Transilvania Season - Ep 26, Elizabeth
Beth continuava a seguir a sua rotina habitual junto de Gustav, torturando uns, observando outros... Enfim, tudo decorria como qualquer outro dia, não fosse o visível tédio que ela começava a sentir em tudo o que ele fazia. Parecia diferente, de alguma forma ela estava diferente. O que ainda estaria para vir?
"Old Memories" by Elizabeth Wood
Já conseguia ouvir o pé de Gustav bater no chão, enquanto
arrastava a mala até à entrada principal, na qual se encontrava estacionado um
grande e reluzente Mercedes preto, com os vidros fumados.
- Substituíste a carroça por isto? – Perguntei,
passando os dedos pela pintura imaculada dos capot.
- Sim, obviamente.
Fez-me entrar pela porta de trás e acomodou Celine, na
sua forma de gata manchada, ao meu lado, enquanto se enfiava no lugar do
passageiro. Um vampiro asiático sentou-se no lugar do condutor, sem olhar para
nenhum de nós.
- Pelo menos tu tens opção às calças de ganga. –
Resmunguei, olhando para Celine, que tinha a cauda enrolada à sua volta e os
olhos fechados, enquanto puxava para cima a ganga pouco flexível que me cobria
as pernas. Nunca me habituara ao vestuário do século vinte e um.
Gustav abafou uma gargalhada com a manga do seu casaco
de cabedal castanho.
- Hey, não trouxeste a tua prostituta? – Perguntei,
irritada.
As palavras produziram o efeito desejado, quando a sua
expressão se tornou fria no retrovisor.
- Sabes que te estás a meter num buraco sem fundo
quando falas assim de Kiya.
- E, no entanto, foste o primeiro a fazer menção dela.
– Escarneci.
- Eu sei muito bem de quem falas, Elizabeth, e não tem
que ver com concordância. Kiya é a minha companheira, e tu sabe-lo bem.
- Sabes que, na minha altura, os reis casavam por
obrigação e não por amor. Sei bem que não são casados, mas vai dar ao mesmo. Ou
não estás com a Kiya por mero interesse?
- Elizabeth, não excedas o meu limite?
- Vais matar-me? – Provoquei, mas ele não respondeu e
olhou em frente durante o resto da viagem, que decorreu sem grande agitação, ou
seja, de uma forma bastante aborrecida.
As curvas sucediam-se com mais velocidade à medida que
penetrávamos no terreno montanhoso, mas nem por isso o carro abrandava. O
condutor virava de forma ágil e coordenada enquanto as árvores passavam por nós
cada vez mais rápido, formando uma estranha mistura de castanho, verdes e
negro. Por fim, chegámos ao nosso destino, um vale afunilado com um grande
edifício no centro, de pedra granítica. O motorista parou à sua frente, no
final da estrada pouco clara. Era quase como se não existisse caminho algum.
- O novo grupo não tardará a chegar – Gustav falou
pela primeira vez em várias horas – Tenho três especialmente reservados para
ti: Uma bruxa, uma médium e um feiticeiro. Celine, encarregas-te dos três
metamorfos e dos cinco lobisomens. Eu e o Wei Li encarregar-nos-emos dos dez
novos vampiros.
Enquanto falava, apontava para várias portas
distintas. Eu entrei numa delas, curiosa. Nunca ali tinha estado. Era formada
por uma grande sala/cozinha, com um sofá e uma televisão acompanhados por
várias cadeiras. Na parede à minha frente encontravam-se cinco portas, e ao meu
lado mais duas. Enveredei pela central, a única porta colorida, e deparei-me
com um quarto bem arranjado, com flores de lavanda nas mesas-de-cabeceira a
condizer com os lençóis e uma grande televisão. Era certamente o meu quarto,
por mais horrivelmente doce que fosse.
