Inverness Season - Ep 1, Carmen
Agora que seguiam rumo à sua nova casa, Carmen não podia deixar de pensar sobre tudo o que tinha acontecido nos últimos tempos. Porém, ao olhar a mansão sentiu o seu fôlego perder-se com a sua beleza. Existia um sentimento de felicidade aparente, que seria bom caso pudesse ser mantido. Mas, certamente os problemas não a deixariam em paz por muito tempo. O que estaria para vir?
“Welcome” by Carmen Montenegro
Saímos de Moscovo ainda era cedo, o sol ia alto e eu e
Samantha vimo-nos obrigadas a entrar no helicóptero sob mantos compridos e
grossos, que não deixavam passar o sol.
A viagem em si não fora má, e, por mais estranho que pareça,
até fora rápido. Talvez porque a minha mente divagara por todo o tipo de
assuntos, como uma introspecção de tudo o que tinha acontecido em Moscovo,
desde a chegada, até ao acontecimento com os malditos mercenários, ao
desaparecimento de Veronica e Claire... Sem esquecer, Dean.
Dean!
O seu nome fez-me remexer no assento como um espasmo
violento.
- Estás bem? – Perguntou-me Samantha curiosa. Troquei
olhares com Eric que me olhava preocupado.
- Estou bem...
Mal, me encostei e fechei os olhos, foi como se voltasse a
sentí-lo ali perto de mim. Foi como se o sentisse a debruçar-se sobre mim, com
o seu hálito quente e a sussurrar o meu nome com toda a carga de desejo
possível num só homem. Um novo espasmo percorreu-me o corpo, desta vez não
bruto o suficiente para provocar Samantha mas, o suficiente para apanhar o
olhar de Eric. Ele debruçou-se para a frente, tocando-me no joelho como se
quisesse transmitir-me algo e de imediato senti calma em mim. Olhei para ele,
tinha um sorriso na cara como se fosse tivesse ouvido uma piada, voltou a
encostar-se ao seu banco e fechou os olhos. Invejei a sua facilidade em dormir,
em esquecer, em sentir... Odiava a simplicidade dos seus gestos! Quem me dera a
mim fechar os olhos e esquecer. Voltar ao que era. Ser de novo humana e correr
menos riscos.
Apesar do tempo não fazer diferença em nós, vampiros, aquele
país tinha um ar místico e a sua temperatura amena, clara de uma primavera
ainda no início não deixou de me impressionar. O sol já tinha abandonado os
céus e a noite era dona. Aterramos, um dos pilotos veio abrir-nos a porta e
saímos sob uma ventania causada pelas hélices. À nossa frente estava o que
parecia ser uma limusine preta enorme, com um motorista à nossa espera
segurando uma porta aberta.
Avançámos todas para a limusine, Eric como bom cavalheiro
esperara que entrássemos todas – primeiro Sheftu, depois Samantha e no fim eu
mas demorei a decidir-me a entrar. Agarrei a porta da limusine aquando a minha
mente subitamente mostrou-me a imagem dura de Dean no topo das escadas chamando
por mim. Agarrei-me com mais força.
Senti a mão de Eric parar no meu ombro. Voltei-me para ele
com um sorriso falso, que ele claramente pressentira e entrei no carro.
Sentei-me de frente para Sheftu que me mandou um olhar ainda furibundo e virou
a cara para Eric. Este olhava com particular atenção – ou melhor uma atenção
fingida – para a paisagem que passava a correr lá fora. Samantha, ao meu lado,
deu-me um leve encontrão e, ao olhar para ela, li-lhe um sorriso na cara
enquanto encarava Sheftu, que olhava atentamente para as mãos. Samantha estava
contente com a tortura pessoal de Sheftu, era sempre bom quando Sheftu descia
do pedestal. Principalmente, se a queda fosse grande.
Quando chegamos à mansão foi impossível não soltar um arfar
de espanto. Aquele casarão era imenso, mesmo rodeado de floresta tinha um ar
imponente e mascarava-se muito bem! Se não fosse pelas luzes que iluminavam o
caminho poderia ser totalmente invisível. Os portões abriram-se lentamente à
passagem da limusine, depois atravessamos o enorme carreiro, até chegarmos às
gigantescas portas da mansão; Eric, como sempre saíra primeiro, esticara a mão
à Sheftu mas ela negara-se e saíra com o seu nariz empinado, ao que Eric limitou-se
a rir. Samantha aceitou a mão de Eric, com uma pequena vénia engraçada que ele
imitou com um sorriso. Quando chegou a minha vez, ele agarrou a minha mão toda
e ajudou-me a sair.
- Orgulhas-te do que fiz? – Disse ele apontando para a casa.
- Tecnicamente não fizeste nada.
- Por acaso até fiz! Hás-de encontrar a decoração da casa
muito acolhedora.
- Oh também decoras?
- Não me gozes!
- Tu fazes para ser gozado! E além do mais, a única coisa
que fizeste foi pedir a casa emprestada ao Lawrence, o que a propósito, quero
saber como fizeste?
