Inverness Season - Ep 7, Sheftu
Sheftu não podia acreditar a incrível capacidade que Carmen tinha de trazer confusão em qualquer lugar onde estivéssemos. Como podia ela acreditar que aquele cão pudesse ser de confiança, principalmente depois de todos os problemas ao longo destas décadas.
“Feel It” by Sheftu Nubia
Entrámos na casa e sentia-se bem a tensão que permanecia,
era mais simples se nos livrássemos logo de uma vez deste animal de estimação,
mas não, Carmen queria sempre sentir-se bem... A sua parte humana permanecia a
desejar que tudo corresse pelo melhor, a sua ansiedade por uma boa vida chegava
mesmo a enojar-me. Ela tinha de encarar e enfrentar que o mundo não era o que ela
sonhava e, muito menos, tentar constantemente desculpar-se com boas acções
idiotas e sem fundamento.
Ela não tinha consciência do que aquele lobo poderia fazer?
Estaria tão cega pela necessidade de ter atenção que nem tomava consciência do
perigo? Ou talvez nem se importasse com o perigo, querendo mesmo que ele
surgisse e a estatelasse... Era uma mente estranha, até no maior dos perigos
nada fez, permaneceu no Hummer à espera que fosse totalmente esborrachada.
O rafeiro tinha feito uma forte ligação com ela, poderia ver
isso e era mais uma prova de que os problemas teimavam em estar constantemente
de mãos dadas com ela. Ou então ela os procurava a toda a hora. Apanhada por
mercenários, ir ter com o caçador que, pelo que parece, tem como seu principal
objectivo tratar de dar uma morte final e devida a ela, além de muitas outras
ocasiões em que a sua sede de ser algo que não entendo bem, de querer ter e ser
o que não existe mais para pessoas como nós. Vivia numa utopia de estupidez e
desgraça, sem vida, atrás dos sonhos sem que realmente os tenha...
Sei que a minha morte também não era nada de ser desejável,
mas mesmo assim... Tinha pelo menos consciência do que é, e também aceito quem
sou e faço questão de viver a minha morte como ela é. Sempre o fiz nestes
últimos três mil anos e continuarei, por mais que teimem em fazer com que a
minha morte seja afectada.
Ela tinha seguido para uma das portas que estavam na
entrada, não quis segui-la e observei Samantha, que entrava numa outra porta
que estava mais à frente. Decidi ver se conseguia convencê-la de que o rafeiro
era um perigo para nós, sempre seria mais uma aliada perante toda esta loucura.
Parecia ser uma espécie de sala de jantar, Samantha
observava a parede de vidro que dava para um jardim na parte de trás da casa.
- É lindo não é? – Perguntou-me Samantha, continuando com os
seus olhos sobre o vidro.
- O quê? – Perguntei meio desnorteada.
- Tu e o... Eric. – Respondeu com um pouco de cuidado.
- Mas do que estás a falar? – Perguntei completamente
baralhada, tocando no seu ombro.
- Tu sabes do que falo... – Virou-se para me encarar com um
sorriso e prosseguiu. – Eu vi da forma como olhavas lá fora para ele quando os
ordenaste que parassem. Não precisas de negar a mim, podes negar-te a ti mesma,
mas a mim não podes negar.
- Não compreendo do que falas.
- Eu compreendo tudo isto, agora que vi... Afinal não somos
tão diferentes. Eu reencontrei o Lois quando desapareceste do Vaticano. –
Confessou-me com um sorriso enorme.
- A sério? Mas como?
- ELE É UM CÃO! – Ouvimos o som estridente da voz de Eric
que se ouvia pelo que parecia ser uma cozinha.
Segui rumo à porta fechada do outro lado da mesa e abri,
caminhei um passo e permaneci imóvel. Samantha entrou e ficou do meu lado
calada, observando tudo o que se passava. Eric olhou de relanço para nós, mas
não pareceu estar consciente, a raiva tinha-o cegado. Apenas permanecia imóvel,
senti-me congelada e uma mão agarrou a minha – Samantha tinha reparado na minha
reacção – eu apenas deixei-me estar.
