Transilvania Season - Ep 19, Sheftu
Por mais que Sheftu se recusasse a ser humana, existiam sempre sentimentos que nem ela mesma conseguia controlar: aquele humano, Eric, provocava-lhe cada vez mais sensações que há tanto tempo desconhecia existir em si mesma. Era bom que a morte viesse, era bom que esta vampira milenar morresse logo de uma vez. Tudo seria melhor do que voltar a sentir, voltar a ser frágil. Voltar a deter parte da sua condição humana.
"Never Again" by Sheftu Nubia
Porque suspiro
eu por ti? Deveria estilhaçar-me por completo apenas por pensar o quão
importante és para mim, a realidade é que a vontade aumenta a cada segundo que
passa e meu coração aperta. A saudade é o que mais me dói, o que mais me
manipula sobre os meus pensamentos. Saber que estás longe, que te perco a cada
novo momento que passa, simplesmente me mata por dentro mesmo que não o deseje
de mente.
Porque tens tu,
minha alma, de existir? Entregar-te-ia aos céus, aos confins dos infernos mais
escaldantes, aniquilaria meio mundo caso fosse necessário até que
desaparecesses de mim e finalmente fosse quem eu quero ser. Sentir é a minha
derrota, emoções serão sempre o meu pior fim. Mata-me por dentro, deixa-me
completamente morta para que mais nenhum sentimento possa sobreviver em mim,
para que minha alma morra por completo e deixe de sentir a tua falta...
Porque um dia
virá o fim, esse dia que está próximo. E eu o abraço com todo o clamor, eu o
desejo para que minha alma finalmente me abandone neste ser vazio e morto que
agora sou.
- Está tudo bem
contigo? – Perguntou-me Dora, tocando levemente no meu ombro, fazendo-me
colocar-me rapidamente em posição de ataque por não estar atenta o suficiente.
Nem tinha dado
pela sua entrada no meu quarto, nem sabia ao certo por onde andava eu...
Perdida algures... Perdida... Completamente arrebatada por aquele homem
distante, aquele homem que se aniquilará apenas na tentativa de puder voltar
para o meu lado. O único idiota que morreria, quantas vezes fosse necessário,
para que pudesse ficar a meu lado, para que nada nos separasse. Nem mesmo a sua
morte... A morte que abalaria o meu mundo e me desejaria morrer também, para
que nossas almas ou o que restasse de nós pudessem arder sobre as labaredas
malditas, permanecendo unidas, felizes sobre dor, paixão que nos alimenta e
principalmente o tão terrível amor.
- Não tem a
mínima importância de como estou hoje. – Comecei por dizer, antes de a observar
com um certo olhar de espanto. Todo o seu corpo parecia estar mergulhado sobre
manchas negras. – O que te aconteceu?
- Nada de
mais... Apenas o habitual. – Respondeu-me observando o chão, para que não pudesse
fitar o meu olhar enquanto permanecia aquele enorme silêncio acusador que tanto
conhecia. Sim, era exactamente o que tinha acontecido... O habitual.
- Se te der
algo, aceitas? – Seu olhar rapidamente se abriu surpreendido, caindo sobre o
meu, afirmando levemente com a sua cabeça, depositando confiança em mim.
Encarreguei-me de passar aquela cobra negra, a única coisa que me ligava de
Eric, à simples humana. Seu olhar estava repleto de lágrimas, seus olhos vazios
permaneciam fixos na pulseira que tinha no braço.
Não sabia bem o
que estava a fazer, rodeei a pulseira e fechei os meus olhos, sentindo fluir
algo de mim sobre as mãos. Meus olhos se abriram, seu rosto esperava
ansiosamente por palavras, eu as diria...
- O que fazes
por aqui? – Perguntou Gustav, fazendo com que ela rapidamente se afastasse de
mim, fazendo uma pequena vénia e tentando desaparecer o mais rapidamente
possível. Sim, este seria o nosso pequeno segredo.
- Isso pergunto
eu... – Comecei por dizer, mas rapidamente meus lábios se serraram a ver a
mesma mulher que me trouxera para toda esta situação – Pan, já calculava... A
que se deve esta vossa presença tão reconfortante? – Ironizei.
