Transilvania Season - Ep 29, Elizabeth

Beth continuava a ser praticamente o braço direito de Gustav, por isso tinham viajado para obterem tudo o que aquele velho vampiro desejava. Mas... O que ela queria realmente da sua existência? Ser rodeada de pessoas que detesta, torturar as pessoas que aquele vampiro deseja e apenas tornar-se uma simples criada dele? No meio de tantas batalhas ela teria de ter cuidado com a batalha principal: a sua mente constantemente descansava pelas mudanças da sua alma. Que passos daria a seguir?

"The Front Line isn’t always the best one…" by Elizabeth Wood

Ter a constante sensação de que algo não estava certo não facilitou a tarefa de acordar Ginna, completamente ferrada no sono e a dar voltas na cama. Por fim, acabei por perguntar-me porque é que me ralava com o seu bem-estar físico.
 - Ahhh! – Gritou, quando assentei a minha palma em chamas na sua face, arrancando-me um leve sorriso. Ela levantou-se a bufar.
 - Hora de acordar… - Esclareci divertida quando o seu olhar interrogativo e furioso me encarou. – Da próxima vez verto-te líquido pela cabeça abaixo… O que achas de gasolina?
 Ela não respondeu, pegou numa bolsa de casa-de-banho e num monte de roupa e escapou-se pela porta, provavelmente em direcção á casa de banho. Olhei em volta. Ginna fizera os possíveis para tornar o espaço acolhedor, pelo menos do seu ponto de vista. Dispusera o conteúdo da sua mala para que o espaço parecesse o mais preenchido possível. Aquela, depois da luta daquele dia, não iria querer ficar. Pressentia-o.
 - Estou pronta! – Declarou a visada, interrompendo os meus pensamentos. Criaturazinha irritante…
 Douglas e Meredith estavam ambos prontos e á espera no hall, ambos com olhares que espelhavam tremendo aborrecimento, que eu ignorei prontamente de boa vontade.
 - Vamos – Ordenei, passando por eles. Ouvi a forma como os seus passos reagiam automaticamente ao meu comando.
 Uma vez junto á porta, dei meia volta para os encarar.
 - Muito bem – Principiei, fazendo uma pausa para aclarar a voz – Preciso que se preparem mentalmente para a nossa pequena batalha. Segundo já ouviram de Gustav, esta luta não é complicada. Só temos de forçar a entrada numa festa e matar todas as pessoas que lá estão COM EXCEPÇÃO do adulto e da criança, ambos de aspecto alemão. O adulto é alto e de cabelo ralo, e a criança aparenta seis anos e tem o cabelo até ao meio das costas. É um rapaz, ao contrário das evidências. As mortes não devem meter sangue pelo meio, por favor. Teremos de limpar as evidências de que lá estivemos, assim nunca seremos apanhados. Ginna, quero-te á minha retaguarda, podes estrangular – de forma pouco sanguinária -, fazer corações parar de bater ou provocar AVCs, o que tu quiseres. Douglas, Meredith, vocês trabalham juntos. Meredith, dás as instruções a Douglas, segundo a tua previsão. Não te esqueças do que te expliquei sobre os videntes irem para as guerras, terás de ser rápida e desviar-te de tudo o que for possível. E lembrem-se: Não somos um grupo com apenas feiticeiros, temos entre nós metamorfos e vampiros. Estes primeiros não deverão dar trabalho, mas os vampiros, embora possam apreender a resistir-lhe, podem ser bastante sensíveis ao sangue. Gustav quer treiná-los de forma moderada, para que a sua sede de sangue os incentive ao invés de os atrapalhar, mas estes são recentes e não sei como foram educados, por isso, tenham cuidado. Quem faz o sangue são eles –“O Gustav que limpe a porcaria que fez” acrescentei em pensamento, mas não dei voz a estas palavras. Apesar de tudo, eu ainda estava ali ao serviço de Gustav, e não iria interferir nos seus negócios.