Eric fez sinal para que eu lhe desse o braço, e juntos
começamos a caminhar para a casa.
- Engoli todo o meu orgulho.
- Uh... Não tiveste uma indigestão?
- Engraçadinha. – Ficamos em silêncio durante uns segundos, ouvindo
apenas o som dos nossos passos. E uma pergunta queimava debaixo da minha
língua, como obvio, Eric captou. Eu parei de andar fazendo-o parar comigo. –
Pergunta lá.
- Acerca da explosão. O que aconteceu?
- Foi uma fuga de gás.
A resposta tinha sido pronta demais e mesmo à luz de um
pobre candeeiro de rua, podia ver que Eric mentia com cada dente que tinha na
boca. Cruzei os braços.
- Já mentiste melhor.
- Não estou a mentir.
- Claro que estás.
- Não vou discutir isso contigo.
- Oh então assim admites que estás a mentir.
- É complicado.
- Descomplica!
Trocamos olhares intensos por segundos. Via que Eric
começava a ficar incomodado com o meu intenso mirar.
- Carmen!
- Okay, tudo bem.
Encolhi os ombros, dei-lhe um leve encontrão ao passar.
Encaminhei-me para a casa num passo seguro de mim sentindo os olhos de Eric nas
minhas costas.
- Não vais deixar isto, pois não? O teu lado caçador tem que
sair e ir procurar respostas... – Não respondi. Ele bem sabia. – Se eu pedir
para ficares quieta, ficas?
Eu parei de andar, voltei-me com as mãos nas ancas, sem
querer acreditar que me pedia que ficasse quieta com aquele mistério a queimar
ali à minha frente. Ele sorria-me, sabendo muito bem que o meu instinto e
curiosidade eram maiores que tudo.
- Carmen! – A voz de Samantha fez-me sorrir ainda mais.
Voltei-me e vi-a agarrada a porta. – Vem, ver! Esta casa é gigante!
Virei as costas a Eric divertida, ainda ouvindo-o tentar
chamar-me mas, agarrei a mão de Samantha e entrei em casa. Havia um jardim
interior, com varias flores, e uma clarabóia por cima. Sheftu estava lá, parada
a olhar as flores, virou-se na minha direcção e o seu olhar apanhou-me de modo
furtivo, e eu enfrentei-a por entre as flores. Assim que Eric entrou, as duas
olhamos para ele e ele fez um ar espantado. Claramente, não esperava tanta
atenção.
Samantha puxou-me para outra sala enorme de chão branco,
onde se viam duas enormes escadas que iam dar a segundo andar. Aquilo seria uma
espécie de hall de entrada.
Por cima das nossas cabeças baloiçava um gigantesco lustre
com gigantes pedras.
- Sabes o que seria mórbido!? – Exclamou Samantha avançando
para as escadas. – Darmos uma mega festa para os habitantes, prendê-los aqui e
matá-los.
Eu ergui a sobrancelha ponderando a ideia maluca.
- Concordo com a Carmen... – Disse Eric voltando a entrar na
sala gigante. – É uma ideia maluca.
- Mas, ela não disse nada! – Disse Samantha apoiando-se ao
corrimão. Mas, logo a desconfiança passou-lhe ao lado e tratou de subir as
escadas. – Quero ver o meu quarto!
Eu revirei os olhos, enquanto a via subir como uma pita
alegre. Assim que os seus passos desapareceram bufei e caminhei para as
escadas.
- Às vezes esqueço-me que fazes isso.
- Não consigo evitar. E segundo me lembro, tu bem que
gostavas...
Eu parei. Lembrava-me bem de Eric usar os seus poderes nos
momentos mais íntimos, animava a coisa bastante mas...naquele momento...era
estranho. Porquê aquele comentário? Voltei-me para trás observando Eric que
tinha os braços cruzados e um olhar malicioso. Olhei em volta.
- Hum... A Sheftu está por ai?
- Penso que sim... Ela tem bons ouvidos.
- Ouve, não me metas em brigas de casal, sim? Sei que adoras
irritá-la...
- Não estou a querer irritá-la, por muito que aprecie. Só
que é impossível olhar para ti e não ter flashes dos bons tempos. És
inesquecível.
Não sei porquê mas, aquilo tudo fazia-me confusão. Eric
começou-se a rir feito maluco e eu percebi que aquilo era tudo brincadeira
dele. Revirei os olhos e recomecei a subir as escadas.
- És tão anormal! – Subi-as com alguma irritação. Senti os
olhos de Eric cravados em mim e voltei-me a meio de um passo. – O que foi?!
- Ficas gira quando estás chateada...
- Oh Eric, tem paciência!
Abandonei-o sentindo que ele se ria outra vez. Às vezes ele
parecia uma criança pequena, quando se começava com estas coisas. Senti que se
afastava, provavelmente à procura de Sheftu e assim, entreguei-me à exploração
da casa.
