Moscow Season - Ep 13, Carmen

Carmen acordara ainda meio atordoada e com dores na cabeça. Começou a relembrar tudo o que tinha acontecido no curto espaço de tempo que estivera fora e a tentar desvendar certas lacunas que a memória lhe pregava com ajuda de um antigo amigo que surpreendentemente estava por perto. Mas, de uma coisa ela estava certa. O encontro com aquela sua sombra, que seria finalmente revelada, não acabava aqui…

“Flashback” by Carmen Montenegro


Acordei de sobressalto, olhando para todos os lados. Parecia que tinha acordado de um pesadelo, respirava ofegantemente e ainda me sentia tonta. O que me tinha acontecido? Como tinha lá chegado? E que cheiro enjoativo era aquele ali no meu quarto? Coloquei as mãos na cabeça, tentando situar-me mas, ainda senti uma tontura mais forte.
Aos poucos a lembrança trouxe-me os mercenários; A armadilha, a estaca, a mulher com o meu fio ao pescoço, o homem que queria tentar tirar as minhas presas e…ele! Aquela sombra que tinha salvado a minha vida, não por simpatia, segundo ele dissera nem por pena mas sim, para ter o prazer de matar-me mais tarde. “A tua carcaça é minha, Carmen!
A voz dele ecoava na minha cabeça, como martelos pneumáticos e tocava como um disco estragado. Mas, que mal fizera eu para merecer tanto ódio?
Percorri o meu quarto com o olhar, tudo parecia igual, tirando o facto de eu estar na cama – objecto que eu nunca usava – da minha janela estar fechada e do cheiro enjoativo que ali pairava. Foi então que vi, junto à janela algo a queimar. Incenso. Ah…esperem…Incenso!? No meu quarto?!
- Mas que raio…?
Afastei os lençóis, coloquei os pés no chão e fiz força para levantar-me, quando senti uma valente tontura que me fez sentar outra vez pesadamente no colchão, assolada por nova fraqueza.
Veio-me à memória toda a dor, o medo, o ficar sem ar durante todo aquele tempo. Lembrei-me da viagem de carro descuidada, com curvas apertadas e o balancear. Do sangue que passou pelos tubos de borracha e que caiam em sacos no chão. Daquela sombra, daqueles olhos verdes e do calor da sua boca rosada a pairar sobre a minha. O jeito como a sua mão apertava os meus cabelos num misto de ódio e desejo ao mesmo tempo.
Instintivamente levei a mão à minha flor-de-lis mas, não a tinha ao pescoço.
- Oh não…
Ele tinha-a! A minha flor-de-lis e as minhas armas! Todos objectos que alguma vez estiveram em contacto comigo ele tinha-os, era uma maneira pérfida de me encontrar onde quer que me escondesse. Eu não tinha saída! Mesmo sem o meu fio protector coloquei a mão ao meu pescoço, onde normalmente ele estaria, como forma de me acalmar. Quem és? Quem és? Quem? E porque raio deixavas-me tão inquieta?
O meu braço roçou num pedaço de tecido, olhei para baixo e vi o local onde estava o meu coração com um penso. Novamente fui assolada por novas perguntas: A última coisa que me lembro foi, ser amparada por Samantha e ver Sheftu no quarto e…não, não era possível! Só podia ter sido a minha imaginação. Ou será que não?
Olhei para janela, ainda estava escuro lá fora mas, não por muito tempo, os primeiros raios de sol começavam a mostrar-se e nós, vampiras, tínhamos que estar dentro de casa. A rua permanecia deserta, sem nada nem ninguém à vista, totalmente caída no silêncio. Por momentos tive saudades do meu tempo de humana em que podia dormir, horas e horas sem nunca acordar…comparando com o presente, que nem sei o que significa dormir.
A porta do meu quarto abriu-se e, entrou quem pensava ter sido só um sonho. Eric. Sim, Eric, a antiga paixão dos meus primeiros anos como vampira.
Ao vê-lo fiquei ainda mais confusa.
Ele parou a observar-me.
- Oh, isto é constrangedor… – Disse fechando a porta atrás de si. Trazia um copo de whisky na mão e uma caneca na outra. – Carmen, eu sei que nós tivemos bons momentos mas, mesmo assim é melhor tapares-te…
Olhei para mim mesma, vi que estava nua. Completamente nua. Rapidamente voltei para debaixo dos lençóis tapando-me. Enquanto Eric olhava para chão em sinal de respeito.
- Tiraste-me as roupas? – Perguntei sem qualquer mensagem subliminar.
Eric riu-se, levantou o olhar e aproximou-se da cama.
- Convenhamos, não há ai nada que já não tenha visto, certo? – Estendeu-me a caneca azul. - Bebe.
Olhei para a caneca desconfiada.
- O que é isso?
- Veneno. Estou a ver se te mato de vez… – Ironizou ele. Mostrou um sorriso característico e abanou a caneca um pouco. – É sangue, génio.
