Moscow Season - Ep 23, Sheftu

Consciente do que estava a aconteceu, ela conseguira escapar. Mas, não por muito tempo. Tudo isto era um jogo, em que o prémio seria a perdição ou as respostas para tudo o que procurava saber. Mas, teria a ousadia de o jogar pelas regras dele? Há muito tempo que não se via tão ligada com o passado, como agora. Queria mesmo descobrir todas as respostas? Conseguiria viver com elas?

“Your Blood” by Sheftu Nubia


Corri por pouco tempo, precisava urgentemente de pensar no que fazer. Precisava de esperar pela noite para que poucos me pudessem ver neste estado, já tinha atraído demasiadas atenções no Vaticano e não fazia intenção de trazer ainda mais para aqui.
Levantei-me e fechei os olhos, deixei-me levar pela sensação de sentir o vento sobre a minha pele e o sol quente que fazia com que eu parecesse mais humana, para minha desgraça. Inspirava e expirava levemente, tentando captar o aroma da floresta que me rodeava. Sentia-me bem e em sintonia com tudo isto que era renovado para mim, há quanto tempo eu não o sentia? Era como se voltasse aos meus momentos de ignorante alegria, quando a minha mãe ainda era viva, antes de meu criador germinar-lhe a morte em seu ventre.
Sentia ainda um pouco de seu cheiro sobre mim, por mais que tentasse, sempre iria ter essa memória em mim. Um deslize, uma derrota, um pesadelo. Tentava não senti-lo na minha pele, tentar captar tudo o que me rodeava agora, toda a Natureza, toda a vida que agora poderia ver iluminada pela minha única salvação – o sol seria minha arma para me livrar de Eric, caso ele não estivesse um passo à frente de mim. Se o sol não me mataria, então haveria algo que me pudesse matar? Precisava de descobrir, talvez se entrasse novamente no seu jogo perigoso demais para a minha mente, pudesse retirar subtilmente essa resposta. O melhor seria mesmo matá-lo, acabar com ele. Um jogo de estratégia e inteligência no qual estava ao mesmo nível que ele para jogar, o que era a primeira vez na minha inteira morte que havia possibilidades de perder.
Ia-me perdendo pelos pensamentos que invadiam a minha cabeça, o quanto eu adorava descobrir uma resposta rápida e em meu favor para este quebra-cabeças. Mas eu estava novamente forte, aquele sangue que bebera me tinha permitido voltar ao normal... Era a altura ideal para o matar, só tinha de arranjar uma forma bastante dolorosa de o fazer.
Ouvi uma pulsação bem conhecida de longe, rapidamente se aproximando de mim, fazendo com que um sorriso surgisse em meu rosto. Não tinha nada preparado, porém a sua morte viria tão lenta e dolorosamente que o tempo se tornava eterno até que chegasse perto de mim. Este seria o último jogo dele.
- Estás aqui à minha espera? Não devias de estar já a quilómetros de distância?
- Não meu querido, eu decidi desistir de fugir e entregar-me a ti completamente... – Meu sorriso resplandeceu e eu vi a sobrancelha dele erguer ligeiramente enquanto colocava seus braços nos seus quadris.
- O que tens na manga, diz-me...
- Não sei se reparaste meu caro, eu não tenho mangas... – Ele fitou-me com uma expressão indecifrável, olhando de cima a baixo, esperando que eu fizesse alguma coisa. Extremamente inteligente e astuto, merda!
- Sim, claro que reparei. Também reparei no meu empregado que atiras-te para cima de mim antes de saíres disparada. Sujaste-me, sabias?
- Oh, que pena... E tinhas de mudar a roupa antes de me vir raptar de novo?
- Sabes como é, sempre do bom e do melhor para a minha esposa... – Piscou-me o olho e começou a rir-se, tinha perdido a noção do que é aceitável.
Aproveitei o momento dele de descontracção e agarrei-lhe os dois braços, impedindo que ele fugisse ou tentasse alguma coisa, alcancei o seu pescoço com a minha mão direita, marcando assim a sua sentença para ainda hoje. Mas ainda não era a hora de o matar, ainda podia jogar um pouco com ele antes que sua vida fosse simplesmente tirada por aquela a quem ele tentava tornar um inferno. Seria a primeira justiça que faria em minha vida, e esperava que fosse a última. O mundo seria melhor sem ele, não há espaço para ele no mesmo universo que o meu.
- Eu bem sabia que iria sair alguma coisa como esta... – Seu sorriso se tinha tornado numa expressão séria, sua voz falava suavemente. – Apenas gostava de te aconselhar vivamente a não fazeres o que tens na mente. Não é por mim que o digo, o melhor para ti é não prosseguires...