 Depois da minha pequena preparação, acenei-lhes com a cabeça para que me acompanhassem porta fora. Vi-os assim que passei a soleira da porta. Quinze vultos e outros dois. A razão de tal distinção, embora fosse imperceptível à maioria dos olhos, era para mim notória, de tão habituada que estava àquilo: Tanto os metamorfos como os vampiros tinham um ar mais selvagem, ligeiramente encurvados para a frente e bastante mais musculados. Movimentavam-se de forma coordenada, mas pouco ensinada. Eram recentes e nunca tinham sido ensinados… Com, talvez, uma única excepção. A rapariga – ou adolescente – loira da noite anterior, aquela que me acompanhara na estranha e inconclusiva visão de Meredith. O seu porte era mais cuidado, como se tivesse experiência de vida e entendesse mais do mundo desconhecido aos humanos do que os outros. Como se soubesse muito mais sobre as diversas espécies de criaturas fantásticas do que seria comum em alguém como ela… Notava-se pela forma como se afastava do metamorfo baixo que, segundo ficara a saber na noite anterior, se transformava em cobra, uma criatura bastante instável, mas que, por outro lado, parecia tão naturalmente à vontade junto de uma rapariga alta, de porte gracioso, que tinha o condão de se metamorfosiar num belo e encorpado veado.
 Os meus olhos caiam sobre ela com interesse redobrado perante a minha mais recente descoberta, que fora automaticamente assente na minha lista mental: Conhecida, experiente, velha, vampira… Mas não, as peças não se encaixavam.
 - Estás atrasada dez minutos – Constatou Gustav. Não que necessitasse de lhe dar justificações, mas isso dava o exemplo correcto aos miúdos, por isso informei-o.
 - Eles têm pouca experiência, estive a dar-lhes indicações.
 Gustav acenou.
 - Wei Lee teve de ir á cidade tratar de uns assuntos – Só agora me apercebia de que ele estava fora – Por isso vamos a pé. Todos vocês têm resistência suficiente para uns quilómetros a correr?
 O seu desafio surtiu o efeito que ele esperara: A maioria dos miúdos – alguns dos quais não eram realmente miúdos – emproou o peito e respirou profundamente, como que a mostrar que estavam mais do que disponíveis e preparados.
 Ele sorriu e desatou a correr. Não me ralei em acompanhá-la na linha da frente, fiquei para trás, com um veado a saltitar de forma alegre e calma ao meu lado – ou à distancia que eu permitia, ou seja, meia dúzia de metros – Eu já tinha aprendido aquela lição á muito tempo: A linha da frente nem sempre era a melhor. Estar à frente significava ter um menor espaço de tempo para responder ao ataque, morrer para poder informar os outros que algo se estava a passar. Preferia fechar a marcha. Seria o trunfo escondido.
 Ainda subíamos a primeira montanha, escarpada e pedregosa, facto que, aliado às centenas de árvores que a salpicavam, tornavam aquela vertente do vale um sítio bastante incomodo para qualquer humano que a quisesse subir… Mas nós não éramos humanos, por isso mantínhamos o passo de corrida montanha acima, como se estivéssemos num paredão a andar descontraidamente, embora ninguém falasse… Todos estavam absortos na batalha que se avizinhava, delineando os planos para a vitória, ou para a fuga, caso a vitória não fosse possível… Até eu já fizera aquilo, nos meus primeiros anos ali, enquanto corria á frente de todos.
 Agora já não era necessário. Podia muito bem tirar aquele tempo para pensar em questões mais importantes, como a peça do puzzle que me faltava… E se a estranha rapariga loira não fosse parte da minha realidade presente mas sim da passada? Com certeza já fora humana… Mas porque quereria vingar-se de mim?
 Descíamos agora uma encosta mais suave e, para a minha visão peculiarmente apurada, já era possível distinguir os contornos de uma pequena cidade, lá em baixo. A segunda encosta do monte era tão diferente da sua oposta que quase fazia impressão. As árvores eram raras e a existência de pedras nula. Em vez destas últimas, tudo era um enorme prado, com alguns quadrados quase aparados pela boca das vacas ou outros animais que ali fossem pastados, e outros nos quais a erva me chegava à cintura, dificultando todo o percurso.
 Gustav, que parecia conhecer um bom caminho, guiou-nos com várias curvas e desvios, mas não houve um único centímetro do percurso que não fosse um matagal autêntico. A única diferença que notei foi a meio caminho, quando começaram a aparecer silvas e urtigas que, apesar das minhas calças de ganga reforçada, conseguiam romper-me as vestes e provocar-me uma sensação dormente, que eu apagava rapidamente com umas palavrinhas – independentemente deste último facto, eu continuava a não achar a mais ínfima graça àquele monte de ervas cortantes e irritantes.
 No fim do caminho, acabamos barrados por um grande embaraçado de silvas secas.
 - Elizabeth – Afirmou Gustav.
 Ignorei-o e virei-me para Ginna:
 - Ginna – Pedi.
Ela passou por mim e dirigiu-se ao grande muro castanho e espinhoso. Por segundos, nada aconteceu mas, mais tarde, as silvas começaram a mover-se e a rodopiar o ar, até que acabaram por parar, formando uma espécie de arco tosco suficientemente largo para três homens encorpados e com cerca de dois metros e meio de altura.
