Moscow Season - Ep 22, Carmen

Estava na hora de reaver o que era dela por direito: o seu colar e as suas armas. Além disso, tinha de ajustar contas com aquele Dean que o seu passado tinha omitido por tanto tempo. Ela só esperava que a poção lhe desse tempo suficiente para não fritar ao sol. Só não contava com uma coisa… O que seria?

“I tremble for my beloved enemy” by Carmen Montenegro


As portas do elevador abriram-se e à frente estendia-se o hall de entrada do hotel já quase todo iluminado com os raios de sol à entrada. Nunca tinha reparado como as cores do hotel se intensificavam de dia.
Pan saiu primeiro do que eu e seguiu em frente toda confiante com o seu fato preto curto e casaco comprido de cabedal. Vi-a aproximar-se do porteiro e entregar as chaves do meu carro para que o fossem buscar.
- Vens, Carmen? – Perguntou alto o suficiente para todos os presentes olharem para mim como se fosse a primeira vez. De facto até era, nenhuma de nós – as vampiras pelo menos – saía do quarto de dia. Nunca saíamos. Todos os empregados de hotel observavam-me com um espanto disfarçado de curiosidade e até vi uma recepcionista a pegar o telefone e a discar um número já meu conhecido. O do Concierge Sr. Dubois.
Lá avancei, um pouco receosa para a luz que já se afirmava lá fora. Enquanto percorria o hall de entrada, as pessoas iam “descongelando” e voltando ao seu ofício. Quando cheguei ao porteiro ele também fez-me uma vénia ao de leve com a cabeça a que respondi com um sorriso tímido.
Pan ao meu lado continuava imponente. O arrumador trouxe o carro e Pan, recebeu a chave, contornou o meu querido Mustang negro e ficou parada do lado do condutor.
- Carmen! – Chamou ela. Fez-me sinal para que saísse da protecção da entrada do hotel para o carro que ardia debaixo do sol de Inverno
Inspirei fundo e dei o primeiro passo e saí para a luz. De imediato senti o efeito, comecei a sentir um calor que aumentava. Fiquei ali, a espera de queimar como um fósforo quando me dei conta que, afinal, eu estava quente mas, não ardia.
Olhei para as minhas mãos, brancas como cal e levei-as à cara. Eu estava quente mas, não ardia. Absorvi todo aquele calor saboroso que o sol transmitia para mim, havia imenso tempo que eu não conhecia aquele brilho especial, não sabia o que era o calor, não sabia o que era a luz. Encarei o mundo ao meu redor. Eu estava quente mas, não ardia!
O som da buzina do meu carro fez-me despertar, logo corri para lá e entrei, sentando no lugar do passageiro mas, nada disse.
Pan olhou para mim curiosa.
- Estranho… – Disse ela. Eu encarei-a e vi o seu olhar curioso. – Até pareces mais humana! Assustador…
- Cala-te… – Voltei-me para a frente com um ar sério. – Leva-me ao hotel D’Rouge.

