira com rubis incandescentes incrustados.
 Revirei o quarto todo, as almofadas, cobertores, cama, armários e até o soalho. Mas quando recoloquei as tábuas no seu devido sítio, não tinha encontrado nada senão um rato de campo solitário.
 Alarmada, corri até aos quartos ao lado, percorri toda a cabana, tentando evitar aquilo sabia que era a verdade: A pulseira não estava lá, mas estava algures nas redondezas. Guardada por outra consciência, e uma muito vigilante. Boa, agora teria de a perseguir.
 Corri até á casa ao lado, tentando não franzir o nariz perante o cheiro a animal que abundava por ali e entrei de rompante no quarto de Celine, enroscada numa bola e na sua forma totalmente felina.
 Soltou um miado de resmungo quando eu entrei, transformando-se automaticamente na sua forma semi-humana.
 - Assim não tenho de me vestir – Esclareceu, com a voz distorcida por um timbre desconhecido – Mas o que é que queres? E porque é que entraste assim?
 - Também não me agrada nada, isto tresanda a animal… Tens por aqui algum porco? – Ela ergueu uma sobrancelha, de braços cruzados, por isso prossegui – Tens a certeza que não nos ouvem?
 - Não, os miúdos saíram todos à coisa de uma hora, gostam de dormir nos bosques – Desta vez foi ela quem franziu o nariz.
 - Então, faz as malas. Saímos assim que eu encontrar aquele que se atreveu a roubar-me.
 Olhou-me, confusa, e soltou um jorro de perguntas:
 - Partimos? Para onde? Porquê? O Gustav sabe? Foste roubada?
 Suspirei pesadamente.
 - Sim, vamos para o castelo resgatar o teu marido. Os meus miúdos estão prontos, posso dar-lhe essa justificação. Roubaram-me a pulseira – Apontei para o pulso vazio, e ela arregalou os olhos.
 - OK, quando voltares vem cá, já vou estar pronta. Queres que prepare as tuas coisas?
 -Já estão prontas.
 - Já?!
 - Hum… Não… Espera… Agora já estão, com a mala fechada a cadeado e tudo.
 Revirou os olhos e eu saí. Agora só tinha de encontrar o sacana que se tinha atrevido a roubar-me.
 Como uma pequena luz a brilhar na minha consciência, ela estava lá, imperceptível se eu não lhe tomasse atenção, inflamando-me a pele quando a procurava. Estava algures na floresta, em constante movimento… O que queria dizer que não era um mero engano. O ladrão não era alguém que a apanhara sem querer. Tentava escondê-la, muito pouco eficazmente, há que ser dito.
 Segui o meu instinto até à orla ensombrada pelo anoitecer da enorme floresta, não me detendo por um segundo a pensar nas coisas horríveis que poderiam residir lá… Nos horrores, nas surpresas, no sangue… Não, não era coisa em que sequer pensasse.
 Os raros raios de luz provinham do crepúsculo carmesim, filtrados pelos ramos na floresta, dando tonalidade verdes mórbidas e vermelho sangue de boi a tudo o que conseguissem tocar, e das folhas pingavam restos de humidade pegajosa e cintilante, que formavam um ruído de fundo irritante ao cair nos charcos de que se abeiravam perigosamente.
 Sentia a presença obscura – ou talvez fosse apenas imaginação minha – de alguém nas redondezas, não me dando ao trabalho de revistar a floresta cada vez mais escura pela minha pulseira. Quem mais poderia circular por ali?
 Uma onda de frio chegou-me ao rosto vindo de algures mais à frente, incitando-me a esquecer por momentos a minha presa e impelindo-me a continuar em frente, para encontrar a origem do vento frio e, de certa forma, calmante.
 Comecei a andar em frente, embalada pela brisa cada vez mais forte e mais terrivelmente fria, passando por uma espécie de caverna embutida nos penhascos, quase oculta pela hera e pelas árvores, ambas a passarem do vermelho forte ao prateado etéreo do luar, mas eu não me detive para contemplar o espectáculo. Ao invés disso, os meus passos tornavam-se cada vez mais fortes, buscando inconscientemente pela fonte refrescante.
