Inverness Season - Ep 27, Sheftu
Sheftu encontrara pelo seu caminho um caçador bastante
conhecido, Carmen saberia que ele estava por perto? Claro, provavelmente fora
ela que o trouxera. Mas ela não estaria preparada para o que iria descobrir…
Estaria?
“Back To Always” by Sheftu Nubia
Minha mente sentia-se livre para viver este velho eu, que
tentava ganhar agora terreno sobre todas as minhas defesas, deixando que as
horas de um passado distante fossem apenas memórias distantes de um mau viver.
Porque houve uma hora em que era humana, a mesma que me fez ser quem sou hoje
através de todos aqueles maus momentos. Acredito que será difícil não me
lembrar de mim, sentir ainda na pele o sofrimento que agora usava como arma.
Minha mente rapidamente captou o som da porta a abrir-se em
conjunto de alguma batida cardíaca não totalmente desconhecida, mas não era a
de Eric. Meu transe rapidamente se suspendeu e meu corpo moveu-se numa questão
de segundos até ao ser que permanecia imóvel à sua entrada, observando-me.
Ainda me sentia meia apreensiva pela sua entrada tão inesperada.
- Dá-me uma razão para ainda estares vivo. – Afirmei.
- Aguento-me bem à tortura. Para além de ter uma costela da
sorte. – Respondeu-me irónico, o que me divertiu um pouco e tive de controlar
para não mostrar um sorriso. Este tinha garra, lembrava-me de alguém que
conhecia bastante bem...
- A Carmen não está cá, tem cuidado...
- Não preciso de ama-seca. Aguento-me bem contigo, já matei
piores que tu.
- Tens atitude, gosto disso. – Comprovei, observando o seu
porte, enquanto o rodeava lentamente em busca de algum ponto fraco.
- Então parece que tens bom gosto. – Concluiu ele sorrindo,
fazendo-me sorrir também. O que estava ele aqui a fazer?
- O que te traz por aqui?
- Estava com a Carmen mas Eric parecia querer falar com ela
sobre algo e eu tive que desaparecer. Consegues ouvir o que eles estão a dizer?
– Questionou-me curioso com a conversa que estava a decorrer noutra parte da
casa, tal como eu...
- Posso fazer melhor que isso... Deixa cá ver... –
Aproximei-me dele e segurei as suas mãos com as minhas, concentrando-me em
ouvir o que se passava no outro quarto.
- Espera! Que pensas que vais fazer? – Respondeu-me,
afastando-se com rapidez e fazendo-me sorrir.
- Calma. – Sentei-me na cama e esperei paciente que ele se
aproximasse. – Acredito que queiras saber o que se passa na outra sala, do que
devem estar a falar.
- Concluis bem, mas como pensas fazer isso? – Perguntou-me
ainda desconfiado.
- Não te preocupes que não te mordo... – Sorri, permanecendo
certa de que nos daríamos bem. – Confias em mim?
- Bem, porque não haveria? – Respondeu-me prontamente,
aproximando-se.
- Talvez porque eu sou uma vampira e posso despedaçar-te em
momentos. – Relembrei-lhe com um olhar animado.
- Ah, certo... Vou fingir que tenho medo disso. – Desafiou-me,
aproximando-se e esticando as suas mãos.
- Agora, fecha os olhos e concentra-te no vazio. –
Disse-lhe, segurando as suas mãos quentes às minhas. – Dentro de momentos irás
viver um momento de outro ser... Um ser morto. – Conclui, sorrindo levemente e
concentrando-me também.
Quando meus sentidos se ligaram aos dele finalmente
começávamos a ouvir algo. Podia confessar que na realidade ouvir o que estes
dois diziam um ao outro era algo que me interessava bastante, um certo
sentimento de ciúmes começou a latejar-me na cabeça e senti uma mão a apertar a
minha – certo, concentração.
- Se me escondes alguma coisa eu preciso de saber. –
Perguntava Eric, mantendo-se um silêncio mortal entre os dois. Mas o que queria
ele dizer com isso? Ela não tinha dito nada, do que estava ele a falar?!
- Não! Porque raio achas que deves escutar tudo o que
se passa na minha cabeça? Tu devias saber melhor do que ouvir os meus
pensamentos. Não tens direito de escarafunchar na minha mente!. – O
QUÊ?! MAS COMO ELE TEVE A ESTUPIDEZ DE ME ESCONDER ISTO?! Minha mente
gritava, berrava, enlouquecia... Jamais aceitaria que alguém me escondesse algo
de mim assim, não podia ser! Eu não queria permanecer aqui nem mais um minuto.
Ouvi os seus passos seguirem em nossa direcção, abri os meus
olhos e afirmei a Dean as minhas intenções, seguindo-se de uma resposta
afirmativa. Concentrei-me novamente e levei-nos o mais rapidamente possível
para longe de tudo isto, tentando fazer com que Eric perdesse o rasto, usando a
minha rapidez para que a distancia se tornasse cada vez maior, bloqueei minha
mente e apenas vivi como um ser não pensante até que estaria a vários
quilómetros da casa, podendo assim descansar.