- O melhor para mim?! O melhor para mim é que desapareças da minha vida, isso sim! E já que não o fazes por conta própria, resolvi dar-te uma pequena ajuda. – Suspirou, murmurando algo e serrou seus dentes. Não tinha entendido ao certo o que ele tinha dito, se é que tinha dito algo... – O que foi agora? Estás finalmente com medo?
- Simplesmente não me ouves... Se é isso que queres, vai em frente então! – Suspirou uma segunda vez e olhou directamente para o meu olhar, seu tom carregado de confiança me fazia recuar um pouco. Havia algo que não estava certo...
- O que tens na manga desta vez? Que irá acontecer?
- Se nada fizeres a não ser o que te peço, nada acontece... Deixa-te de criancices e faz o que é melhor para ti. – Abriu mais os seus olhos em busca de algo que eu não fazia a mínima ideia do que era... Sorriu levemente e esperou mais um pouco, como se tivesse noção das dúvidas que me assaltavam o pensamento, mas isso seria impossível. – Vejo que começas a entender o que é melhor para ti...
- O que queres tu dizer com isso? Sinceramente acho que conseguiste fugir de um manicómio e agora meteste na cabeça que eu sou o teu novo brinquedo. Mas falta algo nessa tua forma de ver, EU NÃO SOU NENHUM BRINQUEDO!!!
Voltei-me para seguir o meu rumo, já não havia mais nada a dizer, agora era a hora em que o deixaria vivo. Se ele fosse inteligente se afastava de mim, se não o fosse, o meu ódio acabaria por o matar....
Senti a sua mão a envolver o meu braço, fazendo-me voltar de novo para ele, impedindo-me mais uma vez de me ir embora. Seu rosto estava severo, e sua mão também o demonstrava, mas estava firme. Não entendia minimamente nada disto, nem queria na realidade entender... Talvez a resposta fosse aquela a que eu nunca quereria encontrar. Sorriu para mim e largou meu braço, como se eu fosse apenas um rato de laboratório que estava a ser testado. Não ia ficar perto dele nem mais um segundo, desta vez correria, não ia deixar que ele me apanhasse. Eu estava mais forte, corria bastante depressa para a idade que tinha... Sorri, ao pensar na minha idade... Uma perfeita múmia, digna de ser o inferno no mundo.
Embati num tronco? Fiquei meia zonza com o embate, mas não tinha caído, algo me segurava. Quando meus olhos se abriram e observei o tal objecto que se tinha embatido contra mim, bufei discretamente e tentei afastar-me sem grande sucesso pois suas mãos me seguravam os quadris e seu rosto estava a poucos centímetros do meu. Seu sorriso provocador respirava sobre a minha testa, um tom quente que se prolongava para todo o meu corpo deixando-me completamente desamparada perante toda a irracionalidade que começava a passar pelos meus pensamentos...
- Assim já começo a gostar... – Sua voz enrouquecida viajava pelos meus ouvidos como música, como se nada mais houvesse a fazer a não ser embalar-me e deixar que os momentos se passassem, que os erros fossem cometidos. Mas eu não podia permitir que o meu corpo obrigasse a minha mente a sucumbir perante o ser mais odioso, o pior pesadelo de sempre... – Talvez seja a hora de deixarmos os pensamentos para depois, há algo mais importante a ser feito...
Seu sorriso se desaguou em meus lábios, ordenando fidelidade aos seus movimentos, arrebatando todo o meu corpo para si, esbarrando-me contra uma árvore fria, deixando-me cercada de desejo...
Minhas mãos tinham ganho vida própria, minha mente estava completamente desnorteada a cada nova pele descoberta, a cada novo movimento em sincronização completa entre nossos corpos. Seu perfume mais uma vez se entranhava em mim, deixando-me perdida algures pelo inferno, fazendo com que o calor se tornasse infernal ao longo da pele que ia descobrindo lentamente e cautelosamente dele...
- Afinal não é assim tão complicado pois não? – Segredou Eric no meu ouvido, deixando meus lábios abertos e alcançando rapidamente meu pescoço, mordiscando lentamente, beijando com doçura e calma...
Voltou novamente para os meus lábios enquanto eu alcançava todo o seu ardor e resgatava todo o seu corpo apenas para mim. Nossos beijos calmos e lentos rapidamente começaram a aumentar o desejo, passando rapidamente para apertos loucos de paixão e total loucura... Senti meu pescoço a ser apertado contra os seus lábios, sendo sugado e mordiscado com suavidade, fazendo com que tudo em mim perdesse o total controlo, fazendo com que meu corpo fosse dele, deixando que tudo seguisse rumo ao infernal desejo que se acentuava cada vez mais...
Meus dentes se juntaram ao seu pescoço, ainda ele beijava fortemente o meu, pedindo sem qualquer pudor que seu sangue fosse meu, que tudo fosse meu. Seu sangue suavemente me molhou a boca, quente e doce, criando em mim uma enorme vontade de o embeber sem pudor...
