Imolation Season - Ep 23, Sheftu
Sheftu não esperava chegar a encontrar tal confusão depois de tão pouco tempo que passara fora: Dean mantinha-se dentro do quarto, Frankie nada podia fazer a não ser tornar-se alimento e Carmen não parecia sequer existir. O que acontecera com aquela ruiva louca? Arrependimento? A verdade é que não havia nada a ser feito, além de voltar a cuidar de um recém-vampiro e fazê-lo erguer-se das cinzas que ela tinha deixado para trás... O que mais estaria para vir?
"You’re My New Child" by Sheftu Nubia
Foram uns simples quatro dias que passaram a
correr, a viagem tinha sido bastante atribulada, principalmente sobre os meus
pensamentos. Eric tinha dormido pouco, ao ponto de acabar mesmo por dormir na
maior parte do caminho, dando-me assim liberdade para pensar à vontade.
Ainda não compreendia o que Eilinora tinha
dito, e estive todo este tempo a tentar afastar da minha mente qualquer segundo
daquela conversa. Já tinha algum treino em guardar certos pensamentos para
quando estivesse sozinha, mas mesmo assim era extremamente complicado não
pensar no assunto.
Chegamos a ir mais algumas vezes para a
mansão, principalmente para que o Eric se alimentasse, porque nas ruínas pouco
havia mais do que uma ínfima colecção de livros, bem como novas pinturas. Era
das primeiras vezes em milénios que quase podia dizer que tinha uma vida normal
mas, o primeiro defeito disso, é que nem viva estava. Sorri, enquanto fazia
constantes círculos sobre o seu cabelo, enquanto a sua cabeça estava apoiada
sobre o meu ombro. Queria que ele se deitasse sobre o meu colo, mas não podia
sequer tentar, com medo que por alguma razão ele acordasse. Eu podia não dormir
durante semanas, meses e até anos sem que houvesse sequer sequelas. Mas, ele
não era como eu, sempre necessitaria de certas atenções, e eu tinha-me de
recordar delas. Afinal de contas, ele nunca mo dizia. Aparentando ser sempre
forte, o que era apenas uma mera ilusão.
Tudo parecia perfeitamente normal quando
chegamos, a noite estava a poucos momentos de voltar e aparentemente estava
tudo calmo. O principal problema começou quando abrimos a porta de entrada,
vendo o Frankie sentado ao lado da estátua partida. Não reparou logo na nossa
presença mas, mal o fez, saltou de imediato e aproximou-se, agarrando o meu
braço e empurrando-me em direcção às escadas.
- O que aconteceu? – Perguntei-lhe ao puxar o
meu braço para que ele me soltasse, ele continuou a seguir em frente.
- Eu estava a aproximar-me do quarto da
Carmen, para ver como o meu primo estava mas, mal me aproximei da porta e ia
abri-la quando ouvi o Dean a gritar para que eu não entrasse.
- E a Carmen? – Perguntou o Eric, começando a
ficar alarmado.
- Foi o que eu lhe perguntei. Ele não sabe,
quando acordou ela já não estava lá.
- E quando foi isso? – Perguntei, ao achar
estranho que ele simplesmente tivesse evaporado. E, pela cara do Eric, não era
apenas eu que pensava isso.
- Pelo que me deu a entender, está acordado há
umas seis horas, eu tentei ir lá mais vezes, mas queria dar-lhes privacidade,
além de que andei um pouco ocupado. Pensava que o meu primo ficava bem por
aqui, mas parece que me enganei.
- Não te preocupes. – Disse, pousando
levemente a minha mão sobre o seu ombro. – Eu vou lá ajudar o teu primo. Vocês
os dois ficam aqui, não precisamos de pulsações amigáveis por perto.
- Está certo. Frankie, vamos dar uma volta que
parece-me que precisas de um pouco de ar puro.
Comecei a subir as escadas lentamente. Há
muito tempo que não tinha um recém-nascido sobre a minha guarda e, sempre que
pensava nisso, havia apenas um único nome que vinha à minha mente: Henry.
Sorri ao pensar nisso, ele estava tão
preparado quanto o Dean quando a real transformação se deu. O meu principal
problema era reviver tudo isto, talvez até reviver demais. Henry estava morto,
mais do que o habitual, e eu tinha de conviver com isso. Suspirei profundamente
e abri a porta.
- Também não sabes onde ela está? –
Perguntou-me, sentando sobre a cama. Estar diferente desde a última vez que o
tinha visto e, se não fosse pelos seus olhos de sede, eu diria que estava ainda
melhor do que quando era humano. A morte tinha-lhe feito bem!
