Inverness Season - Ep 10, Trish
Todo este tempo o seu futuro estaria traçado da mesma forma que a sua loucura a prendera no passado? O que era Trish além de uma alma condenada ao sofrimento eterno? Talvez ela já nem tivesse mais alma. Mistérios constantemente ditam a sua vida, alguma vez descobrirá alguma das respostas que cada um deles omitiam?
“The Soul's Quest” by Trish Rayven
Aquilo que mais temia aconteceu, a morte veio buscar-me.
Após ter proferido palavras tão desagradáveis, que me
atingiram como uma faca no estômago, ele abriu a mala de executivo que tinha a
seu lado e tirou de lá um rolo. Este rolo, de cor cinzenta, era um pergaminho
que pelo seu estado, já deveria ser bastante antigo. Entregou-me o documento
misterioso e pude sentir um cheiro que subiu rapidamente pelo meu nariz, algo
morto se encontrava embrulhado naquele rolo. Comecei a pensar se isto não seria
tudo uma grande brincadeira de mau gosto. Olhei para o suposto brincalhão que
continuava a analisar-me, e como se soubesse aquilo que eu estava a pensar
disse:
- Se pensas que não tenho mais nada para fazer, estás muito
enganada, por isso abre o pergaminho de uma vez.
Sem contestar, e como se os meus braços tivessem vida
própria desenrolei o rolo e percebi logo de onde é que vinha aquele cheiro.
Numa tonalidade vermelho escuro que certamente era sangue, pois o cheiro era
insuportável, estavam escritas em letras garrafais as palavras “jornada das
almas”. Comecei a ficar nervosa por isso soltei uma gargalha idiota, mas
arrependi-me logo de seguida. Como um relâmpago, o rapaz de olhos azuis
moveu-se até se encontrar atrás de minhas costas, apesar de não conseguir
sentir a sua respiração, sabia que ele se encontrava ali. Depois de um minuto
daquele silêncio constrangedor, que me começava a irritar seriamente, ele
encostou a mão na minha cabeça e comecei a sentir umas dores terríveis como se
o meu cérebro fosse explodir. Os meus gritos desesperados
fizeram-no parar. Caí desamparada no chão como uma pedra que cai no fundo de um
lago, sentia a minha cabeça a arder e não conseguia ter qualquer tipo de
pensamento.
Com a serenidade de sempre e como se ele nunca tivessem,
tentado estoirar os meus miolos proferiu uma frase, que me deixou ainda mais
confusa.
- Se não queres que a tua alma seja propriedade do
purgatório por toda a eternidade, assina o contrato e terás uma estadia
confortável no paraíso.
- Inferno, purgatório mas falas com se eu estivesse...
- Sim tu estás morta, apesar de ainda seres a Trish a tua
identidade ficou para sempre perdida naquele asilo.
Aquilo que mais temia aconteceu, a morte veio-me buscar.
Pensava que agora iria ter uma vida simples como todas as mulheres de Moscovo,
casaria com um homem abastado e passaria o resto dos meus dias rodeada de
crianças, mas não a morte decidiu antecipar-se.
- Mas já que estou morta, porque que não sou aceite no céu?
O que foi que fiz? Não rezei o suficiente? Não fui maltratada o suficiente?
- Como viveste toda a tua vida no asilo sem estares exposta
às tentações e sem poderes fazer escolhas por ti própria, não conseguimos
determinar se a tua alma é pura ou impura, por isso é que te oferecemos esta
oportunidade para mostrares o que realmente és.
As dúvidas começaram a surgir, mas eu sabia que não havia
outra opção, resignei-me a minha insignificância e aceitei.
Subitamente, o rapaz misterioso estalou os dedos e na sua
mão apareceu um punhal de prata com um símbolo que parecia umas asas de anjo
com o tridente do diabo no meio. Ele pegou na minha mão e senti o sangue a
subir-me á cara, seguidamente fez um corte na minha palma de um lado ao outro
que me fez dar um grito. Quando o meu sangue tocou o pergaminho, um sorriso
malicioso apareceu nos lábios do rapaz e este disse:
- Já está.