 Nenhum deles pareceu dar especial importância à minha alteração, mas o olhar da estranha loira prendeu-se novamente em mim. O que é que ela queria? Não era, certamente, algo que me fosse dizer caso lhe perguntasse.
 A maioria das pessoas poderia perguntar-se se não seria suspeito verem um grupo daquelas dimensões mover-se, tão calado, para dentro de uma festa de onde todos os participantes iriam desaparecer… No entanto, devido a uma certa dose de perícia misturada com alguma magia, era-nos fácil andar pelas sombras da cidade movimentada, contornando perímetros cheios de gente, evitando áreas animadas e escolhendo caminhos vazios ou nos quais ninguém se lembraria de perguntar por nós.
 Depois de termos percorrido uma rua estreita e com mau aspecto, a cheirar fortemente a tabaco e álcool, paramos defronte de um grande edifício branco, eram já dez para as sete.
 Espreitei por uma das grandes janelas, com as cortinas aberta – anotei mentalmente que teríamos de as fechar mal penetrássemos a casa. O andar inferior estava cheio de gente podre de bêbeda a dormir pelos cantos, a cantar baixinho ao som da música que ninguém se dera ao trabalho de desligar ou apenas sentada em sítios escuros, com a cabeça entre os joelhos que só erguiam de vez em quando para olhar furtivamente em todas as direcções, voltando de imediato a baixar a cabeça.
 Nesse momento, ainda abrigados pela sombra da viela estreita e invisível aos olhos mais desatentos, Gustav virou-se para nós.
 - Carl, Rose, Anne, Bea, Julie – Disse, apontando para os donos dos nomes… Estranho… Teriam todos eles nomes assim tão comuns? Ou fora apenas um esquema dele? – Vão á volta e esperem junto à janela oposta a esta que o caos comece.
 Quando este grupo saiu, ele virou-se para os que restavam.
 - Elizabeth, Marie, Jane, Jordan, Tyler, Taylor, Joanne, Susan, Lia, Manson, Chris, Mark – Continuou – Ficam aqui á espera que entremos.
 - Eu, Celine, Rebecca e Lina vamos pela frente.
 Olhei para a rapariga loira, interrogando-me sobre qual seria o seu nome… Rebecca ou Lina? No entanto, a resposta a uma pergunta anterior foi-me dada por ela. Ouve um novo facto que me surpreendeu. A sua voz era clara, límpida e normal, não grunhia as palavras nem as pronunciava cuidadosamente. Era completamente normal, regular.
 - Eu fá-lo-ei assim que admitires que o meu nome é MarieAnne e não Rebecca. – Exigiu, como se não tivesse noção do perigo que corria ao escarnecer de Gustav.
 Este último surpreendeu-me ao não ficar zangado.
 - É um nome de código, MarieAnne, e nada mais que isso.
 - Ela mantém o mesmo nome – Apontou com o queixo na minha direcção, com o tom de voz amuado de uma menina mimada. Não tive tempo para ficar surpreendida por se ter referido a mim, porque os seus dedos irromperam em chamas de imediato.
 - E tu devias saber qual a tua posição aqui – Vociferei, virando-me para ela de modo brusco e fazendo-a dar um salto – Chamas-te Rebecca porque nós assim o entendemos, e se não queres acabar a servir de Barbecue aos lobos, é melhor começares a mexer-te.
 Ela ainda abanava os dedos furiosamente, olhando ameaçadoramente para as feições calmas e impassíveis de Gustav como que a reclamar por alguma espécie de castigo. Tinha muito que aprender…
 - Ela tem razão. Vem.
 Ela preparava-se para contrapor, mas eu olhei-a ameaçadoramente e ela fugiu como se o meu olhar picasse. Celine riu á socapa, certa de que só eu repararia.
 O grupo que ia para a frente dirigiu-se para o seu devido lugar. Mal o toque de campainha ressoou nas paredes da casa, alguns dos miúdos fizeram menção a saltar para dentro da casa nesse segundo, mas eu travei-os com um gesto de mão. Mredith, Douglas e Ginna estavam comigo e, enquanto me interrogava silenciosamente quando é que Gustav lhes dera nomes, um homem quase calvo, alto, dirigiu-se á porta. Era o único que não parecia bêbedo ou drogado. Aliás, não mostrava sequer sinais de cansaço.