- Primeiro, tens de te alimentar. Depois,
falamos.
- Não quero sair daqui. – Disse-me, decidido a
ficar.
- Sabes tão bem como eu que não podes andar
sempre cheio de sede. Tens que aprender a viver a tua morte, quer queiras, quer
não. – Eu sabia que estava a ser dura, nem imagino como deve ter sido quando
seus olhos se abriram para a eternidade e simplesmente ela não estava lá. Era
de mandar o amor eterno para o diabo, eu bem imaginava!
- E que isso te interessa? Não precisas de te
preocupar comigo.
- Pode não ter sido do meu sangue que bebeste
Dean, mas continuas a fazer parte daquele teu pedido. Não te transformei, mas
bem que podia tê-lo feito. Por isso estou aqui, para te ajudar e ensinar-te a
seres tão morto quanto eu. Depois trataremos do resto.
- Porque eu deveria ouvir-te? – Perguntou-me,
levantando-se até à janela fechada. Já faltaria pouco tempo para que a noite
começasse e ele tinha de iniciar a sua jornada.
- Talvez porque continuamos amigos, mesmo
estando morto ou vivo, continuas a ser o mesmo Dean de sempre. Sabes que podes
contar comigo. Para quê deixar isso de parte?
Suspirou profundamente, aproximando-se depois
de mim ainda com uma certa dúvida a pairar sobre a sua cabeça que rapidamente
se esfumou.
- Oh Deus, estou mesmo com sede! – Eu sorri,
como se ele precisasse de dizer algo. Era óbvio pelo seu aspecto. Mas, pelo
menos, o nosso Dean já estava quase de volta.
Apenas temos que esperar mais uns minutos
antes do sol se pôr. Enquanto vou buscar algumas roupas, porque não tomas um
banho? Não demorarei muito a voltar.
- Desci à procura de Frankie, para que me
pudesse dizer onde estavam as roupas do Dean, mas não os encontrei. Parecia que
ele, juntamente com Eric, tinha saído. Segui então para o meu quarto,
certamente haveria algo que pudesse servir para esta noite ele vestir.
- Depois de encontrar uns óculos escuros, umas
calças com um pulôver branco e uma casaca, segui para o quarto da Carmen. Pelo
som, ele ainda estava no banho, por isso deixei-lhe a roupa sobre a cama e
segui em direcção à cozinha. A casa necessitava de uma reformulação urgente,
conseguia ser pior do que as ruínas do incêndio que tinha provocado na casa do
Eric.
O que mais estranhei foi, quando entrei lá, o
cheiro que a cozinha tinha, demasiado familiar para mim. Estava limpa e
arrumada, ao contrário do resto das divisões, o que era estranho, porque tinham
tido o trabalho de tratarem da cozinha? Mas, apesar disso, eu mesmo assim
conseguia sentir aquele aroma sobre as paredes. Aproximei-me de uma delas onde
o cheiro conseguia ser mais intenso e a minha mão tocou vagamente no chão, onde
se intensificava cada vez mais…
- O que estás a fazer? – Voltei-me e vi Dean a
observar-me com a casaca pelo ombro.
- O que aconteceu por aqui quando estive fora?
– Perguntei-lhe, tentando de alguma forma compreender o que tinha acontecido.
Por um momento vi confusão no seu olhar, como se não soubesse de nada, logo
depois alguma parte dele recordou-se o que tinha acontecido.
- Acho que isso é algo que vais ter de
perguntar a alguém depois. – Rapidamente a sua expressão mudou, ao mostrar-me
os óculos que eu lhe tinha deixado no quarto. – Para que quero isto?
- Tu próprio te viste ao espelho, Dean. Sabes
muito bem que não podes aparecer assim perto dos humanos.
- Talvez eu não me queria alimentar deles. –
Refutou.
- Não está em questão o que queres ou não.
Sabias muito bem ao que te ias submeter quando quiseste tornar-te um de nós.
- Não quero acabar com a vida de inocentes.
- E não o irás fazer. Confias em mim? –
Perguntei-lhe, aproximando-me dele e tocando-o levemente no ombro. – Vamos!
Temos muito pouco tempo para que te alimentes. Vai ser complicado encontrar o
que vamos à procura. – Peguei nos óculos que ele ainda tinha na mão e
coloquei-os sobre os seus olhos. – Temos de passar despercebidos, e eu estarei
ao teu lado para te ajudar a controlar-te. Vai ser muito complicada esta tua
noite.
