Inverness Season - Ep 11, Carmen
A sua humanidade continuava a ser a maior sombra da sua existência. Velhas visitas pareciam voltar, talvez pudessem ajudá-la a descobrir o que se passava pela sua cabeça. Mas havia algo estranho, porque Lawrence estava tão estranho?
“Pulp” by Carmen Montenegro
Deitei-me na cama sentindo a cabeça a fervilhar. Meu Deus,
como é eu tinha acabado assim? Esta desculpa de existência, este ser de nada?
Eu era vazia por dentro e fora, não tinha nada. O meu coração não batia, os
meus pulmões não recebiam ar. Eu era uma morta viva. A ironia da minha vida.
Deitei-me de barriga para cima, encarando o tecto de onde
pendia o meu simples lustre de luz fraca. Encarei aquela luz meio morta e
senti-me a relaxar por completo, o meu peso abateu-se sobre o colchão; não
respirava, não era principal simplesmente ali fiquei hipnotizada pela luz
fraca. Os meus sentidos abriram-se por completo, conseguia ouvir o batimento
cardíaco de Eric, calmo e seguro. Sheftu estava quieta. Samantha andava por
ali. Vladimor tambem cirandava pela casa mas, naquele momento não era
importante.
Estava ali deitada, completamente atónita, quando larguei um
suspiro pesado. Aquela luz encadeava-me. Perdia-me naquela luz forte. E, tão
rápido como prendera o olhar, a luz foi ficando mais intensa, piscava
intermitente. Senti o que parecia ser uma onda de electricidade a explodir
dentro do meu peito. Fiquei calma por segundos, depois voltei a sentir a
explosão de energia. A electricidade concentrava-se no meu coração e depois
espalhava-se por todo o lado como uma onda de choque. Era como se alguém
estivesse a ligar-me a corrente…
- CARMEN!
Acordei com um grito de susto. Uns olhos azuis olhavam para
mim com curiosidade. Demorei a reconhecer os traços mas logo vi o meu caro
Lawrence.
- Lawrence.
- Estás bem, minha querida?
As suas palavras ecoaram na minha cabeça como o som ecoa nas
paredes de uma sala vazia. Levei a mão ao cabelo afastando-o da minha cara,
concentrando-me na figura de Lawrence a minha frente com um ar de pura
curiosidade.
- Sim…O que fazes aqui?
Ele sorriu gentil como sempre.
- Desde o nosso encontro em Moscovo que não nos falamos,
depois soube da explosão e, apesar de Eric dizer que estavas bem, tinha de ver
pelos meus próprios olhos.
- Estou bem como podes ver.
Estendeu a mão e afastou uns quantos cabelos da minha face.
- Minha bela, Carmen. Leio preocupação em toda tua cara…
Sorri gentilmente. Agarrei o meu cabelo pondo-o de um só
lado, quando reparei que as minhas mãos tremiam estupidamente. Com cuidado,
Lawrence agarrou-me e tomou a minha mão entre as suas.
- Mãos trémulas. De certeza que estás bem?
- Sim.
- Resposta rápida sob uma voz tremida. – Levantou os olhos
azuis na minha direcção. - Mentes, sim. Ora, Carmen conheço-te desde que renasceste,
sei perfeitamente quando mentes ou não. Neste caso, está escrito na tua testa.
Ajeitei-me na cama.
- Lawrence…eu…não sei…- Ele calou-se a espera que eu avançasse
com o meu pensamento. Aproximou-se mais de mim, sempre com o total cuidado e
curiosidade. - Visões.
- Visões?
- Sim. Quer dizer, não sei sequer se esse é o nome
apropriado a dar á coisa mas… Que posso chamar, a imagens repentinas e intensas
que aparecem a minha frente?
- Na falta de melhor termo…- Lawrence ajeitou-se no seu
lugar, ponderando as ideias. - Estas visões, são sobre o passado? Sobre a tua
época como humana?
- Não, são com o Dean…
- Quem? – Não respondi de imediato. Lawrence era
inteligente. - Oh…a tal sombra. Afinal, tem nome…
- Sim…- Suspirei. - Porque tenho estas visões com ele? Não
faz sentido…
- São mesmo muito fortes?
- Sim, e rápidas. Penso que acontecem quando a minha mente
está desligada de tudo, quando estou calma e atingem-me de tal modo que
afasto-me por completo da realidade…
- São todas com esse tal Dean?