- Uau... Isto foi fantástico! Como consegues fazer isto? –
Perguntou-me Dean todo animado, ainda um pouco ofegante pela energia que tinha
desperdiçado em manter-se ligado a mim.
- São uns truques que aprendi antes de ser transformada,
fizeram isso comigo uma vez quando ainda era como tu. – Contei-lhe.
- Bem, acho que deves estar um caos...
- Já vivenciei coisas bem piores do que uma estupidez
destas. – Respondi sem vontade, sentando-me encostada a um tronco de árvore.
- Sabes que ele foi um idiota em fazer isto. Eu nunca gostei
dele, mas é verdade, ele não devia ter feito isto. Confiança é algo demasiado
importante para se por em risco assim. – Tentou acalmar-me. Ele sabia mais ou
menos como tinha sido a minha reacção pois estávamos ligeiramente ligados
quando eu vivenciei aquele ataque de raiva. Sua sorte, e minha também, foram
todas aquelas horas de relaxamento que tinha experimentado hoje.
- Isso não tem importância. Há mais coisas que tenho em
mente, coisas essas que me tendem a preocupar mais. – Não sei porquê, mas
sentia que podia confiar nele, talvez pela sua vertente louca ou pela sua
coragem. Atributos de caçador, mas via-se que não era apenas isso, sua própria
forma de ser era o que eu mais compreendia.
- Se for algo que eu possa ajudar... Sei que supostamente
somos inimigos mortais, mas como ando ultimamente a fazer muitas excepções, se
necessitares podes ser uma delas.
- Obrigado.
- De nada. Sempre às ordens! – Respondeu-me após um longo
momento, levantando-se e seguindo rumo ao local de onde partimos.
- Espera. – Pedi-lhe, segurando-lhe rapidamente o braço,
ponderando ainda se devia realmente revelar-lhe as minhas ideias.
- Sim? – Perguntou-me curioso após um longo momento em que
eu simplesmente continuava calada.
- Acho que me podes ajudar em algo... Tenho a sensação de
que poderei estar à beira de uma ameaça e necessito de aniquila-la antes que
seja tarde demais... – Falei tão rápido que não tinha a certeza se ele tinha
captado alguma coisa do que eu tinha dito, mas pela sua expressão parecia que
afinal subestimava um pouco as suas capacidades.
- O que tens em mente? – Perguntou-me cauteloso, o que era
normal quando se preparava para ter algo relacionado com uma sugadora de sangue
como eu.
- Bem, eu tenho uma meia-irmã... Ela é meia humana, e a
outra parte vampira. Tive uma visão de que ela tentará matar-me novamente, logo
tenho de mata-la primeiro e é aí que necessitarei da tua ajuda...
- Okay! Eu ouvi bem? Isto é demasiada informação, tens
visões? – Parou por uns momentos talvez para pensar ou então assimilar as
informações que lhe dava. – Então e como o queres fazer?
- Bem, quero uma morte rápida e que não permita qualquer
rasto dela. Como deves calcular por certas desavenças e certos momentos do
passado não o posso fazer pelas minhas próprias mãos. Alinhas? – Perguntei
ainda meio cautelosa... Queria ter a certeza de que ele não sairia mal de tudo
isto, apenas traria ainda mais atenções para cima de mim.
- Okay... Alinho. Que queres que faça? – Perguntou-me
ligeiramente entretido com a situação, sorri e pensei por uns momentos quais os
primeiros passos que deveriam ser dados. Tínhamos de ser cautelosos e programar
tudo isto muito bem, para que nada pudesse correr mal.
- Primeiro necessitamos de arranjar um plano perfeito para
que consigas sair vivo de lá. Ela jamais estará sozinha e nas imediações
estarão sempre variados vampiros em seu redor. Por isso temos de arranjar uma
forma de a tirar de lá.
- Certo. Eu farei toda a investigação possível sobre o
assunto e depois acabaremos com este problema. – Concluiu a minha linha de
pensamento... Ah! Mas faltavam alguns detalhes...
- Talvez o melhor seja deixarmos uns dias passarem até
voltarmos a falar sobre isto, para que ninguém descubra. Quando eu reunir mais
informações aviso-te e nos encontramos novamente num outro local. As paredes
têm ouvidos.
- Okay, até uma próxima então.
- Até uma próxima... – Acenei, sorrindo. Agora seria a hora
de pensar para onde iria, a mansão era o último local que queria ver à minha
frente.
O dia não demorou muito a se erguer, fervendo em meu sangue
com os seus raios e a minha angústia, sem rumo aparente a seguir, deixei-me
levar... Os dias quentes já se faziam notar, que me recordavam levemente os
tempos em que meus pés pisavam sobre as areias que tanto me fizeram crescer.
