Transilvania Season - Ep 31, Sheftu
Sheftu nunca pensou na vida que o seu passado pudesse voltar desta forma, muito menos que a abalaria bem mais do que qualquer outra morte que pudesse acontecer. Seria um expandir de seus ossos, aqueles que se esfumariam pelo vento. Quantas memórias... Quantos sentires... Permitiria ela que tudo chegasse, logo agora, ao fim?
"Good Choice!" by Sheftu Nubia
O silêncio fez-se eterno sobre aquelas suas palavras. As respostas
teimavam em não surgir para que a sua morte ficasse livre pelo mundo, entregue
às mãos de uma maldição idiota, sem que existissem muitas respostas para as
milhentas questões que se atravessavam nas nossas cabeças.
- Eu gostaria de te pedir uma coisa…
- O quê? – Perguntei-lhe eu, tentando decifrar o seu olhar
apagado.
- Estares aqui é um sinal de que a minha hora chegou. – Ia
começar por reclamar do que tinha acabado de afirmar, mas a sua mão impediu-me
de falar. Para o meu espanto, ele estava a falar a sério.
- Henry… Não sejas idiota.
- Eu não o estou a ser… - Segurava agora as minhas duas
mãos, fazendo-me observá-las atentamente. Não, eu não o iria fazer. – Estas
tuas mãos foram feitas para este momento.
- Não. – Continuei a negar, por mais que tentasse, não o
poderia.
- Tens que me dar a liberdade. Eu não te peço muito…
- Não me pedes muito?! – Soltei-me das suas mãos e comecei a
seguir caminho para longe. Certamente ele permanecia no mesmo sítio, à espera
que eu mudasse de ideias. Observei as minhas mãos, como poderia ele pedir-me
para que eu o matasse?!
Sei que está aqui algures a resposta, que o sangue é o
que me permitirá sair daqui.
Por mais que tentasse decifrar o que queria isto dizer, para
que conseguisse livra-lo desta maldição - por culpa minha, por minha culpa que
sua vida se tinha esfumado e durante a sua morte, a condenação abateu-se sobre
ele, tudo porque se cruzou comigo, porque fez parte do meu passado – não
conseguia descobrir o que aquelas palavras diziam ao certo. Qual seria o sangue?
Que sangue teria de ser derramado para que a sua morte pudesse novamente andar
pelo mundo?
…o sangue é o que me permitirá sair daqui…
O sangue… A libertação estava algures sobre sangue, apesar
das longas tentativas de limpar a descendência da bruxa à face da terra, ele
não o tinha conseguido.
- Faz isso por mim… - Agora a sua voz se ouvia sobre o meu
ombro, eu tinha parado enquanto os meus pensamentos me assolavam de intrigantes
conclusões.
Voltei-me para ele e observei-o.
- É isso que queres? – Perguntei.
- É uma honra, saber que ficarei sobre as tuas mãos nas
minhas últimas horas. – Fez uma leve pausa e passou a sua mão sobre a minha
face. – Não sabes o quanto desejei este momento.
As suas palavras entraram sobre a minha mente como um choque
profundo, surgiu uma enorme quantidade de momentos de um passado que já tinha
sido longo, mas o mais importante de tudo foi a ideia que eu tivera.
- Espera por mim aqui um pouco. – Disse-lhe, entregando-lhe
a pulseira que esteve este tempo todo sobre o meu pulso. Não precisava mais
dela, não para o que eu queria fazer.
- Onde vais? – Perguntava ele já longe, curioso.
- Depois verás. – Disse-lhe.
Estava perto, já conseguia ouvi-la a perguntar-se em voz
alta o que eu estava a fazer. Entregar-me à morte nunca tinha sido um problema,
e desta vez não se tornaria muito diferente… Observei o homem que permanecia
com a pulseira na mão, observando com cuidado o que estaria a acontecer. Ele
iria ficar bem… Eu conseguiria… Pelo menos tentava.
- Que vieste fazer? – Começou ela por falar. Ríspida, mas
animada com a situação.
- Kiya, não tenho tempo para as tuas brincadeiras idiotas. –
A sua expressão tomou agora um tom sério, detestava que eu a tratasse assim. A
realidade sempre foi essa, uma criança sem ideia que cresceu e tornou-se uma
mulher sem ideais. – Onde estão as coisas da Pan?
- Oh, daquela mulher que tu chacinaste? – Novamente tomou o
seu tom parvo, desejando profundamente que eu me irritasse. Compreendo, apesar
de todo este tempo continuava com as mesmas emoções do costume. Que me odiasse,
estava à vontade.
- Não tenho tempo nem paciência para os teus momentos
simpáticos. Mostras-me o local ou não?
- O que desejas das coisas dela? – Perguntou-me.
- Aqueles frascos avermelhados. Tens algo assim?
- Porque queres tu isso? – Já me começava a irritar, tantas
questões e o tempo passava demasiado depressa. Daqui a nada ainda amanhecia sem
que ela parasse de me chatear.
- Já que estás a espiar-me… Dás-me o frasco e depois vês o
que acontece.
- Como sei eu que posso confiar no que me dizes? – Estava
mesmo idiota hoje… Ah, que coisa mais irritante…
- Simples… Caso não mo dês, sempre posso pedi-lo a Gustav…
- Faz como entenderes… - Começou ela por procurar algo,
retirando uma mala. Retirou de lá um dos frascos que eram da Pan e entregou-mo.
- Perfeito. – Disse, virando-lhe costas, queria despachar
esta situação o mais rapidamente possível. Incomodava-me saber que a sua vida
estava nas minhas mãos.
