Moscow Season - Ep 20, Sheftu
Como seria deixar de existir? Talvez trouxesse algo de doce para a sua boca, uma libertação que custava caro mas valia a pena. Teria ela conseguido esfumar-se ao sol, deixando todos aqueles milénios para trás? Ela queria acreditar que seria o fim… E nós, acreditamos que tudo acaba assim?
“That Kind Of Death” by Sheftu Nubia
Tinha em minha mente a dor que deveria ser morrer pelo sol,
corri até que dei conta que nada sentia, nada de dores nem queimaduras. Estava
plenamente normal, sem nenhuma diferença.
- Mas como?! – Bufei, olhando-o a seguir-me com um olhar
vitorioso.
- Sabes que eu te conheço melhor do que qualquer ser que
tenha existido nesta terra e que poderá existir. Certifiquei-me que ficarias em
segurança, mesmo de ti! – Sorriu com seus lábios a se alegrarem profundamente,
indo de encontro a mim, tentando se aproximar mais.
- NÃO TE APROXIMES!!! AFASTA-TE DE MIM!!! – Comecei a andar
para trás, tentando escapar dele, a minha pior guerra... De todos os tempos, o
meu pior pesadelo. Sim, ele me conhecia, mas como e porquê?
- Tem calma, não te vou fazer nada do que não queiras...
Deixa-me ajudar-te... – Estendeu a sua mão para tentar alcançar-me, dei mais
passos para trás e perdi o equilíbrio. Ele rapidamente me apanhou, abraçando-me
e ficando apenas a uns meros centímetros de mim...
- Deixa-me em paz! – Comecei a mexer-me para tentar-me
libertar, mas quando mais me movia mais ele se juntava para que não pudesse ter
forma como escapar.
- Sabes que não é assim tão simples... – Ele serrou os
lábios e fechou os seus olhos por uns momentos, tentei-me libertar de novo e
acabei por conseguir fazer com que ele perdesse o equilíbrio, caindo comigo
para a fonte que estava bem atrás de mim. – Isto era totalmente desnecessário.
– Seu tom seco fez-me observar a sua face, que olhava profundamente para mim,
para meus olhos que agora fitavam os dele também.
Sua expressão era completamente desconcertante, não via a
hora da sua morte. Apesar que, agora, queria saber porque o sol não me tinha queimado
até à morte, mas seus olhos me faziam pensar noutra coisa, me faziam lembrar
dum tempo que nunca tinha tido... Precisava urgentemente de me livrar desta
sina que teimava em perseguir-me sem qualquer razão aparente.
- Agora podes deixar-me? Já tens o que querias?
- Não, ainda não tenho o que eu quero. – Seus olhos ainda
não tinham saído dos meus nem por um segundo, sua voz tinha sido o firme o
suficiente para que eu não tivesse qualquer dúvida: Ele era determinado.
Detestavelmente curioso.
- Então o que queres? – Tentei aparentar tanta firmeza como
a dele, mas não estava a pensar claramente neste momento. Talvez pelo sol, sei
lá...
- Vais dizer-me que não sabes o que eu quero? Se não sabes
então trata de descobrir por ti mesma, não vais arrancar nada daqui. – Sorriu
alegremente ao ver a minha cara de espanto, já chegava. Fartei-me. – Onde
pensas tu que vais? – Segurou-me de novo junto a ele, tentando fitar o meu
olhar de novo, segurando meu queixo para que pudesse ver claramente. – Tu sabes
muito bem que não irás a lado algum. Nem a morte te levará de mim, jamais.
- Como podes ter tu tanta certeza disso?
- Tratei de ter a certeza. Nunca morrerás ao sol, estacas
raramente te farão muito mal, apenas umas dores leves e pouco mais e quando às
dentadas da minha cunhada, estás livre de morrer...
- Como é que isso é possível?! Que me fizeste?!
- Nada que precises de saber. Isso é comigo. – Fez um
sorriso torto e largou-me, levantando-se e estendendo a sua mão para que eu o
acompanhasse, me levantei sozinha e comecei a seguir o meu próprio caminho. –
Onde pensas tu que vais?
- E quem pensas tu quem és para me perguntares tal coisa?!
- Talvez sou a única pessoa aqui que não se tentou suicidar
hoje, por isso faça favor de seguir comigo!
- Quem pensas tu quem és?! – Dei por mim junto a ele,
segurando-lhe o pescoço com a minha mão, a apenas uns segundos de o estilhaçar
totalmente... E ele nem se movera um passo sequer, sorria a olhar para a minha
expressão de indignação.
- Assim já gosto mais... Vamos então? – Segurou minha mão
com as suas e tirou-a subtilmente do seu pescoço, rodeando-a com a sua,
tentando entrelaçar as mãos.
- Não, não vamos. Larga-me a mão faz favor!
