Inverness Season - Ep 2, Sheftu

Sheftu ainda não conseguia assimilar todas as alterações que aconteceram na sua morte nos últimos tempos e, por mais incrível que pareça, começava a sentir-se demasiado humana e isso era tudo o que ela menos desejava. Além disso, novas surpresas desagradáveis a aguardavam. Porque teimava ela em resistir? Só ela saberia…

“New Life, New Temptation” by Sheftu Nubia


Sentia tortura constante durante toda esta viagem de helicóptero. Aquela que, certamente, ficaria em mim para o resto da minha existência. Era absolutamente incrível como algo tão estúpido podia fazer tanto efeito em mim. Desejava apenas esquecer tudo, tal como o tinha feito com o passado, antes que tudo pudesse surgir novamente do nada. Reviver o que vivi era algo que jamais quereria repetir, era desnecessário. Uma lágrima teimou em querer sair, para que atravessasse o meu rosto seco, mas jamais voltaria a sair algo de meu olhar. Nada a não ser raiva e destruição. Reprimi essa gota, não me interessava minimamente que ela saísse. Preferia todo o mal, todo mesmo, que me estilhaçassem em pedaços do que estar nesta situação.
Que a morte me atravessasse, deixando que a minha batalha cessasse, permitindo que minhas lágrimas fossem embora. Mas, infelizmente, nada disso acontece. Eu permaneço aqui, inócua... Ao lado daquele que teima em permanecer não só ao meu lado, também fica no meu íntimo, fazendo com que todas as vezes em que meu olhar feche, sua imagem me assombre. Este desejo que não cessa, raiva aquela que tenho de mim, não conseguindo sobreviver, não conseguindo aguentar muito mais e perdendo-me assim sobre os seus braços.
Eu deveria voltar-me para um futuro sem ele, deixar que minha vida continuasse a morte que era antes da sua chegada, mas não consigo. Ele para mim é muito mais do que ele mesmo imagina, na realidade nunca quis tal coisa na minha vida, infelizmente veio sem aviso e cercou-me assim. Posso dizer que, se em mim existia alguma alma, toda ela agora despedaça-se e parte-se em mil pedaços pela batalha que enfrento.
A questão está no que eu quero, no que eu não quero. Eu não quero sentir o que sinto, não quero sentir-me preenchida nem feliz por saber que sua pele é minha, que cada parte de si tem dono. Se a facilidade fosse essa, mas eu não me posso dar ao capricho de ser assim. Minha existência tem objectivos, tem um caminho a seguir. E certamente amá-lo nunca fará parte desse futuro, matar-me-ei, tudo aquilo que possa ter de alma se tornará inexistente e o restante simplesmente deixará de importar.
Seus olhos observam-me atentamente, captado cada parte de mim, como se pertencêssemos a uma só vida. Mas isso não é verdade, por mais que o sentimento seja forte, eu nunca permiti na vida que isso fizesse parte da minha vida e não será agora que isso acontecerá. Por mais forte que seja tudo isto, nada realmente importa. Eu não acredito que o amor exista, não acredito que haja alguém no mundo que seja verdadeiro.
Cada homem mente, oprime, manipula. Não há nenhum que deixe de o fazer, por mais que as pessoas neguem e acreditem que esses seres fracassados mudem. Apenas querem sentir que têm alguém, não importa o futuro que venha, no final acabará sempre por ser apenas uma prisão de dor e fracasso. Uns abandonam, outros torturam. E por vezes ainda há outros que conseguem pensar que na realidade esse abandono é o melhor que podem fazer, não havia mais nada, o amor deles tinha fugido. Mas a realidade é que não há qualquer homem que tenha amado na vida.
E acreditava que iria reviver tudo isso nesta nova casa, cada particularidade do homem que teimava em permanecer perto de mim. Era a maior estupidez, mas, por mais que tentasse, ele já não me saía da cabeça e os ciúmes teimavam em crescer a cada momento que ele interagia com Carmen. Eu sentia a ligação forte entres dois, e ainda era difícil suportar tudo isto. Homens de nada servem a não ser trazer-me repugnância.
