Transilvania Season - Ep 5, Elizabeth
O primeiro episódio desta nossa nova bruxa. O que ela nos
terá para mostrar? Existiam bruxas que faziam toda a sua vida pertencer ao
equilíbrio dos tempos, outras que se tornavam negras, vazias por dentro… E
existia a Beth, o que ela seria? Apenas uma bruxa que vive num reino? Ou
simplesmente ainda não tivesse encontrado o seu devido lugar…
"Does It Hurt?" by Elizabeth Wood
Percorri a rua calcetada livremente, vendo todos os
campónios afastarem-se e tremerem sob o meu olhar.
Naquela zona, chamavam-me muitas coisas, como Demónio
e Mulher de Satanás – O que não chegava sequer aos calcanhares daquilo que eu
realmente era: Uma bruxa zangada e ansiosa por vingança e sofrimento.
E havia uma razão para pensarem aquilo, e não era por
ser anormalmente bem-parecida, mas sim porque cada vez que um daqueles seres
imbecis se punha à minha frente, sentia o estômago em chamas.
Por isso, naquele momento, mãezinhas gordas e
enroladas em xailes horríveis empurrávamos seus fracos filhos para dentro de
casa e fechavam as pesadas portas de madeira, de onde pendiam grossas correntes
com uma grande Cruz de Prata –E acreditem que eu já pensara seriamente em
arrancar uma daquelas portas e matar-lhes os filhos, para ver se deixavam as
crenças idiotas.
Mas nem me ia dar ao trabalho.
Eu até poderia ter um aspecto normal, se eles não fugissem
de mim…
Mas um vulto veio perturbar a minha calma, uma luz que
irrompeu sabe-se lá de onde e que encheu todo o meu campo de visão.
Um rosto suave e sorridente olhou-me. Os longos
cabelos loiros a flutuar à minha volta, os olhos meigos a confortar-me e…
- Elizabeth!!!
Acordei sobressaltada.
Anne, uma vampirita maníaca psicótica e (extremamente)
irritante entrou no meu quarto.
Ao meu lado, uma almofada irrompeu em chamas.
Ela deu um passo atrás, mas voltou a chegar-se à
frente e falou, com a sua vozinha espevitada e enérgica, que me dava náuseas.
Sinceramente, não sabia porque é que Gustav a mantinha ali.
- Chegou um “convidado”, o Gustav quer que lhe dês o
nosso “tratamento” de boas vindas.
Praticamente pela primeira vez na vida, o que ela disse
interessou-me.
- Hum… Eu? – Para ele me ter pedido a mim,
tinha de ser importante – Porquê? Quem é?
- Não sei, um rapaz qualquer… Provavelmente mais um
“amigo” fora de lei… Ou que o tentou matar…
- Anne, pára de usar essas palavras, não te basta: capturado,
tortura e inimigo?
Ela baixou a cabeça e afastou-se.
Eu sentia-me bem assim, aquela sensação de que era
respeitada e temida e…
E era tal como o meu sonho! As labaredas ao meu lado
intensificaram-se, deixando as línguas de fogo a lamber os meus ombros e as
minhas costas, sem me provocarem qualquer lesão.
Ondas de raiva percorriam-me, intensificando e
diminuindo o fogo que se espalhara até me afagar a nuca.
Aquele sonho não deixara de me assombrar, desde que me
mudara para perto do Gustav e esquecera tudo o que poderia restar de compaixão
ou amor pelos homens, recordando-me o meu lado frágil e dócil, aquele que
vivera com a minha mãe…
Pensar naquilo provocou-me ainda mais raiva,
desencadeada pela dor que não devia sentir naquele momento, e isto foi-se
alimentando até toda a divisão estar a arder, transformada num verdadeiro
inferno – Pensando melhor, Mulher de Satanás poderia representar-me.
Ao longe, ouvi alguém correr no corredor e
aproximar-se do quarto onde estava.