À frente na mesma divisão havia um arco que dava
acesso à casa de banho, mas a porta não estava lá, nem dava sinais de lá ter
estado alguma vez, como era mais provável. Apressei-me a sair deste diviso
experimentei a do lado. Era um quarto simples, iluminado por uma pequena janela
o alto e um candeeiro na mesa-de-cabeceira da cama individual com lençóis
brancos. Era o total oposto da grande janela que cobria a parede e dos
candelabros do meu. E não tinha casa de banho ou televisor.
Depois de um breve reconhecimentos, acabei por
perceber que os três novos estudantes teriam de partilhar uma casa de banho e
que havia também uma despensa ao lado do balcão da cozinha.
Quando enjoei da Suite demasiado delico-doce, decidi dar uma
vista de olhos pela de Celine, que era bastante semelhante à minha mas bastante
maior.
Deixei-me cair no sofá cor de ameixa e liguei a televisão
num canal qualquer onde passavam um documentário sobre plantações de arroz –
talvez a gente como o Wei não-sei-das-quantas gostasse daquilo, mas eu achava-o
simplesmente aborrecido.
Alguns minutos depois, alguém bateu à porta.
Ergui-me, abanando as pernas devido ao desconforto das
calças de ganga e caminhei até à porta de madeira clara, rodando a maçaneta
prateada.
À minha frente, uma jovem de cabelos negros e olhos creme,
quase brancos, olhava-me intensamente, seguida por uma rapariga alta e loira e
um rapaz moreno completamente vestido de preto. A partir dali, já sabia o que
fazer.
Obriguei-os a sentar nas várias cadeiras que se encontravam
por ali, e descobri que a rapariga de faces duras e cabelo negro era a médium,
que fora internada durante uns anos até que um vampiro a salvara. O feiticeiro
vestido de negro perdera a mãe, atropelada por um dos seus vizinhos, que ele
matara com o simples poder da mente – e acabara por descobrir que gostava da
sensação. E a rapariga loira e alta era uma bruxa farta da sua rotina
enfadonha. Todos eles eram meros adolescentes, sem controlo completo dos seus
poderes – altura na qual congelariam – e com um ódio profundo pela sociedade, o
que me era favorecedor.
Comecei a noite a avaliar o que cada um sabia fazer e
a elaborar um relatório rápido, seguido de uma aula sobre feitiços básicos à
qual Meredith (a médium) assistira sem qualquer ponta de aborrecimento, mas que
foi rapidamente concluída quando Douglas me atirou com um candeeiro à cabeça
por acidente.
- Meredith – Chamei, e ela prostrou-se de imediato à
minha frente. – Preciso de ter mais conhecimento sobre o teu dom… É bastante
raro, sabes? A última médium que tivemos no castelo morreu há dois anos, na
sequência de uma visão sobre a morte do marido – Revirei os olhos como que a
dizer «Patético», e fiquei feliz por perceber que ela me sorriu. Era bastante
raro mas, por vezes, alguns dos servos de Gustav apaixonavam-se e casavam. Era
a partir desse momento que eu dizia a este último que eles já não prestavam –
De qualquer forma, tentou evitá-la e acabou por morrer também. Por isso, há
umas quantas coisas que tenho de te ensinar antes de partires para o castelo,
embora eu não tenha assim tantos conhecimentos sobre isto… Ouve-me quando te
digo: Quando tens uma visão e interferes fisicamente no local onde ela ocorre,
para que o destino se modifique, tens hipóteses bastante favoráveis de morrer.