- De quem?
- Isso importa?
- Vindo de ti, importa sempre.
Eric suspirou, estendeu ainda mais a caneca.
- Meu. Não reclames, não é a primeira vez que bebes e tu precisas de forças. – Relutante, eu aceitei a caneca. Vinha cheia do líquido vermelho escuro e logo dei conta de como tinha fome, olhei para Eric à procura de alguma coisa e ele limitou-se a levantar o copo de whisky na minha direcção. – Bota abaixo!
Ele bebeu o seu whisky e eu levei a caneca aos lábios. O sangue de Eric, era algo simplesmente divinal. Doce, fino, uma mistura de raças e géneros diferentes que lhe davam um toque especial. Bebi sofregamente, até à última gota. Assim que acabei foi como se tivesse sido percorrida por uma corrente eléctrica.
- Ainda sabes bem… – Disse eu num tom rouco, saboreando cada gota do sangue que ainda ardia na minha boca.
- Obrigada…
Eric puxou uma poltrona colocou-a ao lado da minha cama. Sentou-se com as pernas cruzadas, de um jeito descontraído e observou-me com o seu ar curioso.
- Mas que… O que raio fazes aqui, Eric?!
- A cuidar de ti. Afinal, tinhas aí uma bela estaca… – Debruçou-se e apanhou o pedaço de madeira do chão. Dei por mim a encolher-me de medo. – Foi difícil tirar, estava mesmo enterrada. Ainda bem que desmaiaste com a dor. Mercenários…
Aquilo tudo estava a fazer-me uma confusão desgraçada! Não sabia se era do facto de Eric estar ali ou da electricidade que percorria dentro de mim devido ao seu sangue! Aquilo era surreal!
Abanei a cabeça, tentando concentrar-me!
- Eric! – O tom da minha voz fez com que ele olhasse para mim com um ar algo surpreso. – O que fazes aqui?! A sério e sem mentiras!
Ele largou a estaca e debruçou-se para a frente com o copo entre mãos, com um brilho especial nos olhos. Um brilho que eu já tinha visto anos antes e que deixava sempre um frio na barriga.
- O que aconteceu, Carmen?! – Eric levantou-se, aproximou-se e veio sentar mesmo ao meu lado na cama. Ignorara por completo a minha pergunta. – Tu nunca sais assim, de cabeça quente e no entanto hoje…
- Não me respondeste à minha pergunta.
- Nunca respondo.
- Mas, quero resposta.
Ele observou-me por segundos. Eric lia as pessoas como se fossem totalmente transparentes. Deu um trago whisky, para depois deixar o copo em cima da cómoda, voltando-se para mim.
- Tu tens problemas… – Aproximou a sua cara da minha, à procura de mais qualquer coisa. Eu desviei o olhar. - E, se a minha memória não falhar e se ainda julgar conhecer-te como conheço, diria que foste falar com o Lawrence. E o Lawrence, disse algo que te pôs a pensar…
- Eric!
- Diz-me, o que te perturba.
Agora sim, lembrava-me o porquê da nossa “relação” não ter sido mais do que umas quantas loucas noites de puro sexo. Eric tinha a capacidade de levar alguém à loucura, fazer uma pessoa arrancar cabelos, saltar de um prédio… Ele irritava imenso!
Apertei os lençóis contra o meu corpo.
- Não tens nada a ver com isso!
- Carmen… – Senti os seus dedos tocarem-me no queixo elevando-o. Encontrei os seus olhos observadores e curiosos. - Se tens problemas, diz-me.
Eu engoli em seco. O facto de Eric estar ali deixa-me confusa e desnorteada. Apertei ainda mais os lençóis em volta do meu peito. Apesar do nosso relacionamento já ter acabado, ele tinha uma presença muito forte que não deixava de me intimidar.
Sempre soubera que ele era especial, que era diferente, afinal ele era meio humano e meio vampiro mas, sempre houvera algo mais. Ele era místico. Tinha a sua própria aura.
De facto havia algo que estava na minha mente. Lembrei-me de que Lawrence mencionara a hipnose.
- Sim? – Perguntou Eric ao ver a minha batalha mental. – Hum… Tens algo para perguntar-me…
- Pára com isso! – Deu-lhe uma chapada no braço. – Irrita-me.
Eric soltou uma risada feliz, levantou as mãos em sinal de rendição.
- Desculpa.
Eu ajeitei-me na cama, apertando mais os lençóis contra o meu peito, no entanto, Eric continuou para a observar-me.
- O que sabes sobre hipnose?!
- Tudo e mais alguma coisa.
- Convencido!
- Nem por isso. Sei mesmo.
- Sabes, se funciona connosco?
- Com vampiros?
- Sim.
Ele cruzou os braços e mostrou um ar desconfiado.
- Aposto que não me perguntas apenas por curiosidade. O que se passa?