Parecia que a nossa viagem tinha chegado ao fim, a limusine parava em frente a uma casa – se é que se poderia chamar casa à grande mansão, palácio até, que resgatava o olhar de qualquer um que passasse por perto. Seria aqui que iríamos viver? Rapidamente a minha dúvida foi respondida em silêncio, Eric tinha saído e estava agora a disponibilizar a sua mão para que eu entrasse para esta nova vida que teríamos. Com naturalidade recusei, prosseguindo para o interior da mansão. Não olhei para trás nem recuei qualquer passo, queria que ele e Carmen simplesmente desaparecessem pela minha eternidade.
Entrei pela enorme porta que se fazia erguer, ficando espantada com o jardim interior que teimava em cegar-me de tanta beleza... Havia uma estátua de uma mulher no seu centro, várias eram as flores que se podiam observar mas apenas uma espécie me chamou a atenção, fazendo-me até aproximar.
Inalei o perfume quase nulo que me transmitia, à minha mente vieram vários momentos, mas principalmente uma pessoa em especial: Eric. Sim, certamente ele sabe que me agradaria ter sempre presente em minha morte este tipo de rosas, brancas como a inocência que se mancham de sangue a cada preza que teima em fazer-se minha. Meus dedos rapidamente tocaram na suavidade das suas pétalas, sentindo a suavidade de uma vida que tinha perdido há muito, que certamente já nem saberia mais viver.
Observei a entrada, Samantha passara por ela e exclamou com total admiração, observando o que parecia ser a nossa nova vida. Rapidamente chamou por Carmen, que entrou enfim, fazendo-me olhá-la furtivamente. Seu olhar foi recíproco, virando-se para a entrada ao mesmo tempo que eu contemplando o causador de tudo isto. O seu espanto me apanhou de surpresa, fechei os meus olhos e baixei a minha face, abrindo-os de novo e observando a simplicidade do branco em cada pétala que tinha sido esmagada pela minha mão.
Sentia a sua presença, ouvia o seu pulsar... Estava perdida algures por onde estava, e meu olhar seguiu o seu rumo, sendo captado e acorrentado pelo dele que me observava com um certo tom de vitória. Podia pensar que tinha vencido, mas apenas era uma batalha sobre a guerra que eu jamais permitiria que me fizesse perdedora. Seus olhos se abriram ainda mais, sem razão aparente, seus passos seguiram para uma porta, a mesma em que as vampiras tinham entrado.
Não me importava minimamente, mas mesmo que quisesse acreditar em tal coisa, todo o meu corpo estava com atenção no que se passava na sala ao lado. Era uma completa idiotice, mas ainda não conseguia controlar nada disto. Tudo tão novo, tão diferente de toda a minha morte. E as diferenças são chagas para mim, eu não gosto delas, simplesmente me chacinam tudo aquilo que consegui criar...
- Concordo com a Carmen... – Ouvi Eric, mas concordava com o quê? - É uma ideia maluca.
- Mas, ela não disse nada! – Apontou Samantha, realmente era estranho estes momentos dele... Mas rapidamente a sua curiosidade deixou-me sem mais respostas. - Quero ver o meu quarto!
- Às vezes esqueço-me que fazes isso. – Desabafou Carmen. Ela tinha consciência do que se passava, do que ele era... Mas o que ele fazia e como?!
- Não consigo evitar. E segundo me lembro, tu bem que gostavas... – Revirei os meus olhos ao ouvir o que ele dizia. Medíocre meio-humano batedor de pulsação que ele me tinha saído!
- Hum...a Sheftu está por ai?
- Penso que sim... Ela tem bons ouvidos. – Eu digo-lhe os bons ouvidos. Mas porque tinha de me sair tal coisa na rifa? Não podia estar descansada a torturar um desgraçado qualquer em vez da desgraçada ser eu?!
- Ouve, não me metas em brigas de casal, sim? Sei que adoras irritá-la...
- Não estou a querer irritá-la, por muito que aprecie. Só que é impossível olhar para ti e não ter flashes dos bons tempos. És inesquecível.
Senti algo em meu corpo mas não sabia o que era, apenas queria sair daqui, ir para bem longe e desaparecer. Ao mesmo tempo que desejava chegar à sala e despedaçar cada pedaço daquela vampira que pensa que é humana. Ah, que idiota!