 Durante uns segundos, manteve um diálogo calmo com Gustav, e só alguém que o conhecesse há muito tempo poderia reconhecer a frieza nos seus olhos mas, à medida que as pessoas dentro da casa começavam a erguer as cabeças interrogativamente, o diálogo tornava-se mais intempestivo e alto. Tão alto que eu já distinguia fracções do que diziam.
 -… Não vai valer a pena! Não precisas de os matar para me matar a mim! – Dizia o homem de cabelo ralo. Mesmo sendo frio e cortante, a sua voz era mais baixa que o tom de voz normal dos humanos. Quando eu disse que estavam a falar mais alto, não me referia a berros, como era mais que óbvio. Se berrassem, ou mesmo se falassem num tom normal, os humanos ouvi-los-iam e desatariam aos berros histéricos.
 Gustav riu-se, erguendo a cabeça para o céu de modo exagerado.
 - Eu não te quero matar! Achas que me daria a todo este trabalho para o fazer? Eu preciso de ti! E, quanto aos humanos, devias ter pensado nisso antes… De qualquer forma, vem mesmo a calhar, trouxe alguns aspirantes a membros do meu pequeno exército que preciso de testar.
 Os olhos do homem arregalaram-se, permitindo ver o magnífico tom de azul das pupilas, e o seu olhar desviou-se até á janela onde nós nos encontrávamos, pousando os olhos em mim. Já devia conhecer as estratégias de Gustav.
 - Não – Murmurou, estarrecido – Não a trouxeste a ela?
 O pavor que se reflectiu nas suas palavras inundou-me de um enorme sentimento de regozijo… Era daquilo que eu teria saudades se alguma vez tivesse de abandonar a corte… O medo que as pessoas me tinham. O facto de conhecerem o me nome – e de não o pronunciarem, com medo de me enfurecer. Eu cá não percebia em que ponto é que isso me poderia enfurecer, mas deixá-los pensar que sim.
 - Como vês Gregory, começas a tornar-te importante para mim… Onde está a criança? – Acrescentou, com os olhos a abandonarem o divertimento e a voz a tornar-se séria.
 - Deixa-o Gustav, não precisas dele. Leva-me a mim.
 -T odos os que não levar serão mortos, pois são possíveis testemunhas… E acho que tenho uma pequena companheira para ele – Acrescentou, com os olhos a brilharem furtivamente na minha direcção e a fazerem-me ranger os dentes. Alguns rostos viraram-se para mim, interrogando-se porque seria que eu reagira daquela forma à simples afirmação dele, que certamente também tinham ouvido.
 - Agora – Disse Gustav, ainda com a voz divertida – Acho que temos algumas tarefas a concluir. Celine, agarra-o. Lina, Rebecca, vão para cima e matem aqueles que lá se encontrarem sem ser a criança. Não lhe toquem, Elizabeth trata dela – riu-se do olhar apavorado de Gregory, e continuou a atirar ordens para o ar. Quando Meredith e Douglas se entreolharam ao ouvirem Chris e Susan, gesticulei para que se mexessem e fossem os primeiros a entrar pela grande janela, vendo-os a mover-se furtivamente pelo meio da multidão de pessoas que ainda não se tinham apercebido do que se passava. Quando percebi que uma mulher ia gritar, o seu coração parou de bater subitamente e ela caiu para o lado. Toda a gente entrou a seguir, uns para o andar superior e outros apenas para ficarem no mesmo piso. Comecei a subir as escadas assim que o terceiro grupo entrou, consciente de que a minha missão não era matar, por mais gozo que isso me desse.
 O andar seguinte estava escuro como breu, apenas iluminado pela luz vaga do andar inferior e por uma janela rectangular de tamanho mínimo. Apesar da sua falta de luminosidade, o patamar era, sem dúvida, luxuoso. Tão ao mais do que o de baixo, com a única vantagem de que não estava pejado de corpos meio a dormir. Alguns miúdos, entre eles Douglas e Meredith, vagueavam pelo corredor abrindo um sem fim de portas que davam a mais corredores, casas de banho, dispensas, salas e quartos.
 - O miúdo não está aqui – Preveniu Meredith, quando passei por ela. Acenei e subi o lanço de escadas seguintes.
 A primeira coisa que ouvi, a alguns degraus do topo, foi o barulho de algo a quebrar-se. No cimo do corredor vazio, ladeada de várias meias colunas coroadas com os mais diversos objectos, havia uma única coluna vazia e um monte de pedaços de algo semelhante a cristal á frente dessa mesma coluna.