- Não desistes, pois não?!
Eric encolheu os ombros.
- Tu é que perguntas-te! – A verdade é que contei-lhe a história, de que estava a ser seguida por uma sombra, que não me deixava em paz. De que reconhecia o cheiro e das memórias súbitas que vinham como acréscimo mas, que não sabia quem ele era. Eric observou-me curioso. – Interessante. O que tem isso a ver comigo?
- Tu disseste que… – Calei-me instantaneamente. Já sabia o que ele queria. – Queres que te peça, não é?
Ele voltou a encolher os ombros.
- É contigo! – Ele abanou a perna, como se aquilo não o afectasse minimamente. – Não deixa de ser um problema interessante.
- Ó sim, é fascinante como tudo! – Ironizei. Só queria ver-me livre daquilo tudo. – Ajudas-me?
Voltou a sorrir-me, levantou-se e cruzou os braços.
- Ena, isto é diferente da Carmen de há uns anos que não pedia ajuda a ninguém. Era toda cheia de atitude, implacável, selvagem… – Ele olhou para os pés, como se tivesse vergonha. – Onde está a Carmen, que correu comigo?
- Nunca corri contigo, Eric! Tu é que procuravas a pessoa errada e eu convidei-te a ir embora… – Olhei para a porta. – Parece que é a Sheftu que procuras. Como vão as coisas? Ela já te mordeu ou tentou tirar-te um pedaço?
Quando olhei para ele novamente, vi-o de maxilar cerrado. Quando olhara para mim vi o que pareceu ser raiva nos olhos e aí dei-me conta que tocara num ponto crucial. O que foi que Sheftu fizera?
- Ela fugiu.
Não evitei largar uma sonora gargalhada, que fez Eric sentir-se ainda pior.
- Ora, não deixa de ser engraçado, Eric! Procuras esta “mulher” toda a vida e quando a apanhas, ela foge de ti! É no mínimo engraçado… – Ajeitei o lençol à minha volta. – Tu não chegas para a Sheftu.
- Ah, aqui está a Carmen que conheço. A cabra. – A sua voz não traduzia uma piada. Ele falava por desdém. – Agora, vinha a parte em fazíamos sexo… Já estás sem roupa, o que facilita!
Apertei mais os lençóis em volta do meu corpo. Instalou-se um silêncio entre nós, era sinal de que ambos tínhamos passado os limites um do outro mas, que não iríamos pedir desculpa. Nunca pedíamos. Aquele silêncio, era uma maneira de acalmar os ânimos.
Olhei para ele e vi-o ainda de ar carregado. Apertei os lençóis contra a minha pele nua.
- Olha, se não me queres ajudar…
Eric sentou-se à minha frente.
- Eu ajudo-te mas, no fim vais tu ajudar-me com algo.
Franzi a sobrancelha. Não gostava que me cobrassem favores e ele sabia disso.
- No quê?
- Não te preocupes, vais saber quando eu quiser.
Estava pronta a reclamar daquela “ordem” dada a Eric mas, ele não me deixou. Colocou as duas mãos dos lados da minha face, com os dedos embrenhados nos meus cabelos ruivos. As suas mãos eram quentes e suaves, e de imediato, senti o efeito do seu calor; Comecei a ficar sonolenta, senti um formigueiro a subir pelo corpo acima, a minha cabeça descaía para a frente, embora ele a segurasse com agilidade. Só queria fechar os olhos mas, não tinha sono algum.
- Olha para mim, Carmen. – Com dificuldade ergui os olhos e enfrentei-o. Dei por mim, sem conseguir desviar, sentia-me obrigada a fitá-lo. – Consegues ouvir-me?
- S-sim.
- Óptimo. – Apertou mais as mãos em volta da minha cabeça, senti o meu corpo a ficar mole. O lençol apertado à volta do meu corpo descaiu quando as mãos também caíram sobre o meu colo mas, nem isso fez Eric desviar o olhar. – Vais ouvir apenas o som da minha voz, okay?
- Hum… Sim…
- Agora, concentra-te naquilo que queres saber. A altura exacta que queres relembrar…
Fechei os olhos e assim que o fiz foi como se tivesse visto um clarão gigantesco de uma floresta. Depois de uma casa de madeira.
O impacto daquelas imagens fora tão grande que, assustei-me e abri os olhos. Sentia-me afogueada mas, mesmo assim Eric continuava a olhar para mim calmamente.
- Está tudo bem. Podes ir…
Coloquei as minhas mãos por cima das mãos de Eric, que permaneciam nos lados da minha face. Olhei para ele, naquele momento senti que todas as minhas barreiras estavam derrubadas e ouvi-me dizer algo, que nunca tinha dito a ninguém.
- Tenho medo.
Senti as suas mãos pressionarem mais a minha cabeça.
- Não tenhas, eu estou aqui…
Então, fechei os olhos e entreguei-me ao clarão da floresta.

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