Quando cheguei ao segundo andar vi como a casa era grande,
percorri o chão coberto pela carpete escura, passando por portas fechadas, quadros
na parede que mostravam a herança de Lawrence, a sua linhagem familiar algumas
estantes com pequenas bugigangas. Abri e fechei portas, procurei aqui e ali,
tentando familiarizar-me com a nova casa.
Penso que dei a volta à habitação toda, até que vi uma porta
com um envelope com o meu nome escrito. Avancei, arranquei o envelope e
empurrei a porta e fiquei sem ar. O meu quarto estava tal e qual o de Moscovo,
com a mesma cor, as mesmas texturas, a mesma disposição. Tudo! Só havia uma
diferença, as janelas eram maiores. Observei as rosas em cima da cama, Eric
sabia que eu odiava flores, mas ele teimava em dar-mas.
Foi então, que ouvi passos pesados pela casa, um barulho
pesado. Uma correria dentro de casa a que eu acudi mesmo a tempo de ver
Samantha e Sheftu a descerem as escadas a alta velocidade.
Resolvi segui-las, por detrás das escadas havia um pequeno
corredor que dava para a cozinha toda branca e quase sem qualquer decoração,
tomei um segundo para apreciá-la mas, então ouvi a porta abrir-se, e eu segui-as
novamente. Sheftu ia à frente, Samantha depois e eu não sabia para onde iam.
Por fim, pararam e eu vi o que parecia ser Eric com a roupa toda rasgada, com
um ar puramente irritado, no pior do seu estado a poucos metros do que parecia
ser um lobo apoiado em duas patas com um ar feroz mostrando os dentes brancos
pontiagudos. Os dois permaneciam quietos sob a ordem que Sheftu dera, os dois
ofegantes, prontos para uma guerra iminente. Os meus olhos não saiam do lobo
gigante e forte, fazia imenso tempo desde que vira um lobisomem transformado.
- Um cão aqui? – Ameaçou Sheftu com o ar fervendo de raiva.
– Desaparece antes que algo te faça em pequenas migalhas de pó seu rafeiro...
- Não... – Algo apoderou-se de mim, estava fascinada por
aquele ser. – Ele parece não ter onde viver e parece um tanto desamparado,
Sheftu...
Sheftu voltou-se tão rapidamente que poderia partir o
pescoço.
- Não estás a pensar alojá-lo aqui ou estás Carmen?
Senti Eric com os olhos prostrados em mim, observei-o com
atenção: O seu ar era lastimoso, tinha a camisa rasgada, as calças também.
Tinha levado porrada!
- Se é isso também não estou de acordo!
Eu mostrei-lhe um ar furioso mas, porque raio tinha ele de
ser tão irritante volta e meia?
- Sheftu, Eric... Deixem-se disso... – Disse Samantha. – Ele
até parece ser interessante!
Para meu espanto, Samantha estava a apreciar aquilo. Olhava
o lobisomem curiosidade. Avancei um pouco mais.
- Calma lá, calma lá! Lobisomem! Como te chamas?
- Vladimor, minha senhora. Vladimor Iorganov!
Ele agora, como que magicamente voltava pouco a pouco a
forma humana. Estava espantada com aquela transformação, os lobisomens eram
umas das criaturas que mais captavam a minha atenção. Para além do mais,
Vladimor era todo ele firme e bem constituído, uma força da natureza.
- Vladimor, gostarias de viver connosco?
- COMO?
A voz de espanto de Eric e Sheftu inundou o ar. Seguido de
um riso de Samantha. Eu ignorei e continuei a encarar Vladimor com intensidade,
ele fez uma suave vénia com a cabeça e sorriu-me.
- Adoraria minha encantadora senhora, contudo não pretendo
incomodar ninguém nesta casa... Sou uma criatura do bosque, selvagem, muitos me
chamam! E...
- Podes ficar na arrecadação da garagem! Aí não incomodas
ninguém...
Conseguia sentir a irritação de Eric apesar da distância, e
simplesmente passou-me ao lado. Olhei-os com clara ironia e divertimento.
Aquela casa precisava de animação, tinha a sensação de que Vladimor era a carta
ideal.
- Tendes a certeza de tal?
- SIM! – Samantha respondeu ao mesmo tempo, embora o seu tom
de voz estivesse repleto de conotações diferentes da minha.
- A propósito... Chamo-me Samantha. – Acrescentou toda
ensinuada. Vladimor sorriu, fez uma nova leve vénia.
- Muito prazer encantadoras senhoras! Sendo assim, poderei
habitar a arrecadação da garagem...
- Sim, pois cães não entram em casa alguma, ficas já
avisado! – Escarnou Sheftu com um olhar mortífero. Eu ergui a sobrancelha
perante tanto veneno. Meu Deus, alguma vez seria esta criatura gentil?
Vladimor não se deixou abalar pelo escárnio da vampira
loira.
- Como já disse, não pretendo incomodar ninguém, mas se
insistem em que more convosco, não vejo porque recusar... Afinal de contas, parecem-me
ser aqui todos seres que a morte não colhe com facilidade!
Eu sorri perante a sua ousadia. Estava decidido, eu e o lobo
iríamos dar-nos muito bem.
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