- Acredito que
não estás numa posição para brincares com a situação. – Acusou-me Pan,
carregada de raiva misturada com uma certa confiança, um certo sentido de
vitória.
- Acredito que
não sobrevivas muito para determinares o que eu posso ou não fazer. –
Espicacei-a, demonstrando por completo a importância que lhe dava –
simplesmente nenhuma.
- Espera até veres
o que te posso fazer... – Começou por dizer ela, sendo travada pela mão firme
de Gustav no seu braço, movimento que me trouxe recordações indesejadas que
rapidamente tentei remover da minha mente.
- Não é que
seja interessante vos ouvir com as vossas batalhas... – Disse-o, aproximando a
sua boca ao ouvido dela, com o seu tom autoritário e aristocrático que tanto
gostava de fazer. - Mas recorda-te que não estamos aqui para futilidades.
- Sim, claro. –
Respondeu prontamente, fitando-me com um olhar malévolo de quem sabia muito bem
o que se passaria de seguida.
Inconscientemente
comecei por me levantar, dirigindo-me para porta que me levava à varanda, mas
já se encontravam lá dois homens à minha espera, talvez com uns seiscentos anos
cada um, empurrando-me novamente para dentro.
- Tinhas tudo
isto pensado?
- Claro que,
sem a ajuda de Pan que tratou de diminuir bastante as forças que geralmente
tens, não foi muito difícil... – Seu sorriso em si já me irritava até ao mais
íntimo de mim, até mesmo à parte humana que eu poderia ter algures, por mais
interior que estivesse, se irritava profundamente com a situação.
- Quando
começamos? – Perguntou ela, cheia de contentamento.
- Não vais
mata-la pois não? – Perguntou ele, com um certo tom de preocupação.
- Infelizmente
não tenho a quantidade suficiente para isso... Acredito que é complicado o
conseguir. – Conseguia agora ver a mala que se abria sobre uma cadeira, eram
várias as recargas que tinha para a sua seringa especial, estaria preparada
para me matar? Talvez a morte fosse mesmo a única coisa que me fizesse bem...
Talvez tivesse sido a única coisa que poderia funcionar em mim.
- Quanto achas
que necessitas?
- Não sei...
Quando as forças lhe faltarem por totalidade, aí talvez seja o fim.
- Mas que
sangue é esse? Ou é alguma mistura com sangue? Tem um cheiro intenso, mas não o
conheço ao certo... – Perguntava ele enquanto eu começava a sentir o líquido a
seguir o seu rumo sobre o meu corpo, a cada nova dose aumentavam as
sensações... Quase que poderia jurar que se me pedissem para cronometrar o
sangue a espalhar-se, eu o conseguiria.
- Cada um tem
os seus segredos. – Começou ela por dizer. – Tal como faço o que me pedes,
deves pelo menos aceitar as minhas condições iniciais.
- Claro, eu sou
uma pessoa de palavra...
Não consegui
suportar, gargalhei com vontade às suas palavras, mas rapidamente o meu som foi
abafado pela dor que começava a aumentar cada vez mais... As doses que ela
inseria em mim começavam a surtir o efeito que ela desejava, conseguia vê-lo no
sorriso espelhado que me observava.
Cada célula
morta do meu corpo sentia sensações insuportáveis, relembrando-me por momentos
a minha transformação e morte, todos aqueles meses em que minha vida tinha sido
entregue ao pesadelo e sem que ninguém a resgatasse. Não haviam deuses que me
livrassem do suplício nem que me conseguissem salvar, estava entregue ao
infernal destino que agora teimava em entregar-me de novo sobre aquelas
crápulas mãos.
Fechei os meus
olhos fortemente e tentei suportar a ardência que parecia aumentar cada vez
mais sobre mim, não era apenas aquele sangue saudoso que me doía, acreditava
que algo mais estava a doer-me, não sabendo bem ao certo o quê...
Suspirava
intensamente à procura de uma pausa qualquer que fosse, para que por uns
momentos conseguisse habituar-me à dor ou simplesmente aceita-la. Que ela me
levasse de uma vez por todas, não havia nada que me mantivesse aqui, que eu
fosse logo de uma vez.