- Mas não sou eu que estou a agarrar-te. – Sorriu
alegremente pelo que acabava de pronunciar em voz alta, se eu pudesse tinha
corado. Mesmo assim a minha mão teimava em não fazer o que eu queria. – Então
querida, problemas? Colou a mão? Chega-te a mim, que ficamos a espera que
descole. – Dizendo isto começou a gargalhar e a aproximar-se, eu queria-me mover
mas não tinha como, meu corpo não respondia a nada que eu queria.
- Piacerebbe essere fotografata con i paesaggi più belli del
Vaticano? – Disse um fotógrafo que tentava convencer-nos a tirar fotos pelas
paisagens do Vaticano...
- No, grazie per la vostra simpatia. – Não deixaria com toda
a certeza a possibilidade de estar junto dele por muito tempo, teria de escapar
daqui o mais rapidamente possível.
- Oh, amor, não sejas assim para o homem. Deixa lá que ele
tire alguma vantagem da nossa passagem por cá. Afinal de contas não é todos os
dias que tiras fotografias, visto que nunca tiraste nenhuma.
- Talvez porque não quero qualquer prova da minha existência
deste mundo, mas nem sei porque estou a falar contigo! És horrível!
- Não querida, somos os dois horríveis. Não vês, ficamos tão
lindos juntos. É só amor! – Abraçou-se mais a mim e virou-se para o fotógrafo,
respondendo-lhe antes que pudesse desistir de nos cravar algum para se
alimentar. - Spiacente, mia moglie, lei è un po 'di temperamento. Mi piacerebbe a decollare le nostre foto,
ma anche voluto prendere la macchina. Pagare ciò che si desidera per
esso.
- Tinhas que dizer uma coisa dessas! Eu digo-te o
temperamento... Afinal para que lhe vais comprar a máquina? É ridículo.
- Tu não querias a tua imagem espalhada pelo mundo, por isso
terei essas fotos para mim. Depois também terás as tuas...
- Não quero isso para nada... Se me mandares algumas eu
queimo-as.
- Sim. Claro, querida... É mesmo isso que vais fazer. Se não
te conhecesse até que acreditava.
- Mas quem disse que me conheces?!
- Eu. E eu conheço-te. Vá, não vamos fazer esperar o homem.
Venham lá as recordações! – Sorriu subtilmente com o seu sorriso malvado de
sempre, misturado com um certo tom de vitória. Matar este homem só para que me
livrasse de Eric apenas iria trazer bastantes atenções, e Samantha já tinha
trazido atenções que chegassem...
Que cruz esta que vou carregando sobre mim... Quando
acabarei com tudo isto? Teria de arranjar rapidamente um plano para que tudo
pudesse voltar ao normal...
Não há nada que mais deseje do que o ódio e a ira que me
consomem a toda a hora se torne presente no mundo, despedaçando todo e qualquer
homem. E porque os homens são incomparáveis, por serem uma raça de escumalha
bem baixa, devem ser erradicados da vida e tornarem-se momentos do passado. Não
há nada melhor do que ver o terror do ser humano a nascer de seus olhos,
crescendo e se tornando realidade a cada nova morte que vou criando. Porque a
arte de matar pelo horror nunca morrerá, porque a arte de matar é perfeita,
ceifando vidas desprezíveis e ignorantes.
- Onde é que eu estou?! – Disse levemente ao abrir meus
olhos e a observar Eric sentado numa poltrona à minha frente. Olhei em volta e
vi um quarto, plenamente normal, com uma janela grande para uma vista que
certamente não fazia parte de Moscovo, nem do Vaticano...
- Estás em minha casa. – Disse ele serenamente, continuando
a observar-me.
- E posso saber onde isso é? Será muito difícil responder?
- Não necessitas de saber mais nada além do que eu te disse.
– Seu tom cordial começava a enervar-me. Quem é que pensa ele que é?!
- Não podes ser mais prestável e deixar-me em paz? – Tentei
usar a lógica, já que ele tanto me tenta ajudar a não morrer, poderia ajudar a
livrar-me dele. Era simples e perfeitamente racional.
- Eu o faria caso o desejasses, o que não é o caso. – Deu um
sorriso torto e ergueu-se, seguindo rumo à varanda. Eu segui-o por instinto, eu
tinha de o convencer de que estava errado, eu não o queria.
- Mas eu não te quero, quanto mais longe estiveres melhor!
- Então olha para isto... – Disse, fitando o labirinto que
estava mesmo em frente à varanda em que agora estávamos, continuando – Sheftu,
tu és tal como este labirinto, por mais que não queiras afastar-te de mim,
acabarás sempre a chegar ao mesmo. Tal como se entrares no labirinto chegas
sempre ao seu centro, por mais voltas que dês, acabarás por encontrar o seu
centro. E podes não me querer, mas me desejas. Por mais que negues a ti
mesma...
