Inverness Season - Ep 5, Trish

Quem é esta tal de Trish? Porque é que ela precisa de almas? O que terá ela a ver com este nosso mundo? Ela fora uma louca no passado, quem dirá que ainda não o é? Talvez o manicómio a tenha levado para aquele mundo, onde caça almas… Será tudo isso que ela pensa viver uma ilusão criada na sua mente? Talvez… Conseguiremos alguma resposta? Certamente.

“Memories Of A Demental Woman” by Trish Rayven


Poder, sinto o poder a pulsar-me nas veias como nunca senti antes ao longo da minha existência.
Encontro-me num pub tipicamente scotish decorado com aquelas enormes canecas de cerveja que os escoceses tanto gostam de ostentar. Passo um olhar rápido pelo relógio de cuco e apercebo-me que já passa da meia-noite.
- Raios! – Estou tão zangada que era capaz de estalar os dedos e incendiar esta espelunca toda!
- Nem uma mísera alma consegui apanhar hoje, e ainda dizem que a Escócia é o lugar ideal para caçar.
Dou por mim a olhar fixamente, para o copo de vinho tinto que tenho à minha frente, são nestes momentos que as lembranças de uma vida passada enchem-me a mente. Sim o meu passado ainda me atormenta.
Consigo visualizar perfeitamente, aquela casa no meio do bosque isolada de tudo. Consigo sentir a dor que aquelas injecções me provocavam, como se estivesse a ser espetada por mil lâminas de gelo e o frio dos banhos que me davam após uma sessão prolongada de tortura.
Mas o que mais me marcou foi aquele dia, nunca o hei-de esquecer, nem que morra mil vezes.
Abri os olhos e ainda estava escuro, como sempre dormi menos do que devia, levantei-me e senti um calafrio que percorreu todos os ossos da minha espinha, dirigi-me à janela e ao passar pela poça de água que caia do tecto apodrecido consegui ver o meu reflexo. Nele encontrava-se uma rapariga com feições cadavéricas, vestida com uma camisa de hospital e pálida como os azulejos que decoravam a minha cela. Os únicos traços humanos que ela ainda possuía eram o cabelo comprido, de um preto que parecia veludo e os olhos amendoados que punham qualquer enfermeiro em transe.
Quando espreitei pela janela deparei-me com um cenário que já conhecia muito bem. O bosque em pleno inverno enchera-se de neve, criando assim uma atmosfera misteriosa que os meus olhos consideravam a paisagem mais bela do mundo.
No momento em que apreciava esta paisagem magnífica, dentre as árvores surgiu um homem muito velho, que pelas barbas grandes e pelo casaco roto devia ser um mendigo. Por segundos, acreditei que este olhava directamente para mim, mas logo de seguida o nosso olhar foi cortado pela campainha que anunciava a hora do pequeno-almoço. No entanto voltei a olhar para a janela, mas o mendigo já tinha desaparecido.
Como não queria levar uma dose dupla de tranquilizantes por mau comportamento saí da cela e dirigi-me ao refeitório. Ao abrir as portas de metal envidraçadas, deparei-me com um cenário que já estava habituada, mas ainda me chocava todos os dias. Os pacientes que se encontravam naquela sala não tinham qualquer controlo sobre si próprios, uns batiam com a cabeça na parede, outros gritavam, mas o que me provocava mais impressão era uma senhora que afirmava ter o neto sentado ao lado dela. Hoje pergunto-me se isso não seria verdade.
Entrei no refeitório e senti aquele arrepio na espinha que, desde o momento em que acordei, me arrefecia a alma. Virei a cabeça e como sempre estava a ser observada por dois enfermeiros que se dirigiam na minha direcção, comecei a correr mas depressa fui apanhada.
- Não adianta fugires princesa.
Diziam aqueles dois armários ambulantes, enquanto me arrastavam para uma sala que era conhecida por todos os doentes como o parque de diversões. Fui amarrada a uma cadeira de dentista que se encontrava no meio da divisão e quando olhei para o meu lado esquerdo percebi logo o que iria acontecer. A poucos centímetros de mim, uma mesa cheia de seringas e outros utensílios fez surgir no meu pensamento o número 33 que foi marcado na minha coxa como se eu fosse um animal à espera de ir para o matadouro. Enquanto apreciava os brinquedos que me faziam desesperar, uma médica de ar sombrio parou à minha frente. Assim que ela se dirigiu à mesa e pegou na seringa maior que lá havia, o medo apoderou-se de mim. Tentei soltar-me da cadeira mas era impossível, por isso comecei a gritar.
