Transilvania Season - Ep 20, Elizabeth
Beth sentia-se louca para tentar novamente matar alguém, para se certificar que o que tinha acontecido com a escolhida de Gustav era apenas um acidente ou um problema dela. Certamente tinha algo escondido, não era possível que alguém conseguisse sobreviver ao seu poder, não depois de tudo o que já tinha feito nos seus séculos de existência. O que ela descobriria?
"Oh, Shut The Hell Up!" by Elizabeth Wood
Nessa noite, não fui assombrada por qualquer pesadelo… Antes
imagens soltas de crimes passados… Crimes dos quais me orgulhava, e dos quais
não sentia vergonha nenhuma. Tinha sido um bom sonho…
Bem, de qualquer forma, não se pode dizer que uma
bruxa durma muito, sendo que a minha média era de duas ou três horas por noite…
E havia muita gente naquele castelo que não dormia (vampiros e não só), e de
resto eram poucos os que precisavam de uma noite inteira de sono, por isso
ouvia-se uma enorme agitação no corredor – como era sempre. O castelo não
dormia, estava sempre em actividade, e não era possível “apagarmo-nos” e
pararmos. Éramos imparáveis, e isso era mais um ponto a nosso favor.
- Gustav vai testar uma… substância qualquer… Na
Sheftu, dentro de algumas horas. – Murmurou uma voz, no corredor.
- OK. Precisa de mim? – Interroguei.
- Não.
- Então desaparece.
Passos apressados indicaram-me que tinha partido…
Então qual seria a minha rotina para aquele dia? Não sabia nada de Neida, não
ia ajudar Celine… Provavelmente mataria mais uns quantos.
Pois, ia fazer isso.
Vesti-me e corri para fora do corredor, dirigindo-me
rapidamente para a cave… Antes de chegar ao corredor, passei pela pequena sala
onde os “secretários” de Gustav estavam… A gerir os perfis dos que seriam para
matar/torturar/libertar.
- Alguém para mim? – Perguntei, atirando-me para a
cadeira de madeira encostada ao canto da sala.
Evelin, uma semi morta, ou lá o que aquilo era
(basicamente era um espírito atormentado a habitar o corpo de alguém que
matara… Bah! Coisas nojentas) pôs-se a mexer em meia dúzia de folhas…
- Hum… Tens uma vampira, não a podes matar, cegar,
emudecer, retirar a audição ou a sanidade mental, mas podes partir-lhe alguns
membros, desde que fique viva… De resto, hoje vem um grupo novo de Copenhaga
que o Gustav queria testar, por isso temos de deixar as vítimas decentes para
eles…
- Nada mais? – Perguntei, algo aborrecida. TINHA de
matar alguém, tinha de me certificar que não estava a começar a falhar, que a
culpa era da Sheftu… Ou do que quer que fosse que aquela cabra tinha.
Ela abanou a cabeça.
- Desculpa, os outros são todos para mandar embora ou
para torturar ligeiramente, e há dois para possuir – Vi os seus olhos brilharem
de prazer ao dizer aquelas palavras. Aquela era a sua tarefa.
- Acho que vou dar uma volta – Suspirei.
Arrastei os pés pelo corredor. Aqueles dias eram uma
seca… A sério. Saí para o ar fresco da noite por uma das centenas de portas
laterais, mal notando os raios de sol que insistiam em furar as nuvens matinais
ou o ganir e uivar de cães e lobos… Alguns dos quais eram apenas lobisomens ao
serviço de Gustav.
Desamarrei o enorme cavalo de tracção que mantinha
nas velhas cocheiras do castelo… Negro como breu, com os olhos de um vermelho
brilhante… E o mal sentia-se à volta dele. Não era um cavalo normal, era
possível sentir o poder, a maldade… Não sabia porquê, mas sabia que era assim e
que nos dávamos bem por isso. Encaixei-lhe o enorme e doloroso Freio Duplo nas
mandíbulas, amarrei as fivelas das grossas rédeas e da cabeçada reforçada e
selei-o, com a sela de género Amazona. Depois subi.
Era diferente montar aquele cavalo. O poder ressoava
nos seus cascos pesados, enquanto ele galopava na direcção da aldeia mais
próxima, onde alguém seria vitimizado… Fortemente vitimizado…
No entanto, o sol já brilhava no céu, e isso era
sinal de caçada. Caçada matinal. E, felizmente, eu dei com os caçadores – agora
eram presas. Eu era o caçador.
Primeiro ouvi os cães, a correr e a farejar de um
lado para o outro. O enorme cavalo de tracção também os ouviu, e virou
automaticamente na sua direcção.
Caçadores são presas… A natureza no seu melhor.