Saí disparada, caminhava para…nenhures. Não queria saber minimamente para onde me dirigia nem para onde acabaria por ficar. Eu não queria sentir-me assim, não queria viver nada disto. Se a morte pudesse ter efeito, se eu pudesse finalmente não sentir nada do que poderia ser enquanto permanecesse com a minha morte neste mundo... Para minha desgraça, minha total perda, senti uma mão a segurar o meu ombro para que parasse de andar. Eu sabia quem era e não me sentia com vontade de voltar-me para encarar. Podia ser ridículo, mas apenas queria estar em paz e, definitivamente, com ele a paz parecia nunca existir.
- Desculpa. – Falou, após um longo silêncio que tinha permanecido entre nós.
- Não sei do que falas.
- Se é assim que queres... – Suspirou, permanecendo imóvel e à espera.
Fechei os meus olhos para que pudesse sentir melhor a noite sobre mim, mas a única coisa em que a minha mente se focava era na pulsação calma que estava tão perto. Não, paz era tudo aquilo que eu não iria ter.
Dei uma inspiração profunda, apesar de jamais precisar de o fazer, e voltei-me encarando a sua expressão que simplesmente permanecia a habitual. Apenas seus olhos se moveram, sua mão permaneceu em meu ombro e seus olhos olhavam os meus. O silêncio permanecia sobre o novo clima que começava a formar-se à minha volta, minha mente conseguia tornar-se um completo deserto. Mas não era um deserto vazio, em que o Nada o ocupava. O deserto que me habitava estava repleto dele, cada parte de si tornava-se foco em minha mente e cada respiração sua fazia com que minha pele sentisse o seu calor.
Eu nunca na minha morte desejei tanto que a maldição piorasse, sempre tentei controlar tudo o que fosse inaceitável. E, agora, estava aqui assim, parada, à espera que o incontrolável apoderasse de tudo o que restasse em mim e me entregasse à minha perdição. Fechei os meus olhos, tinha que ter força para que tudo fosse feito correctamente, para que pudesse deixar de me sentir assim. Era um crime tanta emoção em alguém, nunca acreditava em certas coisas que os seres humanos geralmente acreditam. E esses fantasmas hoje me assolam, tão certo como sentir a sua mão sobre o meu queixo, erguendo-o e ficando à espera que eu voltasse a observá-lo.
- Vamos ver onde ficam os nossos aposentos? – Perguntou-me suavemente, mal abri o meu olhar e o observei com profundidade.
- Tenho escolha?
- Não, não tens. – Respondeu-me segurando a minha mão com as suas, esperando por algo que eu não sabia bem o quê. – Mas acredito que mesmo que se pudesses escolher irias gostar do que preparei.
Sorriu abertamente, seguindo rumo à mansão e levando a minha mão na dele, fazendo-me seguir seus passos, até que chegássemos onde ele queria. Entramos na sala onde anteriormente Carmen e Samantha tinham estado, havia uma escadaria que dava para outro andar, subimos e ele abriu a porta que dava a um corredor com aspecto bastante brutal, aliás, como toda a casa aparentava ser.
Parecia que tinha apostado bastante em ter uma casa digna de ser chamada bela e, finalmente, encontrámos uma porta com o meu nome. Abriu-a e fez questão que eu entrasse primeiro, e o que vi era algo, por mais perturbante que fosse, confortável. Sentia que era o meu lugar, a minha própria paz. Vários eram os tons dourados e o sol era a chave para cada parte que compunha o quarto. O azul do céu era absoluto dentre os tecidos que estavam à vista, e curiosamente eram imensos os adornos egípcios que permaneciam imóveis nas paredes.
Suas mãos empurraram as minhas ancas para que entrasse, seguindo para uma outra porta que estava do lado esquerdo.
- Está é a parte do banho, se quiseres podemos experimentar. – Gracejou, colocando a língua de fora. Eu permaneci onde estava, o que pareceu não o alegrar muito. – Mas vais ficar assim o tempo todo?
- Assim como? – Perguntei despreocupada, aproximando-me da janela para ver a vista.
- Ciumenta, irritada... Queres que continue? – Respondeu-me já próximo de mim, olhando estranhamente irritado para a janela e abrindo-a. – Eu já volto, não saias daqui. – Bufou, correndo com rapidez pela floresta adentro.