Passava suavemente sobre a minha garganta, apurando ainda mais o seu cheiro em mim, deixando que meu corpo começasse a ceder lentamente, tirando de mim as forças que necessitava para beber mais e mais desse cálice, quão saboroso, sublime, irreal! Senti algo a puxar-me para perto de si, meus braços já não o rodeavam, seu pescoço tinha fugido de minha boca, queria mais... Queria mais! Tentei puxá-lo de novo mas não o conseguia, por mais força que fizesse, por mais desejo que tivesse, nada conseguia fazer...
- Eu devia ter calculado... – Ouvi ao de longe uma voz agressivamente irritada, sentindo o meu corpo a ser elevado, apenas deixei que me levassem... Preferia morrer logo de uma vez, tudo ISTO NÃO ERA O QUE EU QUERIA! Por mais que meu corpo o desejasse, eu o odiava com todas as minhas forças, ou era isso que eu queria acreditar... Um inferno de desejo e loucura, um enorme mar de ódio e morte. Eu um dia o mataria, isso era o que iria acontecer, por mais que tudo se invertesse... Ele morreria, tinha de morrer...

Sentia meu corpo quente, rodeado por quem eu certamente não queria nem pensar no nome... Mal eu recuperei os meus pensamentos, comecei a vaguear no que se tinha sucedido. Fenomenalmente caótico para mim, demasiado avermelhado para toda esta situação. Seus lábios começaram a beijar a minha testa, aquela que se encontrava amparada pelo seu peito, demasiado perto do seu pescoço, demasiado perto da sua pele... Talvez pudesse permanecer um pouco quieta, antes que voltasse novamente à realidade: Ele era um alvo a abater...
Movi minha cabeça, deslocando todo o meu corpo ao desencontro do dele, abrindo os olhos e vendo-o ali, ainda sem roupa, observando-me atentamente... Estaria a procurar algum sinal de fuga, talvez me conhecesse o suficiente para saber que eu não escaparia, não agora... Como a raiva e o ódio podem transformar-se em algo tão caótico para mim?
- Podes abrir os olhos, que eu não te mordo por me teres dado uma dentada... – A sua suavidade me fez observá-lo, sorridente e confiante, como se soubesse da trama que se passava... Uma guerra eterna entre mim e meu corpo. Estava fraca de novo, do que teria sido? Algo que ele me tinha dado ou do seu sangue?
- Porque me sinto mal? Vais voltar a enfraquecer-me para eu não fugir até muito longe?
- Não comeces por aí... Fizeste isto a ti mesma. – Sua mão tentou alcançar a minha, mas eu a afastei... – Eu tentei avisar-te, mas já sabes que não me ouves... Deixa que as coisas sejam o que são...
- NÃO! – Gritei rapidamente, fechando os meus olhos e os segurando com toda a força com as minhas mãos.
- Está certo... Se não queres aceitar a verdade, ela um dia chegará a ti. E eu tenho tempo para que isso aconteça. – Eu não fiz menção de me mover sequer um passo e o silêncio apoderou-se, deixando que cada momento se tornasse ainda mais doloroso a passar... Parecia que a teimosia não era apenas uma característica minha, ficaríamos eternidades aqui sem grandes dificuldades...
- Desculpe interromper senhor Manen, mas tenho aqui ao telefone o senhor Humbert... Ele diz que é urgente, não sei se quer atender ou... – Tinha entrado uma criada, com um telefone na mão, tinha erguido o meu olhar perante ela, seus olhos me fitaram com serenidade e sua boca bloqueou aberta, mas sem medo.
- Sim, sim... Eu atendo... – Respondeu-lhe, esperando que ela viesse ao seu encontro para receber o telemóvel. Mas pelo que me parecia, ela não se moveria por uns tempos, parecia petrificada. Eric também deve ter tirado a mesma conclusão pois rapidamente se levantou, pegando na mão dela e ouvindo tudo o que saía do outro lado. Não disse mais nada, sua expressão já dizia o suficiente, algo que não gostava mesmo nada de saber tinha acontecido...
- Sabes o que se passa? – Levantei-me e aproximei-me da empregada... Cruzei os braços à espera que aquela mulher acordasse do choque e me respondesse.
- Não, minha senhora... Permite-me que lhe pergunte algo? – Demorou cerca de uns cinco minutos até conseguir dizer algo, mas seus olhos se abriram e finalmente teve coragem para abrir a boca.
- Podes perguntar o que quiseres... – Respondi sem grande entusiasmo, mas disfarçando com um sorriso meio fechado.
- A senhora é descendente da Madame dos quadros de família do Senhor Manen?