Agora os cascos aproximavam-se. Mostravam-se.
Revelavam-se.
E eu revelava-me também. Por entre as folhas densas,
eu mostrava-me aos caçadores.
Eram apenas quatro – que pena! – homens de meia idade,
com alguns coelhos atados à cintura por grossos cordéis. Traziam três cães
consigo, mas eu não matava animais. Principalmente aqueles que serviam para
caçar. Levá-los-ia a Gustav, e um dos seus treinadores encarregar-se-ia de os
treinar convenientemente. Não tinham cavalos, para desgosto da minha montada.
Estacaram completamente ao ver-me, sentada sobre o
dorso do imponente animal negro, com os cabelos soltos e o vestido negro e
brilhante a resplandecer à minha volta. Fitava-os intensamente, hipnotizava-os…
Havia mais do que a mera fama que me acompanhava a pregá-los ao chão. Era o
medo. O medo e o instinto de fugir, mas também o de ficar. Eu seduzia-os com o
mais simples dos olhares. Os homens são apaixonados pelo poder, pela
magnificência e pela luxúria. Desejavam ficar e queriam fugir. Eu não lhes daria
opção, de qualquer forma. Por vezes deixava alguns escapar, depois de verem os
colegas brutalmente assassinados, para que espalhassem o mito. Hoje não. Hoje
eles iam desaparecer do mapa… E talvez os seus corpos aparecessem a boiar no
rio que percorria a cidade.
- É ela – Acusou o mais velho, num sussurro que pensou
ser-me inaudível – A ninfa! A mulher do diabo! Não deixem que vos cative,
ofereçam resistência! Talvez ela vos deixe escapar.
Ah! Escapar… Pobre homem!
- Então – Proclamei, petrificando-o – Poderás provar a
falsidade das tuas afirmações, humano. Como te chamas?
Impregnei a voz com tal veemência que ele parou de
respirar e curvou a cabeça.
- William Benson, senhora. – Balbuciou, ainda de olhos
pregados no chão.
- Que nome comum… - Matutei – Sabes quantos homens com
esse nome matei? E Benson, hein? Tinhas uma mulher, certo? Cassandra, penso…
- Tenho, uma mulher. Foi visitar os pais.
– Esclareceu, como se eu lhe tivesse pedido.
- Não, não, tenho quase a certeza que tinhas. –
Retorqui, com o olhar inocente – Aliás, acho que foi ela quem eu matei ontem.
As palavras produziram o efeito pretendido: William
dobrou-se como se tivesse levado um murro e começou a soluçar.
Nesse momento, um dos homens tentou fugir, mas eu
agarrei-o. Não, não saltei de cima do cavalo para o perseguir, isso seria
baixar o meu nível, mas pronunciei uma complexa teia de palavras que o trouxe
de volta, como se nunca tivesse partido.
- Agora – Continuei, sem olhar o homem que fugira –
Ouvi dizer que tinhas um filho. Joseph, certo?
- Não te aproximes dele – Vociferou, com o olhar
repleto de raiva a erguer-se momentaneamente.
- Oh, não tenciono magoá-lo… Talvez um pouco. –
Sorri-lhe – Acho que talvez o pudéssemos aceitar como guarda. Quantos anos tem?
Sete? Ou serão oito?
Ele não respondeu e eu desmontei.
- Bem, agora vou matar-te. Chega de conversa.
- Não! NÃO! Suplico-vos! Eu dou tudo, tudo o que
tenho! Deixai-me viver, senhora!
Ponderei por uns segundos, e depois perguntei-lhe:
- O que queres?
Ele ajoelhou-se e vergou-se, levantando o rosto por
apenas alguns segundos.
- Viver. Viver acima de tudo.
- E o que darias por isso? – Perguntei, genuinamente
curiosa. Agradava-me que me tratasse assim, que se rendesse perante a minha
figura.
- Tudo. A minha casa. As minhas roupas. Os meus
títulos. As jóias. A caça. Os cães! Tudo o que tiver em minha posse é vosso!
- E o teu filho? Não o mencionas-te…
De súbito, o seu rosto ergueu-se, gelado mas a ferver
de raiva. O seu olhar não transmitia medo ou insegurança, nem submissão.
- Preferia que me condenasses a um Inferno eterno do
que pousasses um dedo sequer no meu filho. – Cuspiu.
- Uau, determinação num homem. Aprecio isso em ti. Mas
faltaste-me ao respeito. Matar-te-ei, mas nada acontecerá ao teu filho. Ele
integrara as nossas hostes e tornar-se-á um guarda real. Tudo isto por causa da
tua determinação. Parabéns, o teu filho será alguém.
E desta feita, ele irrompeu em chamas.