Já tínhamos saído há algum tempo de Inverness,
era o mais seguro a fazer, principalmente se o nosso objectivo era manter-nos o
mais tempo possível por lá sem que nenhum caçador desse conta que lá estávamos
com um recém-nascido. Seria certamente morte certa.
Mesmo assim, não podíamos ficar muito longe de
casa porque, ao contrário de mim, o Dean ainda era sensível à luz solar. Por
isso, uma estrada pouco movimentada seria o ideal para que começasse a primeira
aula de sobrevivência. Principalmente quando tinha um bar impróprio, como era
um caso.
Abri a minha porta do carro, depois de
estacioná-lo perto do bar. Ele fez o mesmo, ficando a observar o sítio ao qual
íamos procurar a sua primeira vítima.
- Está tudo bem? – Perguntei-lhe,
aproximando-me para cruzar o meu braço com o dele. Ele simplesmente confirmou
com a cabeça, prendendo a respiração por momentos. Eu bem sabia como ele se
estaria a sentir, a sua sede era superior o suficiente para que conseguisse já
desta distancia sentir cada uma das pulsações que estavam lá dentro, só
esperava que ele fosse capaz de aguentar este primeiro seu teste. Era essencial
que a sua aparência se mantivesse a mais humana possível, a descrição tinha de
ser sempre uma mais-valia para qualquer um de nós. A nossa sobrevivência estava
em causa, era uma constante. – Tem calma, tudo irá correr bem. Eu não te
deixarei sequer um segundo.
Finalmente entrámos, e como era habitual,
todas as atenções se voltavam para a nossa majestosa entrada. Se até eu
conseguia sentir cada pulsação que nos observava, o seu monstro estaria ansioso
por meter o dente em cada um daqueles pescoços.
Observei cada uma daquelas pessoas que estavam
à nossa volta, dirigindo-nos assim para o mais afastado possível de todos eles,
num canto daquele bar. A nossa sorte era que não estava muito cheio hoje, o que
nos dava uns momentos de calma para que ele conseguisse controlar-se o melhor
possível.
- Como te estás a sentir? – Perguntei-lhe, ao
vê-lo suspirar quando se sentava à minha frente.
- Como achas que estou? – Eu fiz sinal à
empregada que se aproximasse, para que eu fizesse o pedido.
- O que queres beber? – Questionei-o, parecia
uma ironia que ainda há uns dias atrás ele conseguia realmente fazer um pedido
que lhe tirasse a sede. Hoje tudo seria diferente, não havia cerveja que o
pudesse ajudar.
- Apesar de apetecer-me o pescoço daquela
empregada que aí vem… Acredito que tenha de pedir outra coisa, não é?
- Podemos pensar numa outra coisa sim… Apesar
de que para isso era só esperarmos até o final do expediente dela até que
pudesses ter o que querias. – O silêncio se fez pesado demais com a sua
expressão, mesmo por detrás daqueles óculos, conseguia saber que tinha acabado
de atiçar o seu monstrinho novo. – Okay, okay… Esquece essa ideia.
- Hum… Vou querer um… Whisky duplo com gelo. –
Disse ele para a empregada que o observava com desdém.
- E eu queria o mesmo que o meu…querido. – Disse-o bem alto para que ela
entendesse a indirecta e, para ainda reforçar mais, aproximei a minha mão da
dele, apertando-a com força. Ele observou-me com curiosidade, ainda meio
confuso do que eu estava a fazer, mas rapidamente entendeu.
- Obrigado. – Agradeceu ele, sorrindo para
mim, continuando a farsa.
- Lembra-te que não podes aproximar-te
demasiado de humanas hoje, principalmente em locais públicos. Não vais querer
ter de limpar tudo aqui, para que não haja mais testemunhas.
Não demorou muito até que encontrasse a vítima
ideal para ele hoje, sorri levemente ao ver que, depois de umas belas horas,
entravam várias mulheres em conjunto para animarem a noite. Não, não era
propriamente um show que vinham fazer, e a chefe delas não vinha fazer nada
além do que… Morrer.
- Vem… - Disse-lhe, deixando sobre a mesa um
punhado de moedas, segurando-o pela mão. – Encontrei a mulher ideal para hoje.
Ele sorriu, por dentro o seu monstro estava a
sentir-se maravilhado com a ideia de finalmente puder sentir aquele quente suco
divinal. Aproximamo-nos da tal mulher, e eu sorri-lhe, tentando usar a minha
persuasão da melhor forma possível.