Pelo menos na tua espécie de médium. Logo, todos os estratagemas para impedir
que algo aconteça devem ser planeados e executados à distância e antes da
acção. Foi o completo oposto daquela médium que morreu. Ela interferiu no local
da visão à hora da visão, e isso é algo que não pode acontecer, pelo menos na
maioria dos casos. E, se alguém que tenha conhecimento de que algo vai
acontecer não modificar isso, acontece de certeza. Por exemplo: Se Ginna – e
fiz um gesto com a mão na direcção da rapariga loira – Receber uma ameaça de
que Douglas vai ser assassinado, mesmo que faça algo para que isso não aconteça
vai acontecer, porque o destino já conta com o facto de Ginna ir intervir
quando refere que Douglas é assassinado. Por outro lado, se tiveres uma visão
em que Douglas é assassinado, estás apenas a ver o que acontecerá se tu não
interferires, ou qualquer outro perto de ti. O destino não foi feito para ser
previsto, mas sim executado e, quando alguém sabe ao certo o que vai acontecer,
poderá modificá-lo. É claro que a Ginna poderia receber um bilhete a dizer
onde, como e quando é que ele seria assassinado e evitado esse acto, mas nesse
caso a tua previsão seria de que ela evitara a morte de Douglas. Entendes?
Ela acenou convictamente, ainda que os outros dois não
tivessem entendido nada.
- Agora, preciso de te ensinar a ser selecta nas tuas
visões. Até agora, elas apareceram sempre por acaso e de forma espontânea. Isso
continuará a acontecer, como e óbvio, mas vou ensinar-te a invocar uma visão, o
que não é tarefa fácil visto que eu nunca tive nenhuma.
Depois disso, tive de me dedicar a um relatório
pormenorizado de como se fazia e como se tolerava, assim como uma enorme
palestra sobre como poderia manter-se consciente durante todo o processo.
Quando terminei, o cheiro de ovos mexidos e bacon cozinhados por Ginna enchiam
a cozinha.
- Elizabeth? – Chamou Meredith, a meio do jantar.
Levantei os olhos na sua direcção – Gustav vai entrar por aquela porta daqui a
alguns segundos, acompanhado por Celine.
Nesse momento, a porta abriu-se e Gustav aplaudiu.
- Muito bem, vejo que a ensinas-te correctamente.
Vejo-te imenso potencial.
Encolhi os ombros.
- Bem, viemos aqui para que pudesse apresentar-te o
resto do grupo e planear o ataque de amanhã. Sim, porque não viemos cá apenas
para ensinar.
O resto do grupo foi enchendo a sala enquanto eu
explicava a Meredith a importância de ela ter revelado o que tinha previsto,
fazendo com que Gustav agisse de forma diferente ao mero som das suas palavras.
A meio da reunião de Gustav, no qual ele explicava
como iríamos agir – basicamente entravamos pela aldeia a dentro e matávamos
meia dúzia de homens, o que me parecia um tanto perigoso – uma adolescente
alta, com os cabelos loiros escuros sentou-se à minha frente, é volta da mesa.
Tal facto não teria tido a mínima importância se ela não me tivesse olhado
durante todo o tempo de forma rancorosa e irritada.
Havia algo no seu rosto que me era conhecido. As maçãs
do rosto pálidas tinham uma forma estranhamente arredondada, mas eu lembrava-me
dela, vermelhas e inchadas. Talvez na altura em que a tinha visto fosse mais
nova: Enquanto que agora assemelhava dezassete anos, parecia-me que, da
primeira vez que a vira, ela tinha uns meros quinze e estava mais magra e com o
cabelo emaranhado.
Não tinha uma pista de como é que a conhecia, mas a
memória que tinha dela estava lá, juntamente com mais um milhão de outros
rostos… Ela nunca tivera especial relevo na minha memória ate ao momento que a
revira. Antes disso não sabia que estava lá. Mas nunca nenhum rosto me tinha
escapado, pelo que aquele me era conhecido. Segundo o que podia avaliar, era
uma memória antiga.
- Quero-vos à minha porta daqui a quatro horas, partimos
para o vale nessa altura. E lembrem-se: Não matem o loiro nem a criança.
Preciso de ambas.
E retirou-se, seguido de perto pela sua hoste de
miúdos. Nenhum deles voltou a olhar para mim, com excepção da adolescente
loira, que me lançou um olhar feroz.
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