Fiz o mesmo ao homem seguinte, agarrei os cães com uma
força invisível e preparei-me para o terceiro homem, mas algo mudou.
Um gemido felino e uma sombra por entre as árvores e,
depois, algo negro caiu sobre o terceiro e quarto homens, matando-os.
- Obrigada, mas eu podia ter tratado disso – Reclamei,
quando a figura negra de Celine, no seu estado semi-transformado, se ergueu à
minha frente.
- Eu sei. Mas vais ter de me ajudar. Primeiro, porque
sim. E o Gustav quer falar contigo.
- Já te disse que não…
- Eu sei mais sobre a Neida do que tu podes prever.
Quase tanto como o Gustav.
Estaquei, fitando a mulher com o sorriso trocista e
irreverente à minha frente.
- Posso arrancar-te essas informações. – Informei,
encolhendo os ombros.
-Não, não podes. Não tenho medo de morrer. Se não
morrer e tu não me ajudares, matar-me-ei.
Não respondi, por isso ela prosseguiu:
- Eu sou o animal de estimação de Gustav. Ouço-o a
falar, a cantar, a confessar-se… Eu sei tudo sobre ele. Canta bastante mal e
está a usar a Kiya. Ouvi-o falar sobre antigas paixões, sobre quem era, sobre
que é. Sabia da vinda de Sheftu antes de ti. Sei porque é que está cá. Eu sei
tudo.
- O que é que queres? – A minha voz empederniu-se.
- Sair. Sair com o meu marido. Poderás saber tudo o
que queres, se me ajudares a sair.
- Muito bem. Mas antes de mais, tenho de ir falar com
o Gustav. E ver o que aconteceu com a Sheftu.
Virei-lhe as costas, atirando algo mais antes de
montar.
- Leva esse cães a Uhmar. Ele gostará de os ver,
parecem-me bem treinados.
Celine soltou algo semelhante a um miado de protesto e
resmungou algo do género «Malditas criaturas» antes de sair da pequena clareira
pejada de corpos.
Eu tomara, súbita e repentinamente, uma decisão.
Ponderara longamente sobre o assunto, matara e verificara que as minhas
capacidades não se tinham extraviado. Havia algo na Sheftu que insistia em
manter-me desperta para ela. Algo que me dizia que éramos mais parecidas do que
eu suporia. E Gustav estava, definitivamente, a irritar-me. «Se não podes
vencê-los, junta-te a eles» conjecturara-se na minha mente. Gustav precisava de
mim para algo, e eu ser-lhe-ia obediente. Mas não tanto como fora em tempos. A
nossa relação baseara-se no poder de ambos. Administrávamos aquele castelo como
se eu fosse a filha mais velha dele, aquela que teria de impor respeito e de
manter na linha todos os seus outros filhos. Mas agora ele quebrara esse laço.
Quebrara-o quando deixara de me falar sobre tudo o que se passava. Eu era
aquele na qual ele teria de confiar sempre. Aquela que o ajudaria a decidir.
Mas eu não podia saber quem era Neida? Nem a razão certa pela qual Sheftu se
encontrava lá? Ele tomara-me por certa. Subestimara-me. Agora, eu ajudaria
Sheftu e Celine, como forma de vingança. Ele iria amaldiçoar o dia em que
decidira que eu não passava de um brinquedo… E, depois, talvez partisse.
Criasse o meu próprio jogo de vidas. Nunca é tarde de mais. Eu estava lá há
demasiado tempo.
Não me preocupei com o cavalo, sabia que, em breve,
alguém o desaparelharia, e dirigi-me de imediato para dentro do castelo, para o
sítio onde saberia encontrá-lo.
- Diz – Ordenei, obrigando-o a virar-se na sua cadeira
para me fitar. Uma gata negra, com uma grande mancha castanha de ambos os lados
do dorso, encontrava-se debaixo da sua mão. Ela ouviria tudo.
- Oh, Elizabeth. Espero que não guardes ressentimentos
de ontem à noite.
Encolhi os ombros, limitando-me a olhar com
desinteresse.
- Muito bem. Há assuntos a tratar no norte. Partimos
em breve.
- Ok- – Suspirei, virando-me para sair.
- Ah, e Elizabeth? – Interrogou, fazendo-me virar a
cabeça – Porta-te bem com a Sheftu. Não te canses.
Os meus punhos cerraram-se, e o meu olhar faiscou na
sua direcção.
- Um dia – Principiei, com a voz impassível mas os
olhos expressivos – arrepender-te-ás disso.
Ele parece confuso por instantes, mas eu não olhei
mais para ele. Fitei Celine por uns momentos, e encaminhei-me para aquele que
era o meu destino.
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