 - Vá lá – Sussurrei baixinho, amavelmente – Eu sei que estás aí… O teu pai está lá em baixo, vais adorar conhecer a mulher que o agarrou…
 E foi aí que ouvi: O “craque” agudo da madeira a estalar. Por entre as frestas da madeira do sótão, entravam vários raios luz. Bastou-me seguir os rastos luminosos até ao local em que se interrompiam.
 Ri-me, olhando para cima e, com um estalo enorme, toda a madeira naquela zona caiu, revelado o rosto esbaforido e assustado de um miúdo. Ele aparentava cerca de doze anos, ao contrário do que me tinham dito.
 - Onde é que tentas chegar? – Perguntei, vendo-o debater-se no ar – Assim não chegas a lado nenhum.
 Empurrei-o pelas escadas abaixo, atirando a sua figura rodopiante pela escadaria da frente. Gregory conseguiu libertar-se e correr até ao filho, no meio do caos, murmurando palavras de coragem e rogando-me pragas.
 Gustav sorriu.
 - Bom trabalho, querida, sabia que não tinhas perdido a eficácia. Já podes ir ajudar os outros.
 Voltei para o centro da sala, agarrando a primeira coisa que vi. Era uma rapariga, coberta de suor e tentando fugir quando a apanhei.
 Coloquei-lhe o indicador em cima de uma das pálpebras, enquanto ela se debatia e tentava gritar, sem a voz que eu lhe tinha tirado, porque o seu olho estava a queimar-se. Quando retirei o dedo, as córneas já estavam esturricadas. Mas não podia dedicar-me àquela arte, porque era uma questão de tempo até que algo corresse mal com tantos miúdos por ali, por isso larguei-a e ela caiu no chão, sem vida.
 A ela sucedeu-se outro, e outro, e mais outro. Sempre que lhes aparecia por trás, eles caiam sem vida, ao contrário do resto dos cadáveres ensanguentados e muito mais difíceis de limpar.
 Parei com o corpo de um jovem de vinte anos na mão direita, quando apanhei o olhar de MarieAnne fixo em mim, a transbordar raiva, mágoa e aquilo que eu identificava como a simples e natural vontade de me esganar. O que é que ela queria?
 A sua presa estrebuchava, com a enorme mancha carmesim a aumentar no pescoço, mas ela largou-a, de pé com os olhos fixos nos meus.
 Com grandes passadas, aproximei-me dela, matando instantaneamente o homem que ela deixara escapar.
 - Não demorava a chegar á porta – Avisei – Tens de ser mais eficaz.
 Deixei-a ali, a fixar-me furiosamente, enquanto ceifava vida após vida, formando uma enorme pilha de corpos incólumes. Quando já não sobrava nenhum que pudesse escapar, algumas pessoas andavam á volta da sala matando-as.
 - Tens aqui um massacre horrível – Disse para Gustav, que tinha Celine e a outra rapariga, Lina, atrás dele, com o homem e a criança entre os braços – Vai ser difícil limpar isto tudo.
 - Não para ti – Sorriu.
 - Não sou tua empregada! – Exclamei, indignada – E eu não sujei nada. Os meus morreram de morte súbita, os teus já são mais difíceis de explicar.
 - Ginna – Pediu. Ela acenou e pôs-se a rodopiar pela sala, fazendo os corpos desaparecer e o chão ficar tão reluzente como antes, como se nada tivesse acontecido. Essa era a nova realidade. O massacre só tinha acontecido durante alguns momentos, agora já não tinha tomado lugar. As pessoas tinham desaparecido misteriosamente.



 À noite, envolvida nos cobertores cor de lavanda, os pensamentos do dia ainda me rodopiavam na cabeça, tomando especial atenção a MarieAnne, mas passando por todos os outros também. Pelos corpos, pelo medo… Ainda não sabia o que fazer. Os meus miúdos estavam quase prontos, se não mesmo prontos, depois daquilo e de algumas aulas suplementares que tomaram lugar depois de chegarmos. Podia partir, levando Celine, resgatar o marido e, depois, ouvir tudo sobre Neida. Teria de o fazer cedo, deixar uma nota a Meredith e ela que se entendesse com Gustav.
  Um arrepio perpassou-me a espinha… E se Meredith lhe contasse das minhas intenções? Ela era-lhe leal… Mas teria de ser mais leal a mim, pelo menos por enquanto. Teria de arranjar a minha própria força para combater Gustav se este me procurasse…
 E foi ai que adormeci, embrenhada em pensamentos estranhos sobre como fugir.

 A meio da noite, fui despertada pela porta a ranger novamente, mas como não ouvi ninguém, não me dei ao trabalho de ver o que era. Devia ser só um sonho.

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