- Sim.
Olhei para ele e vi um brilho intenso nos olhos. A sua mente
deveria estar a trabalhar imenso, maquinando uma teoria qualquer. Não disse
nada, apenas sorriu, levantou-se e puxou-me pela mão com gentileza.
- Vem, minha querida. – Quando me levantei, deu-me o braço. -
Mostra-me a minha casa.
Enquanto ele me puxava corredor fora, não pude deixar de
notar como escondia um leve sorriso. Seja o que for que corria na sua mente,
divertia-o a ponto de não conseguir esconder aquele sorriso britânico.
Depois de passarmos em revista todos os quartos no andar de
cima, Lawrence quis descer a escadaria. Ele tinha os olhos pregados no jardim
interior, apreciando a estátua de mármore da mulher no centro.
- Admito, o Eric fez um belo trabalho. – Disse Lawrence. -
Mal me lembrava de como era esta casa.
- Nunca mais cá vieste depois do incêndio?
- Não. – Respondeu Lawrence. - Depois de os meus pais terem
morrido no incêndio que deflagrou nesta mesma casa, nunca mais cá voltei. Não
sei, não conseguia…Por isso, abandonei-a. Fui tentado várias vezes por aqueles
vermes bancários que queriam que eu vendesse: “Esta casa é uma obra de
arte Sr. Atwood. Venda-a e ganhará milhões!”
- Mas, nunca vendeste.
- Nunca. – Afirmou Lawrence. - Nunca. Posso não conseguir
viver aqui mas, vendê-la também não o farei.
- Porquê?
- Não posso vender a minha única herança. O que iria deixar
para ti?
Aquelas palavras apanharam-me desprevenida, de tal modo que
o meu corpo parou todo. Lawrence ainda avançou uns passos, até se girar sobre
si mesmo e encarar-me com um ar natural. Ele acabara de dizer que aquela casa
seria minha?!
- Desculpa?
- Esta casa é minha, mas eu não aguento viver nela. Traz-me
muitas memórias de quando fui humano e de quando perdi os meus pais. - Olhou em
volta, largou um claro sorriso nostálgico e quando olhou para mim de volta os
seus olhos azuis faiscavam. - Passo-a para ti.
- A mim? Porquê?
- És o equivalente a minha filha. Tenho que deixar-te algo!
Aquela frase ecoou na minha mente como sinal de
alerta. Aquele não era o discurso normal de Lawrence, e nunca se antecipava e
naquele momento parecia saber mais do que eu sabia. Escondia-me algo.
- Falas como se fosses…morrer! - Ele virou-me as
costas ignorando por completo a minha afirmação, recomeçou a andar corredor
fora. Esforcei-me para acompanhar o seu passo, enquanto o seguia via-a que
continuava seguro da sua ideia. - Não, não posso aceitar.
- Não pretendo, vendê-la Carmen!
- Não, Lawrence, não posso aceitar. – Adiantei-me, parei
mesmo a sua frente fazendo-o parar igualmente. Estava espantada com aquela
oferenda, dei uma olhada em volta reparando nas paredes decoradas, nos quadros
valiosos, no tamanho de tudo aquilo. Aquela casa era gigantesca! - Dá-la ao
Eric.
O velho Lorde Britânico sorriu.
- Nós, Britânicos, não confiamos nos Irlandeses por mais que
os conheçamos.
- Não posso evitar ficar ofendido, Lawrence. – A voz de Eric
fez-se soar por detrás do lorde vampiro. Aproximou-se e assim que o fez lançou
um estranho olhar a Lawrence.
- É história, meu caro.
- Deveríamos deixar as nossas diferenças para trás. A
eternidade é muito tempo para brigar.
- Talvez eu já não tenha uma eternidade para gastar.
Aquelas palavras despertaram algo no meu sexto sentido.
Naquele momento Lawrence, vi-o não com o eterno ar jovial em seus olhos mas,
com um laivo de pesar e, pela primeira vez em muito tempo vi as rugas que o
tempo congelara. O seu cabelo branco brilhava todo penteado para trás. Parecia
mesmo um Lorde.
- Não sejas tão dramático, Lawrence.
Eric passou por nós, em direcção a biblioteca em passo
rápido. Recomeçamos a caminhada pela casa, seguindo-o. Chegamos a biblioteca e
Lawrence, entrou maravilhado com as mudanças; As estantes de livros iam até ao
tecto, as paredes não eram de cimento mas sim de vidro com vista para o jardim
exterior agora envolto na escuridão. As poltronas forradas a veludo vermelho,
com uma pequena mesa ao centro.