Celine, uma mulher que ninguém sabia bem o que era,
parou à minha porta, e estava decidida a entrar, ideia da qual desistiu ao
observar as chamas elevarem-se na sua direcção.
- Isto é uma idiotice, Elizabeth! Quantos quartos
terás de queimar até deixares essa estupidez dos sentimentos!?!
Olhei-a, furibunda, mas à minha volta as chamas
extinguiram-se, deixando apenas uma armação de ferro onde estava sentada e um
grande monte de cinzas.
Levantei-me e sai, recusando-me a olhá-la.
Depois de percorrer centenas de corredores intricados e
húmidos, desemboquei na grande sala de entrada, onde um bruxo grande se
encontrava, por detrás de um homem (Ou assim o supus) mirrado e velho.
O bruxo não fazia nada, aparentemente, mas o homem
debatia-se como se estivesse amarrado. O seu cabelo estava coberto de sangue e
cara de suor, os olhos transmitiam desespero e os braços tremiam.
Sorri ao bruxo e rapidamente o homem deixou de se
debater, como se tivesse sido libertado.
Inspirei longamente o ar e libertei-o, cansada.
- Quem és tu? – Perguntei, fortemente, ao homem, que
ainda tremia.
Ele tentou falar, mas a sua garganta estava seca
demais, por isso, o bruxo respondeu por ele.
- Um homem que perseguia Gustav, por ter Criado a sua
mulher.
Deitei-lhe um ar de desdém.
- Só isso? Bem, deves ter feito isso muito bem, para
teres direito a mim.
O homenzito cuspiu debilmente para o chão a meus pés.
Os meus olhos relampejaram na sua direcção.
- Valente, hein? – Franzi-lhe o sobrolho – Sabes,
cometes-te um erro, meu querido.
Concentrei-me, fechei os olhos e agarrei a pulseira
que trazia no pulso.
Quando os abri de novo, o homem estava deitado a meus
pés, a sufocar e agarrado à barriga, onde o seu fígado estava a sofrer tanto
como se lhe tivessem derramado plástico derretido em cima. Senti que ele ia
desfalecer, e em breve morrer com tanta dor, o que não era de todo a minha
função. Bastou-me mais um pensamento para que o seu coração, cérebro e todos os
outros órgãos funcionassem como se nada se passasse, embora as dores
permanecessem – Era isso que ficava sempre, a dor.
- Mato? – Perguntei, calmamente, ao bruxo.
Ele acenou, mas acrescentou.
- Ele quer que ele sofra, perguntei-lhe quanto tempo,
e respondeu-me que todo o que fosse preciso para que rastejasse como um cão aos
nossos pés.
- Oh, isso é fácil, observa-me.
No momento em que proferi isto, o homem aos nossos pés
rebolou-se, engasgou-se e vomitou sangue.
Comecei a rir-me ligeiramente, enquanto via o que
sofria, enquanto sentia o meu calor invadi-lo.
Às tantas, entusiasmei-me tanto que ele pareceu
mirrar, os olhos a rebolar nas orbitas, as mãos a tremer violentamente, mas
ainda assim, o coração batia como se nada fosse.
Eu ria-me loucamente, divertida com o espectáculo e
com aquela sensação de desespero, dor, incineração… Tudo o que sabia que a
minha mãe tinha sentido.
Alguém começou a aproximar-se de nós, mas eu não
liguei, estava demasiado ocupada, a divertir-me como não o fazia á… Três dias!
- O que estão a fazer? – Ouviu-se Celine, atrás de
nós.
- O que julgas tu que estamos a fazer? – Respondi,
ainda a rir.
Ela aproximou-se mais de nós, até estar junto ao meu
ombro.
- E posso ver quem é o infeliz? – Perguntou.
- Infeliz? Infeliz é pouco! Não há palavras para
descrever o que ele é neste momento! – Desviei-me ligeiramente, deixando-a
apreciar o espectáculo fascinante.