 A minha desilusão foi quase palpável quando me deparei com um rio que corria paralelamente a mim, formando uma pequena lagoa cor de prata de água gelada que, associada à suave brisa nocturna, me atraíra para o seu frio.
 Abeirei-me da água parada, com o movimento escasso vindo da leva aragem que corria. Impedi-a de correr mais, desviando-a, e ajoelhei-me junto à água, que se tornara tão parada como um espelho sólido. Toquei na água por segundos, provocando agitação no meu reflexo perfeito, saboreando a sua frieza.
 Mais acima no rio, havia uma pequena cascata formada por várias pedras negras e sem vestígios de musgo ou qualquer outra planta, provavelmente por causa da água que lhe batia constantemente.
 Agora já era de noite.
 Subi as pedras que pareciam ter sido cuidadosamente empilhadas até chegar ao topo, onde fiquei bastante mais surpreendida.
 Uma longa e perfeita bacia de pedra, sem falhas ou imperfeições, estendia-se pelo menos mais cem metros para a minha frente, com um raio de, talvez, quinze ou vinte metros e com a laje continuada a afundar-se cada vez mais até que atingia o seu pico, no centro da lagoa.
 Consegui arranjar caminho por entre as pedras até à pequena clareira que ladeava a bacia, sentando-me diante de uma pequena bacia, no topo de um monte de folhas outonais, contemplando a beleza da água espelhada.
 Não consegui resistir. Descalcei os sapatos, um par de sabrinas reluzentes, e dirigi-me de novo á água, penetrando na margem pedregosa, sem me retrair ou sequer deixar mover quando os dedos tocaram a água gelada.
 O meu reflexo estava perfeitamente reproduzido nas águas calmas e intocáveis.
 Ouviu-se um súbito movimento na floresta atrás de mim. Virei-me imediatamente para trás, mas a calma anterior mantinha-se.
 De qualquer forma, eu tinha trabalho a fazer, e não ia deixar que uma pocinha o interrompesse.
 Tornei a sair de dentro do lago e calcei as sabrinas, pronta a caçar o meu ladrão e a matá-lo se isso me fosse necessário.
 Agora ele ou ela estaria a aproximadamente cem metros de mim, avancei rapidamente na direcção indicada, percebendo que ele tinha o cuidado de deixar sempre cinquenta metros entre nós. Então ele sabia que estava a ser perseguido.
 Dei um passo em frente e ele andou para trás. Dei um passo atrás e ele avançou. Não se deixaria apanhar tão facilmente. Mas o que é que eu tinha para fazer? Podia fazer aquilo durante o resto do dia.
 Avancei por entre a floresta cada vez mais cerrada, partindo galhos com os pés e arrancando ramos de árvores que se interpunham entre mim e o meu rival.
 Meia hora mais tarde continuava a andar, com as calças feitas em farrapos devido aos ramos aguçados ou às silvas rasteiras que me escapavam, e a minha pele tremia enquanto cicatrizava trinta vezes mais rápido do que o habitual.
 Comecei a reconhecer um ou outro ramo que eu tinha arrancado e alguns arbustos espinhosos, ao ponto de mais tarde já conseguir evitar a maioria das coisas bicudas ou que provocavam irritações cutâneas da zona. Estava a andar em círculos. Círculos largos, impossíveis de localizar para um humano, que se esqueceria rapidamente das formas, cores e cheiros de tudo aquilo, mas cada segundo da minha vida parecia ficar gravado a fogo na minha memória, e eu conseguia detectar aquilo que já vira uma única vez se me concentrasse. Depois de dar cinco voltas inteiras era-me fácil percepcionar tudo à minha volta e identificá-lo como já visto, tal como eu já vira a estranha rapariga de cabelo loiro, e…
 Os pensamentos foram-me abruptamente interrompidos por um nova linha, uma que furava todos os pensamentos que me tinham aflorado à consciência durante aquela interminável caminhada.
 Quem mais poderia ter-me roubado? Quem mais poderia conhecer-me? Estávamos a andar em círculos há muito tempo, se o ladrão quisesse fugir, teria corrido para longe de mim, não me teria deixado aproximar.