Minhas pernas
perderam lentamente as forças, não suportando sequer o corpo que ampararam
todos estes milénios, reclamando pelo descanso eterno que eu bem desejaria
dar-lhes, mas nada podia fazer quando a isso... Nada podia fazer quanto a tudo,
uma marioneta que seguia por aí, ao relento de si mesma e perdida bem longe,
algures pelo que a ilusão criou e fugiu. Agora, a realidade, era o que eu
tinha. A realidade... Novamente... A antiga realidade de sempre...
Meus olhos se
abriram de rompante ao ouvir um pequeno sussurro de um nome que eu conseguia
sentir, como se fizesse parte de mim... Eric... Observei os rostos que
permaneciam à minha frente, o peso sobre o meu corpo aumentava a cada batida
que o coração de Pan dava, a dor me lembraria uma segunda morte, como se minha
vida pudesse voltar novamente apenas para que tudo simplesmente tivesse o seu
fim.
Um sorriso
ouviu-se estridente sobre toda a minha alma, ao mesmo tempo que as forças do
meu corpo se tornavam escassas... A irritação que ela gerava em mim começava a
consumir-me por dentro, criando um desejo avassalador de acabar com o meu
sofrimento de uma vez, que a sua alma ardesse no inferno! Mas antes, que eu
pudesse fazê-la rastejar sobre meus pés.
Fitei o seu
olhar, firme e completamente rejubilante com a minha queda, era ela que me
provocava com aquele seu sorriso... Era ela que me entregara às mãos de Gustav,
juntamente com Ian. Um par de traidores, mentirosos, inúteis para permanecerem
vivos.
Não conseguia
mais aguentar o meu olhar aberto, tamanha a dor que teimava em queimar-me por
dentro, eu desejava imensamente que todo o meu corpo simplesmente gritasse,
berrasse, estrebuchasse... Mas não existiam mais forças para combater todo o
sangue que pulsava ardente, reclamando em mim finalmente a morte que era
realmente devida. Porque não sou eu a sua dona, e um dia ela acabaria por me
encontrar, abraçando-me alegremente pelo trabalho que lhe fiz nestes milénios.
Vem até mim e
reclama o meu corpo! Vem morte, vem! Diz-me ao ouvido todas aquelas tuas
melodias, ceifa sobre mim a vida e reclama finalmente minha alma para os
confins do inferno. E eu bem o mereço, bem o sabeis... Leva-me, liberta-me! Mas
não antes de toda a minha hora finalmente acabar...
Meu corpo se
deu aos últimos suspiros que a minha força dava, para que eu finalmente pudesse
olhar aquele rosto... Seus olhos se abriram surpresos de algo que eu ainda não
tinha consciência. Seria a minha determinação mesmo quando a hora me chegava?
- Tens a
certeza que sabes o que fazes? – Começou por dizer Gustav, num tom meio
apreensivo. Mas o meu olhar não se movia, permanecia cravado sobre aquele rosto
imundo que acabava de me afligir tamanha dor, quebrando em mim qualquer
barreira, entregando-me à morte. E o quanto ela invocava a minha alma, o quanto
ela a desejava! Eu o podia sentir, eu o conseguia combater!
- Não
compreendo... A esta altura já deveria de estar em total descontrolo, mas
consegue de algum modo aguentar a concentração... Talvez se continuar ela
poderá ficar completamente inofensiva.
- Ordeno-te que
pares, não quero que a sua morte seja aniquilada apenas porque desejas testar a
sua resistência. – O tom que Gustav soltava da sua boca rapidamente causou
impacto, não só na Pan, que começou a barafustar em surdina, como naqueles que
me seguravam...
- Deixa-a. Eu
fico responsável por qualquer consequência. – Refutou Kiya, certamente entrando
de rompante sobre o quarto.
A sua voz me
trouxe certas recordações e quase que podia jurar que sentia saudade de a ter
em meus braços, dando-lhe uma vida livre de tudo isto, mudando assim o passado
para que tudo pudesse ser a utopia que criara num passado demasiado distante...
E eu ouvi o
gargalhar estridente de Pan, inserindo mais uma vez em mim parte do veneno que
tão bem conhecia... Se a morte viesse, não desejaria eu outra... Mas antes
havia algo a ser feito... Nem que custasse todo o meu ser, toda a minha força.
Eu iria conseguir por mais que tentassem me impedir. O fim estava próximo...
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