As palavras de Eric tinham dado resultado, o rafeiro
mexia-se e rosnava profundamente. Carmen observou-o mas não teve consciência de
que estávamos a observar tudo. Vi no olhar dela uma certa apreensão, estava
entre a espada e a parede, que teimavam em tentar destruir-se pela eternidade.
Não era um lugar fácil de se estar, mas ela mesma tinha pedido tal coisa.
- Chama-me cão, mais uma vez...- Rosnou, continuando. - E
apanharás os teus dentes do chão!
Eric também estava furioso, se nada fosse feito ainda
haveriam graves problemas. Fiz menção de dar um passo para eles, mas a mão que
me segurava puxou-me para trás. Observei-a e ela me dizia para que ficasse fora
disto. Como poderia Samantha tornar-se minha aliada de uma forma tão estranha?
- Cão! – Disse Eric calmamente, apesar de ter aparentado que
fosse gritar e despejar toda aquela fúria para fora.
O rafeiro empurrou Carmen contra um balcão, fazendo-a perder
o rumo, agarrando Eric e empurrando-o para a parede. Rosnava intensamente
enquanto eu observava a expressão de Eric de total alegria pela fúria que tinha
despertado no seu inimigo, ele teria algo na manga pois não mostrou qualquer
sinal de fraqueza. Esperava apenas o momento ideal para o fazer, só podia ser
isso. Ele olhou para nós e sorriu levemente, focando-se de novo no cão que
tentava esborrachá-lo contra a parede.
- CHEGA! CHEGA! – Berrou Carmen, colocando-se entre os dois,
tentando empurrar o rafeiro sem qualquer efeito. Colocou as suas mãos no peito
daquela coisa e respirou profundamente, continuando. – Pára, Vladimor!
- Sim, quieto rafeiro... - Esfuziou Eric.
- Isso aplica-se a ti também. - Disse a Eric, afastando-se
dele fitando-o. – Ele fica, se tens problemas... Vai-te embora!
Virou-se para a porta, sendo seguida pelo cão.
- Se querias um animal de estimação, porquê que não chamaste
o Dean? – Ironizou Eric, fazendo-a parar na porta, não parecia ter gostado nada
que ele tocasse naquele assunto. - Ao menos o seu sangue dá para beber.
Voltou-se para ele, reparando na nossa
presença. - És um idiota! – Disse-lhe com repugnância, continuando o
seu caminho.
Aí Eric virou-se para nós, focando o seu olhar na mão que
Samantha ainda segurava. Ela pareceu reparar e retirou-a com uma certa rapidez.
- Bem, acho que vocês necessitam de falar... Se não se
importam, eu vou andando... – Disse, dirigindo-se em direcção à porta.
- Espera, eu com ela tenho todo o tempo do mundo para falar.
Mas preciso de te mostrar uma coisa...
- Como? – Perguntou Samantha surpreendida, parando mesmo ao
seu lado e a observar-me, certamente com um certo receio que eu pudesse ter...
Bem, ciúmes...
- Por mim tudo bem. – Respondi, saindo da cozinha,
assegurando a ela que tudo estava bem.
Mais uma vez estava neste hall, onde o jardim constantemente
me captava toda a atenção. Dirigi-me de novo para as minhas rosas, senti a sua
suavidade sobre a pele dos meus dedos e fechei o meu olhar. Eram demasiados
sentimentos, demasiadas mudanças, novidades a mais para quem não quer sentir
nada disto.
Era um pouco egoísta, mas gostava de apenas conseguir pensar
nesta flor. Sentir o seu cheiro, ver o seu tom claro, deixar-me embeber por
toda a harmonia que ela me transmitia cada vez que sentia-a em minhas mãos.
Toda a minha morte tinha sido abençoada por esta flor tão
simples, até na morte de minha mãe enquanto dava à luz um monstro que abracei e
tentei amar, sem grande sucesso. Rosas eram algo que a minha mãe adorava,
sempre me dava uma rosa branca em cada aniversário, desde que os deuses lhe
tinham dado a sua pequena menina.