Aquilo que vimos não era um hotel mas, sim um motel. Um motel mais rasca e de baixo nível alguma vez visto em tantos anos de vampira. A fachada estava decadente, o prédio já não tinha qualquer cor, alguns estores estavam partidos e tortos, sem falar na placa com o nome do hotel que já nem tinha luzes.
- Queres que entre? – Perguntou Pan ao meu lado.
- Não. Dá a volta e espera por mim nas traseiras… – Agarrei o manípulo da porta. – Não vou demorar.
Fechei a porta do carro, ao mesmo tempo que Pan partia pelo beco e virava à esquerda. Avancei para o hotel, empurrei a porta com o pé e entrei. A decoração por si só já era terrível, aquilo era decadente e um atentado à humanidade.
Coloquei-me à escuta e não ouvi ninguém ali, sem mais delongas, saltei por cima do balcão e aproximei-me dos cubículos, procurando com o olhar a chave do quarto 133. Para meu espanto total, para além de ter muito correio publicitário, vi a chave do quarto.
Voltei a passar por cima do balcão, e subi as escadas que davam para um segundo andar. Subi cada degrau com o máximo cuidado, as tábuas rangiam sob os meus pés, a carpete tinha manchas, o papel de parede mostrava humidade e despegava-se. O corrimão estava carcomido e faltava-lhe partes. O cenário sempre fora este até chegar ao primeiro andar e tive uma visão do corredor; Era longo, as portas dos quartos eram negras, com luzes de presença por cima. Mesmo sendo de dia, aquele corredor era uma total escuridão. Quem escolheria viver assim?
O cenário não mudara até ao terceiro andar. Quando cheguei ao corredor longo e escuro, avistei o quarto de Dean, era o último. Para lá me encaminhei com toda a certeza e confiança de que apenas um de nós dali sairia. Ou eu ou ele. Ou um humano ou o vampiro.
Meti a chave na fechadura e rodei-a, a porta abriu-se facilmente e eu empurrei-a mais, para poder entrar. O quarto era degradante a combinar com o resto do hotel. Vi uma cama de casal ainda desfeita, comida em cima da mesa ainda por acabar, a televisão estava ligada mas sem som, e roupa por ali espalhada. Aquele era o seu mundo; desorganizado, inacabado e silencioso.
A porta atrás de mim começou a ranger, sinal de que se fechava e eu virei-me logo. Fui contra a parede com violência, e encarei os seus olhos verdes de raiva.
- Estás viva…ou algo do género. – Disse ele sorridente. – E o mais estranho, a caminhar sob o sol… Afinal, ter bruxas como serventes sempre ajuda…
Atirei a minha cabeça para trás e desferi uma valente cabeçada, empurrando-o; Ele cambaleou para trás e eu voltei a atacá-lo: um soco forte com a direita, outro logo a seguir com a esquerda e um chute no estômago que o fez embater contra a cómoda e cair de joelhos. Dean levantou os olhos com um ar raivoso e eu sorri abusadora.
- Esta é a parte em que te dás conta em que deixares-me viva foi o pior erro da tua vida.
- Talvez não…
Num gesto rápido investiu contra mim com uma forte carga de ombro que levou-me contra a mesa redonda onde havia a comida inacabada. O impacto teve mais força nele do que em mim, pois vi-o agarrar o ombro direito; Eu tentei afastar-me mas, ele foi mais rápido, segurou a minha cabeça, levantou-me e atirou-me contra a parede com força. Antes sequer de raciocinar ele já me segurava pelos cabelos, desferiu-me dois socos com a mão esquerda com toda a força, depois fez com a minha cabeça embate-se contra a parede, uma, duas, três vezes; Sem saber como eu larguei-me dele e devolvi-lhe um novo soco, agarrei a sua cabeça e levei-a ao meu joelho; Ele caiu ao chão atordoado, e eu aproveitei o momento de fraqueza, enxotei-o uma e outra vez com toda a força. O meu pé foi atrás e enterrou-se nas suas costelas de tal forma que as ouvi estalar e ele soltou um grito. Fiquei ali a observá-lo, sentindo-me totalmente poderosa e forte, vi-o rastejar pela carpete suja arfando por ar, não hesitei e pisei as suas costas com a minha bota, uma e outra vez. Ele deixou-se ficar quieto, totalmente cansado e arrumado.
Passei por cima dele, quando o meu pé ia levantar ele segurou com força, prendendo o meu gesto. Eu caí com força na carpete, logo voltei a sentir aquele peso em cima de mim; Fui virada de barriga para cima e encarei os seus olhos verdes tão perto que teve o mesmo efeito que um soco no peito, mesmo assim não deixei que me afectasse. Deixei que a cabra sanguinária tomasse controlo.
- Uhm… – Disse encarando-o com desafio. – Olha como estás crescido e forte. Bem, diferente do que quando tinhas 10 anos, Dean.
A sua expressão mudou um bocado.
- Pensei que não te lembrasses de mim, Carmen.
- A mente é algo maravilhoso. – Observei-o bem, sangrava do nariz, da boca e tinha um corte na sobrancelha. Sem contar com o ombro deslocado e as costelas partidas. – Tu estás todo partido. Parece que o bebé não tem muitos truques.
- Tenho mais truques do que imaginas… – Ele mexeu-se em cima de mim e não deixei de sentir um salto de emoção. Aquele movimento de quadril fora muito provocador. – E, não sou um bebé como pudeste sentir.
Encaramo-nos durante alguns segundos, ele com um ódio fervoroso e eu também. A sua respiração contra a minha boca e eu dava por mim a adorar o seu hálito fresco.