- Precisava da sua ajuda… - Comecei por
dizer-lhe, aproximando-me dela o suficiente para que poucos ouvissem. – Queria
que ajudasse aqui o meu amigo a… divertir-se.
- Claro, mas de que quantia estamos realmente
a falar? – Ah, como eu detestava esse tipo de pessoas de negócios!
- O que for necessário para que ele a possa
ter. – Respondi, sem qualquer rodeio.
- Como? – Perguntou-me, tentando parecer
embaraçada pelo que tinha acabado de dizer. – Eu não faço parte do acordo,
escolha uma das minhas pupilas que lhe servirão bem melhor do que eu.
- Nada disso… - Disse-lhe aproximando-me,
estava na hora de brincar um pouco. – Qual o teu nome?
- Madame Taulith. – Gaguejou ela, começando a
sentir a minha aura.
- Madame… Taulith… - Comecei eu, falando-lhe
nos olhos. – Será uma honra estar com o meu amigo.
- Será uma honra… - Ela repetiu, encadeada com
a minha voz.
- Por isso irá connosco se divertir um pouco
connosco, dirá aos seus amigos que sairá por esta noite, para que não a
esperem. – Ela afirmou com a cabeça, indo em direcção a uma das suas pupilas.
Nós limitamo-nos a sair, brevemente ela estaria cá fora.
- Quando posso eu fazer isso? – Perguntou-me
animado.
- Tudo tem o seu tempo Dean… Tudo tem o seu
tempo.
Entrámos os três no carro, depois dele ter
feito birra por querer ficar no banco de trás com a sua amiguinha.
- Não olhes para mim assim Dan, ela está muito
bem ali sozinha. Não quero que os estofos fiquem ensanguentados… O Eric iria
adorar que isso acontecesse ao seu carro novo.
- Eu prometo que não faço muito barulho e nem
sujo nada.
- Sim, sim… Diz isso ao teu amigo aí dentro,
está morto por saltar-lhe em cima!
- Isso não é justo. – Disse ele, exclamando
efusivamente.
- Meu carro, minhas regras.
Passados uns breves quilómetros, saímos do
carro. Eu própria segurei a presa, para que fosse mais fácil para ele seguir em
frente, sem que atacasse de imediato. Havia uma clareira onde a luz da lua iluminava
de uma forma especial, como se soubesse que hoje era um dia importante. A
partir deste dia, teria um aprendiz que necessitaria de mim durante os próximos
tempos. Havia ainda muito para aprender.
- Espera um pouco. – Disse-lhe, depois de
largá-la. – Tens que ter cuidado com as marcas que deixas. Mais importante do
que sentires aquele aroma da sua pele, o sabor do seu sangue enquanto o seu
coração bate vertiginosamente, tens que ter sempre em conta que o corpo
eventualmente acaba por ser sempre encontrado. Temos de saber eliminar qualquer
pista que evidencie que foi a nossa espécie a eliminar a sua vida suja.
- É tudo? Posso agora divertir-me, como
prometeste? Ela está à espera que eu o faça, afinal de contas foi por isso que
ela veio.
- Claro, eu ficarei por perto, ali junto a uma
árvore.
Por momentos ele simplesmente ficou lá,
quieto. Era uma batalha que tinha de travar sozinho, em que sempre o seu
monstro sairia vitorioso. Mesmo depois, todas aquelas memórias estariam na sua
mente, triturando o seu lado humano pela eternidade. Era a realidade da nossa
existência, uma luta constante entre duas partes do mesmo ser, fazendo com que
cada pedaço se despedaçasse lentamente, até que o monstro ganharia mais e mais
terreno. A chave, estava em conseguir conciliar os dois mundos, criando uma
barreira para que cada emoção que ficara marcada da nossa anterior vida,
continuasse aqui. E, por décadas, eu tinha perdido essa noção. Até que o
inferno veio, transformando-se numa felicidade imensa cheia de problemas. E o seu
principal nome seria Eric, por todas as novas horas desta minha morte.
O monstro tomou posse, brincando com o seu
cordeiro. Era um jogo que sempre se repetia a cada vez que a sede aparecia, era
um suplício ver novamente aquela dança inicial. Recordar-me de todas aquela às
vezes que tinha visto Henry fazê-lo. Logo ajudaria a eliminar cada traço da
nossa existência, até que conseguisse finalmente fazê-lo por si mesmo. A
primeira lição tinha sido dada, e ele a tinha passado bem melhor do que eu em
outrora. A sua força psicológica o tinha ajudado, juntamente com aquele seu
instinto de caçador que sempre marcaria a sua morte.