- Que quadros? – Perguntei levemente, apesar de estar repleta de curiosidade não queria demonstrá-la.
- Eu posso jurar que você se assemelha à Madame... Poderia até jurar que eram a mesma pessoa, não fosse ela já ter existido há alguns anos...
- Podes mostrar-me esses quadros? Estaria muito grata se me mostrasses...
- Claro senhora, siga-me...
Mas que vinha a ser isto?! Quadros parecidos comigo? Como poderia ele ter tal coisa?! Eu nunca na minha morte, há mais quatro mil anos, pousei para um quadro sequer. Não há qualquer registo de mim que não seja completamente apagado depois de deixar de necessitar dele. Era impossível que tal coisa existisse, a empregada devia de ter visto muito mal aqueles quadros. Também não importa, eu acabaria por vê-los com os meus próprios olhos. Descobrir a verdade, sempre...
Estava quase a sair da porta, para segui-la, quando ela recua, voltando-se de novo para mim e olhando-me com um pouco de surpresa.
- Minha Senhora, você não se irá vestir antes de sair deste quarto?
- Ah, claro! Nem tinha reparado... Não sabes onde podem estar as minhas roupas pois não? – Como era óbvio, já nem me lembrava que não estava vestida... Também não era algo que me importasse muito.
- Creio que as suas roupas foram para o lixo. Estavam um pouco degradadas, o Senhor Manen nos pediu para providenciar novas roupas para si. Estão todas no armário, ao lado das roupas dele... Pensava que estava ao corrente das mudanças... – Seu olhar inquiridor não me importava minimamente perante as coisas que acabava de ouvir. Ainda bem que agora tinha conhecimento dos seus planos, assim já estava pronta a os contrariar. Não viveria aqui com ele por nada, preferia a morte total, caso a conseguisse.
- Sim, apenas não estava ao corrente das novas roupas... Pensava que pudesse ir buscar as minhas à minha casa anterior, mas pelo que parece Eric tem outros planos para mim...
A minha resposta pareceu deixar a empregada satisfeita, por isso segui rumo ao armário, para retirar algo que me servisse para ver os tais quadros. Deparei-me com imenso vestuário de senhora: vestidos e casacos pendurados, camisolas, calças e... Lingerie?! Fechei os meus olhos por uns breves momentos, com que então ele estava a tentar tomar conta da minha morte...
Vesti algo confortável, as primeiras calças de ganga que me apareceram à frente e uma camisola de cor vermelha. Toda aquela roupa apostava forte em decotes arrojados e provocantes. Simplesmente ridículo, supostamente ele saberia o que eu ia achar de tudo isto, visto que diz que me conhece. Não tem qualquer direito de mandar em mim, muito menos me fazer como refém pela eternidade! Era louco, completamente...
- A senhora tem a certeza que não quer levar um casaco? Está um pouco frio, não pode adoecer... – Questionou-me preocupada, eu não consegui não sorrir... Uma vampira apanhar doenças... Sim, eu andava doente, mas essa doença não se apanhava e a cura era apenas uma...
- Eu estou bem, leva-me à sala de que me falaste...
- Certamente senhora...

Depressa chegamos ao nosso destino, a rapariga tinha um pouco de receio ao abrir a porta pois com certeza calculava que o que eu fosse ver se tornasse um choque para mim. Sinceramente, já esperava tudo deste homem. Ridículo, conhecer-me totalmente e eu não recordar-me minimamente dele. Mais cedo ou mais tarde acabaria por descobrir quem ele era e algo me dizia que atrás desta porta saberia essa resposta. Instinto ou não, a verdade virá ao de cima.
- Não consegues abrir a porta?
- Não, minha senhora... Esqueci-me de lhe referir que apenas o Senhor Manen tem a chave para esta sala. – Baixou a sua cabeça, envergonhada por se ter esquecido desse PEQUENO pormenor.
- E não sabes onde ele guarda a chave?
- Creio que o Senhor a usa sempre, é estritamente proibida a entrada...
- Então como sabes sobre os quadros? – Pensei que uma resposta que parecia parva para mim pudesse retirar mais informação útil desta mulher, talvez tenha sorte, talvez não me diga nada de importante... Mas pelo menos retiro alguma informação dela antes que ela deixe de existir, e creio que pudesse ser mais perto do que ela julgava...
- O Senhor permite a minha entrada apenas para limpar, quando ele está por casa.
- Está certo... – Fiquei uns momentos a pensar. Sim, uma resposta desnecessária.
Havia muitas formas de ver os quadros... Podia arrancar a porta fora num instante, mas não queria assustar a mulher.
O meu sorriso alargou, começava a formular uma ideia simplesmente deslumbrante, completamente entusiasmante... Seria a última vez que estaria nesta casa, disso podia ter eu certeza!

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