Vi o brilho de algo pela minha visão periférica, empurrei Dean com uma nova cabeçada e saí debaixo dele, estiquei a mão e apanhei o que parecia ser uma tesoura de prata debaixo da cómoda já torta. Ao mesmo tempo, Dean voltava a agarrar-me pelo pé, puxou por mim, virou-me de barriga para cima e…ficou parado.
- Não vim aqui brincar, Dean… – Naquele momento eu tinha a ponta da tesoura de prata encostada ao seu pescoço, mesmo contra uma veia. Dean ficara parado, com a respiração suspensa. – Tens duas coisas que minhas: as minhas armas e a minha flor-de-lis. Onde estão?
Ele encolheu os ombros, baixou o olhar.
- Vieste aqui buscar os teus pertences?! A sério?
Pressionei a tesoura ainda mais.
- Cala-te! Limita-te a responder...
- Vendi-as! A sério! Como achas que comprei estas botas fantásticas? – Encostei mais a tesoura ao seu pescoço. De repente, ao ver aquela veia a pulsar, senti vontade de o morder. Ele reparou. – Então, Carmen? Estás a tentada a uma gota do meu sangue?
Eu encarei os seus olhos verdes.
- Não cheiras tão bem quanto a tua mãe e temo que o teu sangue seja tão mau quanto o do teu pai.... – Provoquei-o. Consegui sentir um laivo de ira. Encostei ainda mais a tesoura ao seu pescoço. – As minhas coisas, Dean ou…
- Ou o quê? Vais matar-me? Tu não tens…
O que aconteceu a seguir, não sei como foi. Foi rápido demais. Cravei a tesoura que, outrora estava encostada ao pescoço, mesmo no ombro de Dean. Ele berrou de dor, ficou vermelho e as veias pulsaram ainda mais.
Controlei-me mesmo assim.
- Desculpa, interromper o teu raciocínio, Dean… – Disse com ar culposo fingido, enquanto enterrava a tesoura no seu ombro. – Mas, eu quero mesmo as minhas coisas…
- Sua cabra… – Disse, aguentando a dor.
- Sim, muito… – Dei um giro à tesoura e ele gemeu ainda mais. Não sabia porquê mas, aquilo tudo estava a dar-me um enorme prazer. – Onde estão?
Ele olhou para mim, pareceu ler o que eu sentia nos meus olhos e mexeu o quadril com vigor. Eu senti aquela sensação de soco no estômago, e ele riu-se maliciosamente. O seu sorriso era demais, contornado por aqueles lábios carnudos rosados…
- Segunda gaveta…da… – baixou a sua voz até um sussurro que me arrepiou toda. – mesa de cabeceira, Carmen.
Eu empurrei logo, para depois levantar-me. Voltei a enxotá-lo, e ele contorceu-se de dor. Encaminhei-me para aquele pedaço de mobília, puxei uma gaveta e encontrei o que procurava. As minhas armas, estavam ali paradas com os canos paralelos, prateadas e com as minhas inscrições CM na base. As balas estavam mesmo ao lado.
- Lindo menino… – Voltei-me para trás, vi-o agora sentado com a mão na tesoura. Tinha um ar cansado e perdedor. – A flor?
Ele deixou-se ficar sem responder, colocou a mão na tesoura e tirou-a. Até eu achei aquilo um pouco arrepiante, quando a tinha de fora atirou-a para o lado com raiva. Levantou-se lentamente ainda a cambalear devido a porrada que levara, aproximou-se da cama. Ficou mesmo à minha frente, debruçou-se sobre a cama, meteu a mão debaixo da almofada e tirou a minha flor.
- Aqui está.
- Porquê que está debaixo da tua almofada?
- O que posso dizer? És especial…
Mostrou o seu horrível sorriso irónico. Estendi a mão, mas ele desviou a flor do meu alcance, agarrou-me pela cintura e puxou-me para cima da cama. Voltou a ficar por cima de mim, iniciamos uma luta de mãos, em que ele tentava agarrar os meus pulsos e eu tentava que ele não me apanhasse. Por fim, ele segurou os meus pulsos ao lado da minha cabeça e aproximou-se de mim, de tal modo que eu consegui distinguir o tom verde-claro dos seus grandes olhos.
Senti o seu corpo colado ao meu.
- Isto é tão errado…Sinto-me como se estivesse em Atracção Fatal…
- És patético, Dean! Porquê que tens… – Aí algo distraiu-me. O som de pneus, a chiar e um carro a partir em alta velocidade. – PAN!
Fiz com que Dean saísse de cima de mim, e corri para a janela pútrida a tempo de ver, o meu Mustang…sim, o meu querido carro a sair a alta velocidade, pelo beco e a virar à esquerda…
Pan tinha-me deixado! Aquela cabra!
Inclinei-me para seguir a direcção do carro com o olhar e quando o fiz, senti uma picada forte na mão. Afastei-me do parapeito e olhei para a minha mão, vi-a em carne viva.
- Ups… – Ouvi a voz de Dean dizer com um tom de ironia. – Queimaste-te. Isso quer dizer que….
- O feitiço… – Disse eu ainda em choque ao ver a minha pele. – Acabou.
Pan tinha-me dado um feitiço de pouca duração para ir na direcção de Dean e praticamente suicidar-me. Aquela cabra!
Senti Dean mover-se em cima da cama. Ouvi os seus passos irem até à porta, e depois o trinco. Quando me voltei, ele estava encostado com um ar esquisito.
- Isso quer dizer, que estás presa aqui.
Eu praticamente voei contra ele.
- Deixa-me sair!
Dean agarrou-me pelo pescoço, e encostou-me à parede.
- Lamento, Carmen. Mas, a única maneira de saíres daqui. É por aquela janela… – Olhou para a janela aberta com o sol quente a bater. – Quanto é que apostas que antes de chegar ao chão, viras cinza?

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