Passados três dias, ainda existia bastante
confusão e culpa pelo que ele tinha de fazer todas as noites. A realidade é que
depois seria cada vez mais simples habituar-se à sua sede e permanecer perto
dos humanos. Por isso estávamos nós: Eu, Eric e Frankie. Era altura de tentar
ajudá-lo a aguentar mais a agonizante dor que tinha na sua garganta.
- Eu acho que pudemos ter uma solução para isso…
- Disse, fazendo uma leve pausa. – Tu bem sabes que o teu primo consegue ter um
controlo sobre-humano para estar perto de ti. Podíamos usar isso em benefício
da sua aprendizagem.
- Sheftu, isso é uma péssima ideia! – Disse-me
Eric, deixando o Frankie completamente confuso. Já não era a primeira vez que
ele se mantinha contra mim. A primeira discussão começou depois de ter voltado,
ele estava contra a minha ajuda a Dean, por mais que ele fosse ou não meu
amigo. Eu não tinha nada de passar tanto tempo com ele a ensiná-lo a ser como
nós, vampiros. Eu tantas vezes o chamei de egoísta, tantas vezes que até já
perdi a conta. Por vezes, até parecia que estava a ter ciúmes do tempo que
passava com o recém-nascido, como se ele pudesse ser ajudado por alguém a não ser
eu! E Beth, ela simplesmente tinha desaparecido, apenas com uma nota sobre o
quarto onde ela tinha ficado, a dizer que tinha algumas questões pendentes para
resolver e que não queria levar-nos junto. Era algo demasiado pessoal e
perigoso para sequer me falar do assunto mas, por incrível que pareça, esse era
um dos meus menores problemas.
- Que ideia? – Perguntou-me Frankie, como eu
esperava que o fizesse. – Que ideia que estás a falar Eric?
- Ela acha que podemos usar do teu sangue para
fazer com que o Dean se controle melhor…
- Seria apenas um pequeno corte no teu braço,
talvez até só no teu dedo. O suficiente para que saísse um pouco de sangue.
Depois, estando mais próximos do Dean, íamos aproximando o teu dedo a ele,
forçando a sua concentração e fazendo-o aguentar melhor e conseguir
controlar-se com mais eficácia. – Continuei eu, explicando melhor do que se
tratava a ideia.
- Nem me digas que estás a pensar em aceitar!
– Começou por dizer a Frankie, mas depois virou-se para mim. – Sabes o quanto
pode ser arriscado! Tu bem viste o que pode acontecer, eu vi na tua mente!
- Eu estarei lá para que tudo seja controlado.
Não deixarei que nada aconteça. – Refutei.
- Tu estás louca! – Gritou Eric, saindo porta
fora.
- E como faríamos isso? – Perguntou-me Frankie,
interessado. Faria de tudo para ajudar o seu primo.
- Se aceitares, falaremos com o Dean. Depois
caso ele aceite a ideia, podemos tentar.
- Claro, vamos lá?
A porta estava fechada, antes de entrarmos.
Todo o quarto permanecia escuro, porque ainda era de dia e assim ele teria mais
tempo para conseguir acalmar-se. Frankie ligou a luz para puder vê-lo, que
estava sentado na antiga poltrona que Carmen costumava sentar-se.
- Precisamos de falar. – Disse-o,
aproximando-me enquanto ele se levantava.
- Eu já o ouvi. – Dean continuou a
aproximar-se de mim, parando mesmo à minha frente. – E o Eric tem razão, é uma
péssima ideia.
- Mas… - Começou Frankie por dizer, sendo logo
interrompido.
- Primo, faz-me um favor e sai. Que preciso de
falar com ela. – Logo que ele saiu, Dean continuou. – Não metas o meu primo
nisto, não quero que ele se magoe. Eu é que escolhi ser assim.
A sua unha passou sobre a minha pele, tentando
cortá-la, mas sem sucesso. Ele o sabia, porque eu lhe tinha contado da outra
vez o que me tinha acontecido, as minhas mudanças.
- Eu ainda me lembro… - Começou ele por dizer,
erguendo o meu braço. – Não te esqueças que estamos os dois juntos nesta
situação. Se queres ajudar-me, tudo certo. Mas, não metas mais ninguém no
assunto. Eu não o aceitarei.