Caminhei pelas ruas o mais discretamente possível, ainda com
uma irritação amarga na mente, desejando tamanha destruição que nada nem
ninguém conseguiria acalmar-me. Desgostosa a hora em que omissões nos espetam
pela morte adentro, deixando que cada parte de nos se torne um vazio eterno
pelas mágoas sem fim. Meu coração se abriu e despedaçou-se em mil pedaços
daquela morte que sou.
Omitir é traição, jamais admito traição, por mais leve que
seja. Enquanto minha mente manter-se viva e permanecer quebrada perante a
memória que me abre feridas antigas, que me deixa completamente à nora
novamente nesta minha jornada pelo nenhures do para sempre. Eu, apenas eu e
mais nada. Sentimentos de nada servem, dores permanecem bem vivas e quebram
cada pedaço de mim a cada abertura da minha caixa de Pandora, do meu passado,
da minha morte.
Enquanto permanecia sobre a minha mente, não vi que me
detinham com uma faca apontada a mim. Observei-o bruscamente, captando o seu
olhar e observando a sua face, com a felicidade de conseguir atingir o seu
objectivo: roubar-me.
Desviei-me dele e segui caminho na maior calma humanamente
possível, não era hora nem momento para me divertir. Necessitava de descanso,
de me acalmar. Não seria com umas quantas mortes que conseguiria ter algum
resultado, apenas me libertaria e a destruição se espalharia por todos aqueles
que hoje caminham, felizes, pela luz do sol.
Rapidamente o homem se fez acompanhar por outros dois,
deixando-me assim encurralada entre uma suposta caça. Mas não era a preza que
caçava, pequenas lebres se juntavam para tentar capturar a sua morte através de
mim, umas vidas que se poderiam esfumar apenas com um movimento certeiro em
cada um.
Vendo bem, não haveria qualquer mal em limpar a cidade
destes predadores de quinta categoria. Apenas bastava encontrar algum local
onde os olhos humanos não me observassem.
Sorri levemente enquanto conseguia escapar dos seus
cúmplices, caso quisessem que a morte os levasse, seguir-me-iam. Se fossem
inteligentes, estariam vivos pelas próximas horas, sem sofrimentos nem
opressões, nas suas pequenas vidas de ladrões de rua. Porém, não seria a inteligência
grande conselheira deles, caminhavam para a morte e pensavam que os custos
seriam poucos perante os ganhos.
Eu sei que aparento ter bastantes bens, visto que nenhuma de
nós, vampiras, nos damos ao trabalho de esconder nossas posses. Talvez, se não
vestisse tais roupas, aparentemente caras, eles estariam salvos da morte. Era
grande a ganância, grande o castigo.
Já estávamos próximos do local onde Eric me tinha levado,
era perfeito para as suas vis almas serem trituradas pelas trevas que sempre
pensavam que era deles a sua posse. Estupidamente continuavam a seguir-me,
parei meus movimentos e suspirei. Teria de ser rápida, sem qualquer
cerimónia... Ou poderia divertir-me com a situação e espairecer um pouco,
enquanto limpava o mundo de seres tão desprezíveis: ladrões e, pior que tudo,
homens.
- O que se passa boneca? – Perguntou-me um deles, sendo
seguido de sorrisos animados dos seus companheiros.
- Não sei porque te deste tanto trabalho a seguir-me...
Parece-me que queres encontrar a morte, eu indico-te o caminho. – Respondi-lhe,
virando-me em sua direcção e sorrindo ao de leve, para que não notassem
as minhas presas antes do tempo, a altura de as verem eram cruciais na minha
diversão.
- Tens a certeza? Eu ainda não recebi nenhum bilhete de
avião para lá... – Respondeu sorridente, aproximando-se de mim e cheirando o
perfume do meu cabelo. – Tens um cheiro estranho no cabelo, mas parece que já o
senti algures, como se não fosse totalmente desconhecido.
- Pois, para vocês humanos todo o sangue é igual. –
Respondi, sustendo uma gargalhada perante a expressão do homem.
Esperei mais um pouco para que a reacção deles se tornasse
mais consciente, até que um começou a correr pelo jardim dentro. Dei uns
segundos para que os restantes começassem a correr também, mostrando assim as
minhas presas, não que as fosse usar porque não havia qualquer vontade de me
infestar com o sangue deles, apenas para que o medo fosse maior, para que cada
segundo enquanto vivessem os últimos momentos, sentissem toda aquela dor e sofrimento
que provocavam aos outros, tal como eu sentia a cada morte que me atravessava
pelas mãos.
Pelo menos sofreria toda a minha morte, mas com a certeza
que cada vitima minha sofreria tal e qual, para que cada segundo em que minha
morte me doesse, pudesse ser sentida por alguém nas horas em que tiraria a vida
a alguém.
Miseráveis não são aqueles os que morrem, não são aqueles
que não vivem pois já não são seres vivos. Miseráveis são aqueles que não
sentem nem fazem sentir, esses sim, deveriam sofrer e viver consoante o que
pensam ser justo. A esses sim, morte para eles...
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