Ela avaliou-o por uns segundos e, em vez do esperado
aceno afirmativo, ela soltou um guincho.
Desconcentrada, virei-me para ela, soltando o homem
trémulo, que vomitava.
- O que foi? Não gostas? Pensei que fosses fã de
provocar os mais fracos…
Ela não respondeu.
Tinha os olhos marejados de lágrimas e tremia
ligeiramente, ao ver o homem.
- Q…Quem foi que vos mandou fazer isto? – Perguntou,
aos soluços, embora estes ocultassem a raiva.
- Qual o teu problema? – Inquiri.
- QUEM FOI? – Estava desesperada, a chorar e a soluçar
violentamente.
- Gustav, foi Ele que nos mandou fazer isto.
Ela mordeu o lábio inferior, até que este sangrou.
- Sabes onde ele foi? Ou se está cá?
- Não – Limitei-me a encolher os ombros – Ou saiu, ou
está no quarto dele ou está a fazer o que bem lhe apetecer.
Ela acenou, virou-se e estugou o passo em direcção ao
lado oposto da sala.
Voltei-me para o homem, que parecia descansar sobre o
seu próprio vomitado, e ia preparar-me para lhe infligir mais uma dose de
queimaduras, quando Celine se voltou.
- Não. Te. Atrevas. – O seu olhar estava colérico.
- Desculpa? – E agora não o podia torturar? Mas
afinal, quem era ela para me dar ordens? – Não me vais afastar a diversão,
querida.
O homem começou a contorcer-se de novo, e eu
lancei-lhe um olhar provocador.
- Então? Achas que não?
Com uma velocidade impressionante, Celine atravessou
os vinte metros que nos separavam e atirou-se para cima de mim.
Voamos sete metros para trás, e senti qualquer coisa
aguçada espetar-se violentamente no meu pescoço. Na sua expressão, detectei uma
certa expressão felina, incluindo no cabelo que se levantava estranhamente.
Sufoquei ligeiramente, contorcendo-me por ar, mas
segundos depois ela retirou a mão do meu pescoço, observando a enorme
queimadura na mesma.
Encostei a mão à ferida e murmurei umas palavras que
tinha memorizado, depois, atirei-me para cima dela e prendi-lhe os braços ao
chão.
As minhas mãos ferviam, provocando-lhe queimaduras
inúmeras em todos os lugares que tocavam.
- Mulher-Gato? Olha que coisa tão original! –
Ironizei, revirando os olhos. Em resposta, ela soltou um ligeiro rugido. – Não
era suposto miares?
O seu corpo agitava-se em diversas convulsões,
tornando óbvio que já começava a desfalecer.
- Muito bem feito – Ouviu-se um bater de mãos no outro
lado da sala – Mas agora podes largá-la Elizabeth, acho que agora já é
inofensiva.
Gustav aproximou-se de nós, calmamente e a sorrir.
Saí de cima dela.
- Sabes porque reagiu assim? – Inquiri-lhe.
- Sei – O sorriso permanecia-lhe – Mas não acho
necessário que saibas já.
- Assim como não achas-te necessário que soubesse o
que ela era? Sabias, certo?
- Sim, sabia, e não, não achei necessário.
- Porquê…? – Olhei-o friamente.
- Porque sei da embirração que tu tens com gatos. –
Limitou-se a dizer.
- Oh, claro! O facto de eu odiar esses estereótipos
parvos não quer dizer que não viva com eles.
- Não achei necessário que soubesses. Ponto. Agora
ajuda-me a levá-la para uma cama.
Pegou-lhe nas mãos.
Revirei-lhe os olhos.
- Vocês vampiros são mesmo tapados, não são?
Proferi mais umas palavras e o corpo elevou-se no ar,
à altura dos meus ombros.
Ele sorriu.
Começamos a caminhar devagar, de direcção ao quarto
mais próximo.
Um grito rouco ecoou por trás de nós, fazendo um eco
ruidoso, e eu deixei Celine cair ao chão imóvel.
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