Quando cheguei perto do Henry, pedi-lhe a foicinha, que
rapidamente me cedeu, e coloquei uma pequena porção do líquido avermelhado
nela. Inalei aquele cheiro, recordando-me do sabor, da cor… Era uma tortuosa
memória, aquela que me fazia recordar Eric.
Suspirei uma última vez, tentando afastar de mim aquela
minha doce tortura. Concentração. Era isso que agora eu necessitava…
Concentrar-me no que tinha de ser feito de seguida.
Tal como eu calculava, o sangue enfraquecia a minha pele ao
ponto da lâmina aprofundar-se mais e o corte, com alguma sorte, estaria aberto
o tempo suficiente. O fio fresco atravessou-se sobre o meu pulso, Henry tentou
travar-me, mas eu ainda conseguia ser mais rápida. Os anos nos dão prática.
- O que estás a fazer? – Perguntava-me ele, repetidamente,
enquanto eu aprofundava lentamente o corte.
Finalmente sentia o sangue a desvanecer-se das minhas veias,
mergulhando a minha mão numa sensação fresca e, ao mesmo tempo, calorosa. Sorri
brevemente, certa parte do meu próprio sangue respirava o seu perfume, parte de
mim era dele, a outra parte se tinha entregado por completo. Atirei a foucinha
para o chão e tentei aproximar a minha mão ensanguentada sobre o peito de
Henry, rasgando a sua camisola, desenhando instintivamente sobre o seu peito
com o licor da minha vida.
Os traços teriam de ser fortes, bem marcados sobre a pele.
Enquanto desenhava novamente as marcas, elas desapareciam, sendo absorvidas
pela sua pele. Seus olhos observavam surpresos, ainda estagnados no momento em
que me tinha aproximado dele.
- Não. – Disse ele, segurando a minha mão, passando o tecido
rasgado sobre o pulso e apertando fortemente. Olhei para ele, encontrando uma
determinação forte. – Não vou permitir que te enfraqueças por minha causa.
- Mas… - Comecei eu por dizer, sendo rapidamente
interrompida.
- Não quero que enfraqueças. Tens que te libertar, ao
enfraquecer não ajudas em nada.
- Precisas de ser salvo. – Afirmei, convicta das minhas
decisões.
- Preciso que pares de me salvar.
- Porquê? – Perguntei eu.
- Porque não é o que eu quero… - Retirava agora o pano,
observando que o meu corte já estava mais estável. – Como tudo isto aconteceu?
- Nem queiras saber…
- Eu quero.
- Kiya mordeu-me em Moscovo… Fiquei inconsciente e depois
acordei assim, demorei um pouco para descobrir certos detalhes, mas acabei por
concluir que já não sou bem o que era antes.
- Como? – Perguntou-me fascinado.
- Aquele rapaz que eu tinha salvo das mãos do Ian… Ele
encontrou-me, procurou-me e fez-me algo quando ela me atacou.
- Fico contente por teres alguém ao teu lado.
- E eu ficaria contente se me deixasses ajudar-te. –
Apontei.
Ele suspirou e, aproximando-se do chão, apanhou a foucinha.
Observou-me por breves momentos, deixando que a falta de som criasse um
ambiente extremamente pesado.
- Quero que o faças, por mim. – Começou ele por dizer-me,
fazendo com que eu desse, instintivamente, um passo para trás. – Afinal, ao fim
destes anos todos, não sei se ainda consegues torturar tão bem como naqueles
velhos tempos.
- Tu não me podes pedir isso.
- Posso, e é por isso que te peço. Nada me daria mais honra
ao morrer sobre as tuas mãos.
- Eu não o quero fazer. – Desabafei. – Haveremos de arranjar
uma outra forma… Tens de te dar uma outra oportunidade.
- Todas as oportunidades que tive se foram. – Aproximava-se
agora de mim, entregando-me o utensílio sobre as duas mãos. – Não me poupes sequer,
meu último desejo é que me libertes. Sobre todas as coisas deste mundo, eu
quero que mo faças. Por alguma razão estás aqui, não permitas que eu te trave.
- Não. Eu não o farei.
- Fá-lo por mim. – Suplicou, ajoelhando-se sobre os meus
pés. – Fá-lo pelos nossos momentos, fá-lo! Liberta-me…
Levantei-o do chão, segurei-o pelos ombros e fitei aqueles
seus olhos escuros. Eu não tinha mais o que fazer, poderia convencê-lo para que
esquecesse esta ideia parva. Porém, eu bem sabia o que ele sentia, e desejava que
esta maldição acabasse logo duma vez. Imperdoável por fazer, imperdoável por
recusar. Sempre estava condenada pela eternidade dos meus dias, que acontecesse
o que tivesse que acontecer.
- Ok. Eu o farei por ti. – Ele não escondeu o seu
contentamento, mostrando-se até radiante demais para o meu gosto. – Tens a
certeza que é isto que queres?
- Não sejas branda para comigo. Vai em frente, eu estou
preparado.
- Se é isso que desejas. – Disse.
- Sim, o que mais desejo…A noite seria demasiado demorada, as horas que faltavam chegariam até
que tudo ficasse consumado. Era altura de deixar o passado e o presente para
trás, continuar o caminho até que o futuro chegasse. Eram momentos de morte, em
que os meus desejos se esfumavam sobre tudo o que tinha de fazer. Não, não o
desejava. Eu não o queria, não deveria de ser assim… Mas desejos, esses
acabarão por se esfumar pelo vento.
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