O meu coração se batesse tinha parado naquele momento, agora
estava submetida as ordens de um ser que não sabia de onde vinha, nem como se
chamava e o pior é que este parecia conhecer-me melhor do que eu própria.
Ainda com o mesmo sorriso na cara voltou a abrir a mala de
executivo e tirou de lá o objecto que iria ser o meu companheiro durante
bastante tempo. Uma caixa de jóias cinzenta com o mesmo símbolo do punhal
cravejado na tampa, fez-me perguntar:
- Isto é para quê?
- Para chegares ao objectivo deste contrato, tens que passar
por uma prova, portanto apresento-te o cofre das almas.
Prova? Nunca pensei que fosse preciso provar alguma coisa. O
que uma miúda esquelética e com falta de parafusos podia fazer. O meu
pensamento foi cortado por afirmação mais ridícula que tinha ouvido até aquele
momento
- O que tens que fazer é apanhar almas impuras e prende-las
neste cofre.
- E como é que eu faço isso?
- Aos poucos irás saber como é que isto funciona.
Peguei no cofre e a primeira acção que tive foi tentar
abri-lo, mas ao ver o que eu tentava fazer a cara dele ficou rija como pedra.
- Nunca abras o cofre, porque se isso acontecer será o fim
de tudo.
Perdi logo a vontade de saber o que estava lá dentro e de
lhe perguntar se não se pode abrir porque que tem fechadura.
- O meu trabalho aqui está feito.
- Olha uma última vez para mim, durante um período de seis
meses. – Disse, preparando-se para seguir o seu caminho, separado do meu.
- Espera não te vais embora o que faço eu agora? E além disso
não sei o teu nome?
- Não posso responder à primeira pergunta porque tens que te
desenrascar sozinha fraquinha, mas à segunda posso. O meu nome é Collin.
Aquele nome e aqueles olhos azuis mais escuros que as
profundezas do mar não saíram do meu pensamento durante as semanas que se
seguiram. Perguntas como de onde virá? E será ele humano? Assaltaram a minha
alma até ao momento em que soube a verdade.
Começava a ficar gelada, pois apesar de estar morta metade
da minha alma ainda habitava o meu corpo e a outra metade estaria presa nalgum
recanto do purgatório. Ainda conseguia sentir o gelo nos meus pés descalços e
também tinha um bocado de fome, por isso dirigi-me para fora da floresta.
Andei cerca de duas horas e apercebi-me que a noite estava a
chegar. Subitamente um uivo assustador fez-me parar, olhei para trás e
pude ver seis pontos brilhantes que olhavam para mim com baba a sair-lhe pela
boca. Três lobos pretos corriam atrás de mim, como se as suas vidas dependessem
da minha carne. Estava tão cansada que caí no chão e bati com a cabeça num
tronco de uma árvore. Antes de desmaiar ainda pude ver um clarão verde e o
ganir dos lobos.
Quando acordei estava deitada numa cama e tinha uma senhora
muito idosa a olhar para mim.
- Onde é que eu estou? E os lobos?
- Descanse menina agora está tudo bem.
Aquela frase “agora está tudo bem” bastou para eu adormecer,
e sentir que afinal talvez o meu sofrimento passado seria recompensado.
Passados dois dias levantei-me da cama e descobri que estava
numa cabana ainda no meio da floresta. Nesta cabana vivia uma senhora idosa que
aparentava ter 75 anos e que não sei como salvou-se do ataque dos lobos.
Desde o primeiro dia que conheci aquela idosa simpática e
carinhosa, senti que havia mais qualquer coisa para além daquele sorriso
reconfortante e desdentado.
A verdade é que iria descobrir a verdadeira identidade da
velhota muito brevemente.
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