- Ainda não disseste…- Disse Eric sentando num cadeirão. -
Que te traz por cá?
- Vim ver a minha casa. – Disse Lawrence confiante.
- Porquê? Não confias no meu julgamento?
- Não confio em ti, ponto final.
Os dois olharam-se acidamente, porquê que tinha a derradeira
impressão de que ambos sabiam de algo. O olhar frio de Lawrence sempre que
encontrava o olhar metódico de Eric fazia-me confusão…e de cada vez que essa
confusão se acentuava as diferenças. Eric e Lawrence, a diferença de idades era
gigantesca, a nacionalidade, sem contar com o facto de Eric abominar o
Britânico por este se julgar melhor que os outros e fingir sem humano,
arrastando-me com ele. E Lawrence odiava o Irlandês, por não ser vampiro nem
humano e bem…por ser Irlandês!
- Controlem-se, cavalheiros. – Pedi eu, olhando para o
jardim.
- Muito bem. – Eric fez cair sobre mim o seu olhar raio-X,
mesmo de costas fingindo um interesse súbito pelo jardim, conseguia senti-lo...
- Sabias que temos um novo hóspede?
Voltei-me e encarei Eric com desafio. Lawrence cruzou os
braços, admirando as estantes com livros.
- A sério? Quem?
- Não é bem, quem mas sim o quê. É
um lobisomem. – Eric olhou para mim. - A Carmen convidou-o.
Lawrence voltou-se para mim curioso.
- Um lobisomem, Carmen?
Antes sequer de puder responder, Eric e a sua língua aguçada
e critica, adiantou-se.
- Ela…- apontou para mim. - Virou, subitamente, a santa das
almas perdidas. – Aquele comentário fez-me confusão, remexi o cabelo e suspirei
tentando passar o mau estar. Senti algo a fazer faísca dentro do meu ser.
- Sim, o Vladimor. – Salientei o seu nome e
voltei-me para Lawrence. - Não te preocupes Lawrence, ele é de confiança e não
irá causar distúrbios.
- Como é que ele veio cá parar? – Perguntou Lawrence com
genuína curiosidade.
- Parece que vivia aqui a imenso tempo. – Respondi eu.
- A mim cheira-me a invasão de privacidade. – Continuou
Eric. - Afinal este terreno não é dele.
Senti um mau estar. Cruzei os braços ao peito.
- O Vladimor não invade propriedades, Eric…
- Dizes isso como se o conhecesses. – Sibilou Eric.
Senti a vontade de cuspir uma resposta azeda mas, não o fiz.
Ao invés voltei a minha atenção a Lawrence.
- Lawrence, eu responsabilizo-me pelos seus
actos, apesar de achar que o Vladimor não precisa que o protejam. Acho que se
desenvencilha muito bem sozinho, não achas Eric? – Na minha cabeça passei a
cena de luta que presenciara, focando a força de Vladimor. Eric contraiu os
lábios, ia responder irritado mas Lawrence adiantou-se.
- Tudo bem. Não me importo e nem tu devias importar-te,
Eric.
- É insensato, Lawrence! – Exclamou Eric. - A Carmen de a
uns dias que não faz sentido…
Eric continuou ali a julgar-me em praça pública, culpando-me
de ser irracional, louca de fazer decisões de cabeça quente. Eu fechei os olhos
e tentei acalmar-me mas, não consegui.
- ERIC! – Berrei o seu nome. Tanto Lawrence como Eric
ficaram espantados com a minha reacção. - PORQUÊ QUE NÃO CAVAS UM
BURACO E VAIS MORRER!? ESTOU FARTA DAS TUAS INSINUAÇOES, FARTA DAS TUAS
CRITICAS! EU ESTAVA OPTIMA SEM TI E AGORA SIM, EU VEJO O PORQUÊ DE NÓS TERMOS
ACABADO! EU NÃO TE SUPORTO!
Não me dei conta de que gritava do fundo dos meus pulmões. A
raiva borbulhava em de tal modo que não conseguia controlar o que sentia. Eric
deixou-se ficar quieto, enquanto Lawrence ocupou o meu campo de visão; Agarrou
os meus ombros e tratou de acalmar-me. Afastei a sua mão com violência, senti
um rosnar a formar-se no meio peito.