As memórias eram sempre dolorosas, a minha morte tinha-se
baseado apenas no presente. O passado era apenas algo amargo que tinha deixado
para trás desde que tudo acabou, sendo abandonada pela única pessoa que eu
carregava em mim como se fosse do meu próprio ventre. Mas desde que Kiya me
deixara, tudo o que era humano começou a fazer parte apenas do passado.
Quem diria que um dia ela tentaria matar-me iludida pelo seu
próprio pai, desejando ficar com o seu amor eterno. Aquele carrasco não
sentiria amor por ninguém, eu bem vivi os meus últimos momentos de humana sobre
as suas constantes torturas, constantes promessas que nunca me alegraram.
Pergunto-me por onde estará agora...
Mas a verdade é que todos aqueles dias de vida,
principalmente os meus últimos, me mostraram que nada nos serve a não ser a
nossa forte convicção de que um dia conseguiremos avançar e sermos quem
queremos ser. Fugi, nunca parei de correr até que o meu nome fosse temido por
ele, mas houve alguma diferença desde que Kiya se voltou contra mim, aliando-se
a ele. Que cartas teria ele na manga?
Senti a presença de alguém, abri os meus olhos e continuei a
sentir a rosa sobre os meus dedos. O aroma de Carmen tinha infestado o hall, a
sua presença chegava-me mesmo a afectar demasiado. Pensei nas palavras da
Samantha, seriam mesmo ciúmes?
- Não aguentaste, pois não? – Disse-o finalmente.
- Desculpa?
- Não te faças de tonta, sabes muito bem do que falo.
- Não sei não. – Negou.
- Já o fizeste quando deixaste apanhar por mercenários,
quando foste ter com o Dean, quanto te deixaste ficar no carro enquanto destroços
caiam em cima... – Tentei relembrar-lhe os factos...
- Tens alguma ideia concreta? – Questionou-me, sem entender
minimamente no que eu falava. Pelo que parecia nem ela mesma tinha consciência
do que ela vivia, ou simplesmente não queria saber disso...
- Tu tens que ter os holofotes em ti, Carmen. O
espectáculo tem que ser só sobre ti. Gostas de atenção! – Tentei mostrar o meu
ponto de vista.
- Oh entendo... Ainda estas picada por eu já ter comido o
Eric... Posso tentar pedir desculpa se te faz feliz...
A sua afirmação simplesmente irritou-me, sem que desse conta
acabei por dilacerar a flor que tinha sobre os meus dedos. Tentei tomar
novamente o rumo da conversa sem que os seus momentos me afectassem muito.
- Não tem nada a ver com...
- Não? Óptimo, então esta conversa inútil tem um fim. –
Disse, interrompendo-me.
- Se achas que esta tua revoltazinha teve algum interesse,
não teve!
- Certo, se não te importas vou recolher-me e chorar a minha
tentativa falhada por atenção, Sheftu. – Ironizou, fazendo com que toda a calma
que tinha tido anteriormente tivesse completamente evaporado.
- Carmen. – Comecei a dizer, fazendo com que ela me
encarasse. – A mim não me enganas. Não passas de uma miúda mimada, sem vida e
infeliz. O Eric e a Samantha ainda são idiotas para se deixarem afectar pelas
decisões que fazes sem verem que apenas fazes por ti... Mas, eu não. Não me
enganas.
- De certeza que na tua cabeça isso faz sentido,
portanto...como queiras! – Respondeu-me depois de um suspiro, tentando não dar
a mínima importância ao que tinha dito. A sua forma de ser era completamente
revoltante.
Tentei observar a rosa que estava totalmente despedaçada nas
minhas mãos, pensando em acalmar-me mas era complicado quando os nervos estavam
mesmo à flor da pele...
Eu não podia permitir que isto conseguisse afectar-me tanto,
Samantha parecia compreender perfeitamente, mas eu jamais iria compreender esta
parvoíce que tentava assolar e assombrar-me a toda a hora. Eu iria controlar
isto, por mais que custasse, por mais que doesse, eu iria ter controlo sobre o
que sinto.
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