- Então e onde queres chegar com esta conversa parva? –
Quanto mais rápido metesse tudo em pratos limpos mais facilmente me livraria
dele.
- Olha para mim... – Falou levemente, à espera que eu
cedesse ao seu pedido.
- Para quê? – Respondi rispidamente.
- Olha para mim de uma vez por todas! – Desta vez o seu tom
sereno tinha-se diluído em raiva. Perfeito, que se vá embora então.
- Não preciso de olhar para ti. Preciso apenas que
desapareças da minha vida.
- Então vamos ficar assim? – Suspirou ele.
- Assim como? Nós não ficamos nada, porque eu me vou embora
e tu ficas cá.
- És simplesmente chata, sabias? – Disse, talvez mergulhado
em pensamentos, pois a sua voz estava tão baixa que não sabia se era para eu
ouvir. Senti uma pressão no meu queixo tão rapidamente que quando dei por mim
já estava com os olhos dele colados aos meus, tamanha a fúria e a raiva que
sentia neste momento, tamanha a profundidade, tamanho o ardor...
Comecei a piscar os olhos, e parecia que seus olhos me
tinham congelado a alma e todo o meu corpo tinha seguido o mesmo caminho, eu
queria recuar... Meu corpo não se deixava mover para longe deste hediondo
homem.
- Podes largar o meu queixo? – Tentei, sem grande resultado,
proferir as palavras o mais coerentemente possível. Estava com uma certa
dificuldade em pensar. Talvez estivesse drogada, não sei...
- Não... Estou aqui a meio de uma coisa... Hum... Por onde
começo...
- Começa por desaparecer, pod... - Minhas palavras foram
cortadas pela sua respiração que se aproximava de mim, impedindo que meu olhar
se distanciasse, deixando que nada mais fosse sentido a não ser o seu olhar, a
sua respiração e o seu corpo que agora se juntava ao meu.
Eu queria que ele me largasse, queria que eu o deixasse...
Meu braço segurava o seu pescoço para que não pudesse escapar de meus lábios,
enquanto o outro rasgava ferozmente qualquer traço de roupa que houvesse entre
a sua pele quente e minha mão. Suas mãos apertavam minha cintura para mais
perto dele e do seu sentimento sobre tudo isto, provocando-me um bufar meio
rouco antes de saltar e rodear-me em seus quadris... Rapidamente entramos para
o quarto demasiado quente, demasiado pequeno, demasiado dele... Atirou-me
agilmente sobre a sua cama, sorrindo e mordendo maliciosamente o seu lábio
inferior. Ergui-me e puxei-o para cima de mim, para que tomasse o cálice, para
que esta fosse a sua última acção antes da sua morte.
Ouvi uns passos bem de perto da porta, uma batida também...
Eric barafustou alguma coisa entre respirações e continuou a beijar-me e a
aproveitar cada momento, cada parte das nossas peles se cruzavam agora,
misturando o calor com o frio, sendo absolutamente trevas sobre a luz que
provinha da janela. Mais uma batida, desta vez com mais força...
- Vai embora! – Berrou Eric, sorrindo de novo para mim e
segurando meu rosto com suas mãos, observando-me por uns breves momentos até
que se ouviu outra batida, novamente mais forte e agonizante.
Rapidamente me ergui, deixando Eric pelo chão, abrindo a
porta e observando um homem de média estatura a olhar para mim de queixo caído,
não pensei duas vezes, arranquei-lhe fora o coração com a minha mão direita e
empurrei o seu corpo em direcção a Eric e corri sem parar... Precisava de ir
para longe, de ir para bem longe...
Enquanto corria com o coração daquele homem, me surgira na
mente cada sensação pelas quais acabara de me deixar viver. Seu cheiro em meu
corpo ainda se fazia notar, ainda conseguia sentir cada parte da minha pele
meia aquecida por ele, detestavelmente memória que não conseguia esquecer, que
me fazia querer voltar atrás para acabar com o que tínhamos começado.
Não me importava minimamente para onde ia, seguia uma trilha
qualquer sobre as árvores que seguiam na floresta que rodeava a casa, apenas
queria ir para o mais longe possível para que pudesse de novo voltar e matá-lo.
As roupas não me faziam qualquer falta, nunca mais as queria voltar a ter, o
seu cheiro nunca iria sair delas, estaria sempre a memória viva de toda esta
merda que tinha acontecido. Eu em odiava por ser tão estúpida, tão estúpida ao
ponto de me deixar ir e dar-lhe tudo menos a sua morte. Ele merecia morrer,
ninguém jamais será vivo enquanto tentar mexer assim na minha vida, ele era
toda a encarnação do ódio em mim. O diabo feito homem, aquele que ousara
tocar-me e sorrir de vitorioso. Sua morte seria a última coisa que eu faria,
mas um dia acontecerá!
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