- Calma. Tem calma, Carmen.
- Afasta-te!
Mas, ele não se mexeu. Olhava-me com tal espanto e admiração
que não o deixava mover-se.
- Desde quando é que fazes isto? – Perguntou Lawrence no
topo do seu sotaque britânico.
- Não sei.
Tocou-me ao de leve na cara, levantou o meu queixo e focou o
seu olhar nos meus olhos.
- Meu Deus…és uma caixinha de surpresas. A quanto tempo não
te alimentas?
- Importaste de parar com isso, seu lorde maluco? – Exigiu
Eric. - Ela não é um objecto do teu estudo.
A voz de Eric invadiu os meus ouvidos, olhei para ele com um
ar de desafio. Viu-o recuar uns quantos passos.
- Mantêm-te calado, Eric. – Mandou Lawrence. Vi o espanto
nos olhos de Eric mas, por pouco tempo, Lawrence tapou a sua imagem, encarou-me
com o mais profundo do azul dos seus olhos. - Carmen, controla-te. Sobe para o
teu quarto e descansa
Fechei os olhos, quando Lawrence me envolvera num
abraço confortante. Senti-me a acalmar lentamente.
Larguei-me dele lentamente, comecei a caminhar para o meu
quarto. Eric ainda se moveu na minha direcção mas, vi um movimento de Lawrence
que o impediu. Só queria sair dali.
Saí da biblioteca, não via por onde andava e quando esbarrei
em algo duro, pelo grito identifiquei logo Samantha.
- Hey, rapariga! – Olhou para mim surpresa. Afastou-se logo.
- Olha para ti!
- O que foi?
Samantha puxou-me por um braço, pôs-me a frente a um espelho
e eu vi-me no que me tornara; tinha as presas descobertas, os meus olhos
estavam vermelhos e raiados de sangue, não sei como mas parecia mais branca que
o normal.
- Meu Deus…Lembra-me para nunca te chatear, sim?
- O Eric.
- Oh que foi que ele disse?
- Porcaria, obviamente. Desde que começou a namorar a Sheftu
tirou um mestrado em ser idiota! – Exclamei em frente ao espelho. - Que horror!
Olha para mim…
- Tens de te alimentar.
- Pois…é o que tenho de fazer… - Olhei para ela e vi que
estava muito contente. - É verdade nunca cheguei a perguntar-te por onde
andaste este tempo todo.
- Roma. – Explicou Samantha. - Fui procurar as minhas
raízes. Sou filha de templários.
Fiz uma cara de puro espanto. Samantha, filha de
templários?!
- Tu…
- Sim! E encontrei um…conhecido…- Samantha ficou com os
olhos muito brilhantes e eu soube que era mais. - O Louis.
- Hum…
- Achas que o Eric deixa-o vir para cá? – A pergunta de
Samantha apanhou-me desprevenida. Mais casais dentro de casa? Mas que raio…-
Podes falar com ele.
Ah isso não!
- Lamento, Sam mas eu e o Eric não estamos…em sintonia…-
Virei-lhe as costas, encaminhando-me para o meu quarto. Samantha, rápida como
sempre colocou-se a minha frente.
- Podes ao menos tentar, não é Carmen!? Vá lá, é só por uns
dias, o Louis é super rico e arranja uma mansão dentro de dias. Por favor?
Eu olhei para ela surpresa.
- Estás apaixonada.
Samantha largou a mascara simpática que tinha e ergueu a
sobrancelha.
- Não admito comentários de gozo, Carmen!
- Tudo bem, Samantha.
- Vais falar com o Eric? - Lembrei-me da explosão que tinha
tido com Eric na biblioteca segundos antes. Não sabia se era o melhor. -
Prometes!?
- Oh Sam!
- Promete ou não aceito que me chames Sam!
- Okay! Prometo falar com o Eric acerca do Louis.
- Óptimo! – Samantha atirou o cabelo para trás e afastou-se
de mim na direcção contrária. - Já agora muda de vestido, Carmen.
Voltei a entrar no meu quarto, eu parecia uma autêntica
sonâmbula. Tirei os sapatos de salto, despi o meu vestido vermelho. Não parecia
que estava atenta ao que fazia, limitei-me a cair na cama em roupa interior. A
medida que o meu corpo se ia despegando da realidade, o sonho foi tornando-se
mais físico e real. Uma paz invadiu-me. Estava perfeito.
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