 Estaquei por completo, e a presença constante na minha cabeça também parou, assim se apercebeu de que eu não avançava.
 Meredith dissera algo sobre um cenário de guerra, e eu estava presente… Mas porque razão estaria lá MarieAnne? O que é que ela teria contra mim?
 Se tudo aquilo fosse como eu imaginava, o ladrão era MarieAnne, e ela não fugira, mas não por estar aterrorizada demais para pensar.
 Não, ela quisera aquilo.
 Quisera atrair-me para a floresta.
 E foi nessa altura que outras palavras de Meredith tomaram forma na minha cabeça. A imagem fora acompanhada por uma única palavra.
 Vingança.
 Era só isso que ela queria, vingar-se de mim.
 A surpresa da minha descoberta ainda me mantinha no mesmo lugar, enquanto tudo o que eu imaginara se virava ao contrário. Eu era a presa e ela o caçador, embora fosse bastante mais fraca que eu, sentia-me revoltada por ter caído na sua armadilha, por ter feito exactamente o que ela esperava de mim, e não aquilo que eu julgava que ela pensava que eu não faria.
 E, misteriosamente, ela sabia muito acerca de mim.
 De súbito, pareceu que ela tomara uma decisão. Afastou-se bruscamente do círculo e correu.
 Teria ficado amedrontada pela minha pausa? Talvez tivesse pensado que eu a ia atacar…
 Bem, eu não a deixaria fugir.
 Desatei a correr atrás dela, levando com ramos e ervas cortantes na cara, nos braços e nas pernas, enquanto era fustigada pelo vento frio da noite, mas nenhum destes factores me fez parar ou sequer abrandar um segundo.
 Agora ela teria de se haver comigo e pagaria o dobro por me ter feito passar por estúpida.
 Andávamos aos ziguezagues, de um lado para o outro na floresta, e eu não ganhara mais do que poucos segundos de vantagem, perdidos depois e mais tarde recuperados. Ela era extremamente rápida, e se eu não tivesse antecipado os seus movimentos e feito corta-mato, nunca a teria conseguido acompanhar. Afinal, eu era uma bruxa e ela uma vampira, e naquele momento eu não me lembrava da palavra que me arrastaria em dois segundos até junto dela, nem podia concentrar-me para me lembrar. Tinha de ter a mente livre para poder concentrar os meus pensamentos em não tropeçar em qualquer desnível no solo ou em ramos de arbustos rasteiros.
 Detive-me por apenas um segundo ao verificar que estava de novo na clareira junto à grande bacia de pedra, enquanto me esforçava por pronunciar a frase que me impediria de cair nas rochas molhadas, com os olhos lacrimejantes devido ao vento glaciar naquela zona que os fustigava. Pensei em fechá-los mas, àquela velocidade, ser-me-ia mais difícil pressentir os objectos antes de os encontrar em embater neles.
 Percorria agora o caminho que me levara à água, que antes me tinha atraído devido à sua temperatura, mas que agora se mostrara um empecilho a apenas meia dúzia de metros… Uma dúzia… Duas dúzias…
 Deveria estar a andar a uma velocidade de vinte metros por segundo ou coisa parecida.
 Senti-a parar um pouco mais à frente.
 Quando cheguei ao local onde ela parara, estaquei. Ela penetrara a gruta coberta por folhas e árvores que eu vira duas ou três horas antes, e à qual não prestara atenção…
 E agora voltara a tornar-se óbvio.
 Fora enganada outra vez. Ela não tencionara fugir. Atraíra-me novamente para onde ela desejava. Fizera de mim uma marioneta. No futuro teria de usar mais a lógica.
 Mas já que ali estava, não ia simplesmente abandonar a minha pulseira.
 Fui percorrida pelo regozijo quando me apercebi, num segundo decisivo, que não era eu a idiota ali.
 Eu entraria e mataria. Recuperaria o que era meu. E a verdadeira estúpida ali era ela, que pensara que me podia confrontar.
 Ora bem, se era assim que ela queria, era assim que teria.

 Respirei fundo e, com apenas dois passos, penetrei a gruta.

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