Com um sorriso maléfico nos lábios a médica dizia:
- Não percebo porque estas a gritar se ninguém te vai ouvir, e além disso isto não vai doer muito.
Senti aquela agulha enorme a entrar na minha pele, e uns minutos depois encontrava-me inconsciente. Enquanto o meu corpo dormia, uma voz grave e ao mesmo suave entrou pelos meus ouvidos.
- Trish chegou a altura de te libertares. Chegou a altura de mostrares aquilo que realmente és.
Após ter ouvido estas palavras, como se renascesse, acordei sobressaltada do meu estado inconsciente. Olhei para a minha barriga e consegui ver os meus intestinos, uma dor profunda fez-me gritar de raiva.
Este sentimento, alterou a cor amendoada dos meus olhos para um laranja e despertou completamente o meu lado demoníaco. As minhas mãos que permaneciam amarradas à cadeira começaram a ficar quentes e uma chama vermelha surgiu delas.
Poder, sinto o poder a pulsar-me nas veias como nunca senti antes ao longo da minha existência. Pensava eu enquanto o pânico se gerava. Aquela casa isolada de tudo, agora parecia uma fogueira no meio do bosque gelado.
Enquanto as pessoas gritavam e faziam de tudo para salvar as suas vidas, eu jazia na cadeira de dentista já bastante cansada e sem me poder mexer devido às queimaduras que consumiam metade do meu corpo. O meu estado era tão grave que entrei em coma. Pensei que estava acabada e nunca mais iria ver aqueles campos cheios de neve, mesmo que fosse só pela minha janela. Mas a verdade é que a minha existência só começaria após a morte.
Abri os olhos e senti uma brisa fria a bater-me na cara, levantei-me da rocha onde estava deitada e reparei que as queimaduras e as feridas que antes ocupavam a maior parte do meu corpo tinham desaparecido, fiquei admirada mas não pensei muito no assunto, visto que era a primeira vez saia à rua após vários anos encerrada entre quatro paredes. Encontrava-me no meio do bosque e a primeira reacção que tive foi olhar para o sítio onde antes se encontrava o assustador asilo de Saint Martin e que agora não passava de um monte de cinzas. Pela primeira vez na vida senti-me tão leve que era capaz de dançar, era livre finalmente. A minha felicidade foi interrompida por uma voz grave e ao mesmo tempo suave que me disse:
- Nunca pensaste que isto poderia acontecer, pois não?
Eu conhecia aquela voz de qualquer lado, tinha a certeza que já a tinha ouvido.
Segui a voz, e esta levou-me até a um velho mendigo encostado a uma árvore.
- Não foi o senhor que olhou para a minha janela hoje de manhã? – Perguntei eu um bocado desconfiada, pensando que tinha à minha frente um incendiário.
- Tens a certeza que era eu? - Perguntou ele com um subtil sorriso nos lábios. Enquanto me preparava para responder à pergunta, uma luz intensa começou a emergir de todos os poros do homem. Por momentos pensei em fugir mas quando a luz se desvaneceu fiquei completamente pregada ao chão, quando a personagem surreal repetiu:
- Tens a certeza que era eu?
A minha frente em vez do mendigo, encontrava-se um homem com os seus 27 anos, todo vestido de preto e com uma mala de executivo.
Sentou-se numa pedra e olhou directamente para mim com os seus olhos penetrantes, de um tom azul-escuro que nunca tinha visto antes. Naquele momento em que os nossos olhos se cruzaram, o tempo para mim parou e tive a sensação que durante aqueles segundos não existia mais nada, só eu, ele e o silêncio constrangedor. Tentei desviar o olhar, mas era impossível estava hipnotizada, ele era lindo, tinha o cabelo preto curto e era ainda mais pálido que eu. Era ele, era ele que me ia salvar, depois de tudo que tinha passado finalmente receberia uma recompensa.
Os meus sonhos e desejos desapareceram logo depois da sua boca se abrir para proferir uma frase fria e desagradável:
- Estou farto de meninas fracas e sensíveis. Vamos é despachar isto.

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