Fiquei sem saber o que fazer, apenas tentei procurar alguém, algo que me pudesse ajudar... Vi uma porta aberta e entrei, vi que seria o quarto da Samantha pois era tudo em tons de roxo, e ouvia-a talvez na casa de banho. Não havia tempo a perder, não sabia porquê, mas algo de errado se passava.
- Samantha, tens de vir comigo.
- Mas o que...
- Não há tempo para perguntas nem respostas, anda... – Interrompi-a, começando a correr para as escadas, seguindo para o local onde ele tinha ido. Só esperava não perder o seu rasto.
Não demorou muito para que Carmen nos tivesse alcançado, já estávamos próximo da sua pulsação bastante acelerada. Oh, mas o que raio tinha acontecido?! Observei com os meus próprios olhos o corpo rasgado de Eric e um lobo que parecia ser enorme, ambos pareciam bastante feridos, prostrados por terra em lados opostos, prontos a atacar de novo, até que a morte...
- PAREM – Ordenei, com total clareza de que seria perigoso não ceder ao que tinha dito.
- Sim minha senhora... – Respondeu-me Eric entre respirações, olhando-me com uma certa preocupação, aproximando-se com rapidez de mim e ficando fixo do meu lado.
- QUEM SOIS? – Exigiu-me o rafeiro.
- Um cão aqui? Desaparece antes que algo te faça em pequenas migalhas de pó seu rafeiro... – Respondi.
- Não... Ele parece não ter onde viver e parece um tanto desamparado, Sheftu… – Não, Carmen... A alma caridosa, armada em humana. Só me faltava mais esta.
- Não estás a pensar ajudá-lo aqui ou estás Carmen? – Questionei, olhando o rafeiro atentamente.
- Se é isso também não estou de acordo! – Apoiou-me Eric.
- Sheftu, Eric... Deixem-se disso... Ele até parece ser interessante! – Intrometeu-se Samantha, defendendo aquela coisa. Revirei os olhos, será que elas não tinham consciência do que estavam a dizer?!
- Calma lá, calma lá! Lobisomem! Como te chamas? – Perguntou-lhe Carmen com curiosidade.
- Vladimor minha senhora. Vladimor Iorganov! – Respondia enquanto começava a voltar ao normal, como se fosse possível chamar aquilo de normal.
- Vladimor, gostarias de viver connosco? – Propôs Carmen com um sorriso.
- COMO? – Questionei furiosa em uníssono com Eric...
- Adoraria minha encantadora senhora, contudo não pretendo incomodar ninguém nesta casa... Sou uma criatura do bosque, selvagem, muitos me chamam! E...
- Podes ficar na arrecadação da garagem! Aí não incomodas ninguém... – Interrompeu Carmen, olhando com ironia e divertimento para mim. Estava a divertir-se?! Ela iria achar bastante divertido o que poderia acontecer... Ai, se não ia!
- Tendes a certeza de tal?
- SIM! – Responderam as duas, contra a minha vontade. Observei a expressão de Eric e ele também não me parecia muito feliz com este momento. Na realidade até me preocupava um pouco o seu estado, vê-lo magoado fazia com que sentisse o meu corpo a encolher, não conseguia ainda nem entender como era possível. As lágrimas também queriam surgir, mas a minha raiva as segurava.
- A propósito... Chamo-me Samantha – Apresentou-se Samantha.
- Muito prazer encantadoras senhoras! Sendo assim, poderei habitar a arrecadação da garagem...
- Sim, pois cães não entram em casa alguma, ficas já avisado! – Acrescentei, observando-o.
- Como já disse, não pretendo incomodar ninguém, mas se insistem em que more convosco, não vejo porque recusar... Afinal de contas parecem-me ser aqui todos seres que a morte não colhe com facilidade!
Sorri levemente, realmente era verdade. Felicidade era tudo aquilo que eu não iria ter. Mas mesmo assim não aceitava aquela coisa assim tão perto, observava de soslaio Eric, que parecia estar bastante bem, apesar da abada que tinha acabado de acontecer. Parecia que se tratava de um empate, ambos saíram magoados e consegui que ambos permanecessem vivos. Apesar de que não me importava minimamente que o cachorro fosse desta para uma bastante melhor, claro que com a pior morte possível. Apenas eu tenho o direito de matar o Eric, ele é meu e ninguém pode tocá-lo. Muito menos uma coisa daquelas.

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