Dito isto, ele voltou a sentar-se. Eu fiquei
por lá uns momentos, observando-o e tentando descobrir o que se passava pela
sua cabeça. O meu instinto dizia que relembrava vezes e vezes sem conta a sua
transformação, tentando captar algo que tenha acontecido depois. Sem sucesso,
eu bem o sabia, porque essa nossa morte, em que dormimos profundamente, por
mais que queiramos, jamais será recordada. A casa podia ter ido a baixo que ele
não o saberia. Afinal de contas, estava morto, e o seu corpo necessitava de
tempo para mudar. Nada podia fazer para lembrar-se, por mais vezes que
tentasse.
***
Já tinha passado mais de um mês desde aquela
sua primeira presa. O tempo era sempre uma ajuda para nós, vampiros, até que se
tornasse o nosso real inimigo. Um dia a monotonia ia enchê-lo de traços
desumanos. Mas isso iria ser algo que apenas ele o conseguiria suprimir.
- O que fazes? – Perguntou-me Frankie, à
entrada da minha porta. Há alguns dias que tinha retirado o portátil de Carmen,
para conseguir encontrar através dos seus amigos caçadores formas de treinar o
Dean contra as batalhas que tinha pela frente. Sim, porque estando perto de
nós, sempre surgiriam problemas. E a prova estava no desaparecimento repentino
que o Dean agora recusava sequer a relembrar. A realidade é que não havia
momento algum que ela estivesse lá dentro dele, por isso a sua irritação
constante. Inicialmente até podia ser da sede louca, ou até das pulsações que
se mantinham pela casa. Mas, agora, já não tinha tanta certeza.
- Nada de especial… - Respondi-lhe, rodando a
minha cadeira em sua direcção. – O que se passa?
- Alguma novidade quanto ao meu primo?
- Não sei… Diz-me tu. – Fiz uma breve pausa. –
Ainda continuam distantes?
- O que posso eu fazer? Primeiro pensei que
fosse por causa do meu sangue… Agora, já não sei ao certo. Tens alguma ideia do
que possa ser?
- Já devias de calcular de que ele se
afastaria por tocares tanto no tema. Ele não quer sequer se lembrar que foi
transformado pela Carmen, quanto mais ouvir o que pensas sobre o assunto.
- Mas não devíamos de procurá-la? – Perguntou
ele, aproximando-se lentamente à janela. Estava de noite, por isso falávamos.
Dean já começara a sair mais vezes por si mesmo ao longo destas semanas, e era
o mais correcto, aprenderia o restante através dos seus erros.
De tudo o que lhe tinha ensinado, rapidamente
aprendeu. Agora apenas tinha de treinar melhor as suas capacidades de combate,
era uma luta constante entre a sua ideia de caçador contra a de monstro.
Faltava-lhe ainda um pouco de precisão, e a sua mente já começava a acalmar,
conseguindo pensar de forma clara e sem grandes confusões. A sua real
transformação tinha sido há algum tempo, mas as suas falhas permaneciam por
ali. E, no nosso caso, cada falha pode levar-nos à morte, aquela de onde já não
se volta.
- Sheftu… - Ouvi Frankie, ao tentar
relembrar-me que estava ali e eu tinha-me simplesmente esquecido dele.
- Nós já a procuramos. – Suspirei
profundamente. – Sabes tão bem como eu a loucura que foram as primeiras
semanas. Ele nunca desistiu de a reaver, procuramos pistas… Procuramos
respostas em todo o local que fosse possível. Nada, nada de nada. Não
conseguimos sequer saber o que tinha acontecido. Tens que dar tempo ao Dean
para que consiga recuperar.
- Tem de haver algo… Algo que nos diga onde
ela pode estar.
- Eu sei, Frankie. Mas, primeiro temos de
fazer com que o teu primo queira ouvi-lo. Não podemos lembrar-lhe a cada
segundo o que aconteceu, deixa-o primeiro pousar as cinzas. Depois, nos
trataremos de tentar novamente encontrá-la.
Eu bem
sabia que cada hora, cada novo dia, sempre iria ser um peso enorme para Dean.
Por mais que ele negasse com aquele seu orgulho, o amor que tinha sentido por
ela, com a transformação, não só intensificou, como doeu. Dói não saber dela,
dói não a ter encontrado, dói pensar que ela pode ter simplesmente se esquecido
dele. A dor é tão grande, que simplesmente omitir tudo o que acontece dentro
dele pode amenizar tudo. Quando ele estiver preparado para embarcar a dor e
seguir em frente, aí nós tentaremos procurá-la de novo. Até lá, apenas a dor
dele iria permanecer certa.
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